O recente caso da aquisição do controle da Medial pela Amil aqueceu a já acalorada discussão em torno de certas poison pills inseridas nos estatutos sociais de companhias abertas brasileiras. Esses dispositivos tratam da obrigatoriedade de realização de oferta pública de aquisição de ações (OPA) quando ocorre uma compra de participação acionária significativa.
No caso, a Amil adquiriu de forma direta e indireta ações representativas de cerca de 52% do capital social da Medial detidas pelos seus então controladores e realizou OPA. O objetivo foi cumprir o artigo 254-A da Lei 6.404/76 (conhecido como tag along), a Instrução 361/02 da CVM, o regulamento do Novo Mercado e o estatuto da Medial, garantindo aos acionistas minoritários da empresa o mesmo preço por ação pago aos controladores. Contudo, o estatuto da Medial possui cláusula de proteção da dispersão acionária. Se aplicado nessa operação, o dispositivo obrigaria a Amil, adquirente de mais de 20% do capital, a realizar uma outra OPA para comprar as ações de emissão da companhia detidas pelos minoritários por um preço completamente diferente e, eventualmente, maior do que aquele pago aos controladores.
A coexistência desses dois dispositivos, aparentemente exigindo a realização de duas OPAs — uma para cumprir o direito de tag along e outra por força da poison pill — nos remete à polêmica da aplicação cumulativa das duas normas em casos de operações de alienação de controle.
A OPA de tag along busca garantir o tratamento da lei (em combinação com a regulamentação da BMF&Bovespa e do respectivo estatuto, se for o caso) aos acionistas minoritários quando o controlador decide se retirar da sociedade. Já o objetivo da OPA realizada em razão da poison pill é outro: manter a dispersão acionária, resguardando a liquidez das ações em circulação e desestimulando a concentração de capital nas mãos de terceiros, além de dificultar aquisições hostis. Essas não são aplicáveis em casos de alienação de controle, por se tratar de aquisição de ações detidas por um controlador definido e, portanto, excluídas do free float. É certo que sua transferência para um novo controlador não afetará a dispersão ou liquidez das ações da empresa, única condição para a OPA decorrente de poison pill.
Uma operação de alienação de controle acionário ocasiona, muita vezes, a aquisição de quantidade de ações superior à estipulada pelo estatuto para fins de realização da OPA da poison pill. A aplicação alternativa ou sucessiva de ambas as normas, por preços diferentes, torna-se impossível por atentar contra sua interpretação sistemática e finalística. Entre ambas as normas, prevalece necessariamente a obrigação legal da OPA de tag along, dada a natureza jurídica da operação, que é a alienação do controle acionário da companhia. Qualquer outra interpretação que não dê prevalência à OPA de tag along e seus procedimentos específicos importará em violação direta da lei e na criação de desnecessário e inadequado conflito quanto ao direito cabível. Portanto, prevalecendo o mecanismo da OPA de tag along, não há de se falar em preço definido por regras estatutárias de poison pill.
Contudo, em teoria, o estatuto de uma companhia aberta poderia conter norma relativa à imposição de uma OPA de poison pill, de aplicação subsidiária à OPA de tag along, desde que compatibilize ambas as operações, impedindo preços diversos.
Diante de casos como o da Amil-Medial, é saudável, principalmente após a divulgação do Parecer de Orientação 36/09 da CVM, a revisão dos estatutos das companhias que abriram capital recentemente e introduziram cláusulas de poison pill eventualmente incompatíveis com operações normais de mercado.
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