A preço de Primeiro Mundo
A despeito do abismo entre seus faturamentos, empresas brasileiras estão muito próximas de suas congêneres norte-americanas em valor de mercado

, A preço de Primeiro Mundo, Capital AbertoO fortalecimento da economia brasileira trouxe outras benesses além do estabelecimento de boas condições para a realização de negócios e da consagração da bolsa como meio de captação de recursos. Hoje em dia, algumas empresas do País vivem uma situação impensável algum tempo atrás: apesar de contar com faturamento bem menor que o de companhias norte-americanas do mesmo setor, seu valor de mercado está bem menos distante.

Veja-se o caso da produtora de alimentos Perdigão. A companhia fatura US$ 3,7 bilhões, em comparação a US$ 27,1 bilhões de sua congênere nos Estados Unidos, a Tyson Foods. Em valor de mercado, porém, ela está quase lá. Vale US$ 5,2 bilhões em bolsa de valores, contra US$ 5,8 bilhões da norte-americana. A Localiza, que atua no setor de aluguel de carros e estreou em bolsa em 2005, teve no ano passado uma receita líquida dez vezes menor que a da gigante Hertz Global— US$ 850 milhões contra US$ 8,6 bilhões, segundo o banco de dados da Economática. Apesar disso, a empresa mineira apresenta um valor de mercado de US$ 2,06 bilhão e a Hertz, de US$ 3,4 bilhões, conforme os números do dia 18 de março. A Aracruz, do segmento de papel e celulose, também tem um décimo do porte da norte-americana International Paper — US$ 2,1 bilhão ante US$ 21,8 bilhões — e um valor de mercado não tão diferente assim. São US$ 8,1 bilhões contra US$ 12,3 bilhões da gigante mundial do setor, cuja matriz fica em Memphis, estado do Tennessee.

Mas o que leva uma companhia a ter uma razão valor de mercado/faturamento tão melhor que a de gigantes de seu setor provenientes de um mercado de ações tão eficiente e líquido como o norte-americano? Para Isac Zagury, diretor financeiro e de Relações com Investidores (RI) da Aracruz, podem-se enumerar diversas razões para o fenômeno, mas a principal tem cunho macroeconômico. “Antigamente, nossas empresas tinham um desconto muito alto em relação aos concorrentes internacionais porque o País tinha fundamentos econômicos mal resolvidos. Investir no Brasil era muito arriscado, mas, nos últimos anos, isso mudou de forma radical”, analisa. Em um cenário mais estável, companhias brasileiras passaram a ser percebidas não mais com desconto, mas com prêmio. “Hoje, não é difícil encontrar empresas brasileiras com rating melhor que o de seus concorrentes internacionais”, conta o executivo da Aracruz, companhia que é classificada como Triple-B Flat Outlook Stable, o mais alto rating de seu setor.

“O Brasil possui mercados fragmentados, com baixo consumo per capita em muitos setores e grandes possibilidades”

Wagner Salaverry, sócio da corretora Geração Futuro, salienta que, nos Estados Unidos, as companhias arcam com custos de mão-de-obra e insumos muito maiores que no Brasil, o que ocasiona margens de lucro proporcionalmente menores. “O que é melhor: comprar uma empresa menor que dê mais lucro ou uma muito grande que não cresce?”, questiona. O caso do setor de celulose traz algumas particularidades que ilustram bem a discrepância nos custos de produção aqui e lá fora. Enquanto no Brasil as florestas de eucalipto, usado para a extração da celulose, crescem rapidamente — cerca de sete anos —, nos Estados Unidos as árvores demoram aproximadamente 20 anos para chegar ao ponto de corte. Lá fora, é comum haver grandes distâncias entre as plantações e as fábricas, o que não ocorre tanto no Brasil. Por isso, para as companhias de celulose estrangeiras, o preço do petróleo influencia substancialmente os custos.

MUITA RECEITA, POUCO RETORNO — Eduardo Kondo, analista de investimentos da Concórdia, observa que a receita tem cada vez menos relação com o valor de mercado da companhia. “A rentabilidade é muito mais decisiva para definir o preço da ação.” Carlos Raimar, diretor de RI e aquisições da operadora Vivo, concorda: “Quando se avalia o valor de uma empresa, a primeira coisa a ser levada em consideração é a sua capacidade de geração de caixa”. A empresa de telefonia móvel teve, em 2007, um faturamento de US$ 7 bilhões e valia, em 18 de março, US$ 9,4 bilhões. Já a Sprint Nextel, com receita líquida de US$ 40,1 bilhões, tinha um valor de mercado de US$ 16,8 bilhões. É verdade que a norte-americana também não anda lá muito bem das pernas. O resultado de 2007 foi um dos piores da história da Nextel, o que certamente contribuiu para o encurtamento da distância entre as duas companhias.

Segundo o diretor de RI e aquisições da Vivo, outra variável a ser levada em conta é a alavancagem da companhia. “O múltiplo de valor de mercado por faturamento não considera o grau de endividamento da empresa. Neste caso, a Nextel certamente tem uma dívida muito maior que a Vivo”, afirma. No fim do ano passado, a companhia norte-americana anunciou uma dívida de US$ 22,1 bilhões, enquanto o relatório do quarto trimestre de 2007 da Vivo apontava débito de R$ 2,5 bilhões.

Nos EUA, as companhias arcam com custos de mão-de-obra e insumos maiores, o que reduz as margens de lucro

A desvalorização da moeda norte-americana diante do real, que ajuda a “turbinar” a valorização de nossas companhias em relação às norte-americanas, é outro ponto crucial. “A depreciação do dólar ocorre em escala global e afeta todas as empresas não-americanas. Mesmo com uma eventual apreciação do dólar, a valorização das empresas daqui não fica comprometida, pois suas bases estão muito mais sólidas do que em outros tempos”, diz Salaverry, da Geração.

O PREÇO DO FUTURO — Na posição de país emergente, o Brasil carrega uma vantagem competitiva inegável perante o mercado norte-americano: a perspectiva de crescimento, um componente relevante na formação do valor de mercado em bolsa de valores. Enquanto a demanda por produtos e serviços no país mais rico do mundo encontra-se estabilizada, o elevado potencial de crescimento de um mercado em ascensão, como o brasileiro, acaba alavancando o preço de mercado das companhias daqui. Entre 2002 e 2007, o setor de alimentos, por exemplo, cresceu 97% no País. O incremento do segmento de automóveis atingiu 58%, enquanto o de roupas e calçados foi de 50%. Ainda assim, o consumo per capita do brasileiro está longe do norte-americano. Estudo feito pelo Deutsche Bank mostra que, enquanto no Brasil o consumo de petróleo por habitante se limita a meio galão por dia, nos Estados Unidos este número sobe para três. Aqui se consome 4 quilos de alumínio por ano, muito pouco diante dos 20 quilos utilizados lá.

, A preço de Primeiro Mundo, Capital Aberto“O Brasil possui mercados fragmentados, com baixo consumo per capita em muitos setores e grandes possibilidades de desenvolvimento. Por isso a expectativa em relação às companhias brasileiras é bem mais animadora”, avalia o diretor de RI da Localiza, Silvio Guerra. Pesquisa feita pelo Bank of America prevê para a Hertz um incremento de receitas de 2,4% ao ano, até 2011. A projeção de crescimento para a Localiza nesse mesmo período é de 30,3%. Tal cenário, para o executivo, “põe a faca e o queijo em nossas mãos”. Mercados fragmentados têm grande tendência à consolidação e ótimas oportunidades de investimento. “É bem provável que, daqui a alguns anos, tenhamos grandes corporações em diversas áreas, como é comum nos EUA e na Europa hoje”, prevê.

No que depender das possibilidades de expansão, o setor de telefonia móvel também tem muita lenha para queimar. Nos Estados Unidos, a base do mercado está nos planos pós-pagos, ao passo que, no Brasil, grande parte — cerca de 85% — dos celulares é pré-paga. Ou seja, a maioria dos clientes usa o serviço de forma irregular. “Com a aposta na alteração da base de pré para pós, vinculando o cliente por mais tempo e gerando mais receita, as empresas brasileiras ainda estão longe de uma saturação”, analisa a Planner.

SUPERVALORIZAÇÃO? — Por causa disso, o cenário atual não constitui nem uma supervalorização das empresas brasileiras, nem uma subvalorização das norte-americanas. “É uma precificação justa, que leva em conta a qualidade da companhia brasileira e sua capacidade de crescimento”, opina Luiz Otávio Broad, analista da Ágora Corretora. Salaverry, da Geração Futuro, corrobora: “A competitividade de nossas melhores empresas justifica toda essa valorização que estão recebendo”.

O índice preço/lucro — que estima quantos anos seriam necessários para o investidor recuperar o capital aplicado na compra da ação e é muito utilizado para avaliar se um papel está caro ou barato — dá algumas pistas de como as ações brasileiras estão se comportando diante daquelas do Tio Sam. Segundo dados da Economática do dia 26 de março, o índice P/L da Aracruz estava em 12,16, ante 9,78 da International Paper. Para a Localiza, a relação era de 20,88, enquanto a da Hertz estava em 15,19. A Vivo e a Sprint Nextel, por não darem lucro, não permitem a mesma comparação.

As diferenças entre os índices P/L não seriam, então, uma evidência de que as brasileiras estão caras demais? Não necessariamente, reiteram os especialistas ouvidos pela CAPITAL ABERTO. “Se ajustarmos o índice à taxa de crescimento, podemos afirmar que as ações de algumas de nossas empresas estão baratas. Basta olhar as estimativas de resultados, os projetos de expansão e as margens dessas companhias diante das baixas expectativas nos EUA”, diz Salaverry. Faz sentido. Mas não há dúvida de que a abundância de liquidez assistida nos últimos anos e o maior apetite dos investidores globais por países emergentes deram aquela força para que nossas companhias ficassem tão bem cotadas. A bolsa brasileira agradece.


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