À espera de um valor justo
Em revisão no mercado internacional, a aplicação dos padrões internacionais para os fundos de private equity permanece indefinida. Espera-se que o Iasb desista dos seus métodos

, À espera de um valor justo, Capital AbertoAo contrário de outras categorias de fundos, como os de ações, renda fixa e de recebíveis, que já foram adaptadas às normas contábeis internacionais, os Fundos de Investimento em Participações (FIPs) brasileiros se mantêm incólumes às mudanças. E há boas chances de que continuem assim. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vai apresentar as regras para adaptação dos FIPs aos chamados International Financial Reporting Standards (IFRS), mas o fato é que o próprio padrão internacional está mudando nesse tópico. O mais provável é que a alteração seja em direção à prática que a maioria dos nossos FIPs já adota, ou seja, a contabilização dos ativos por meio do valor justo (o fair value). Se isso ocorrer, pouca ou quase nenhuma modificação terá de ser feita na maioria dos FIPs brasileiros, para sorte dos gestores e até dos cotistas.

Na Europa, berço dos IFRS, os gestores tratam os investimentos dos FIPs como se fossem os de uma empresa: incorporam esses ativos ao balanço por meio da equivalência patrimonial (quando a participação é inferior a 50%) ou da consolidação (quando se tem o controle da companhia investida). No entanto, espera-se que o International Accounting Standards Board (Iasb), que estipula as normas dos IFRS, permita que os fundos de private equity utilizem o valor justo.

A discussão no exterior tomou corpo com a intenção de convergir as regras contábeis internacionais, os IFRS, e as norte-americanas, os US GAAP. Uma das questões discutidas refere-se genericamente ao cálculo do valor justo — e, por tabela, às ocasiões em que esse critério é utilizado. Em maio, o Iasb e a entidade que determina as normas contábeis americanas, o Financial Accounting Standards Board (Fasb), emitiram um pronunciamento com padrões para o cálculo do valor justo comuns aos IFRS e aos US GAAP. No entanto, os dois órgãos não liquidaram a questão e ainda vão se pronunciar sobre uma provável mudança nas normas dos IFRS referentes ao private equity. Os US GAAP tratam os investimentos de private equity com o método do valor justo.

O valor justo é visto como o mais adequado, porque se aproxima daquele a ser obtido quando a venda ocorrer

O ponto em debate é: diferentemente de uma companhia que investe em outra com um viés estratégico para o seu negócio, os fundos de private equity compram participações para vendê-las após alguns anos com retornos, de preferência, bastante elevados. Por isso, a contabilização dos ativos de acordo com o valor justo é vista como a mais adequada, uma vez que reflete as perspectivas para o futuro da empresa e, dessa forma, se aproxima do valor a ser obtido quando a venda ocorrer. A discussão no cenário internacional é se seria necessário abrir uma exceção nos IFRS para os fundos de private equity, permitindo que eles contabilizem os ativos pelo valor justo, tal como a norma americana. Esse seria mais um passo no esperado processo de convergência dos US GAAP com os IFRS, o que certamente daria à CVM uma direção clara de qual caminho seguir.

Já a equivalência patrimonial e a consolidação permitem que o investidor (seja um fundo ou uma empresa que comprou participação em outra) capture, em seu balanço, o lucro passado obtido pela investida. Por essa razão, esse método é considerado mais indicado para investidores estratégicos, que detêm uma posição de longo prazo e não pretendem vendê-la. “A tendência é de que os europeus cedam e abram uma exceção para os fundos de private equity”, afirma Carlos Asciutti, sócio da Ernst&Young Terco.

Mas o que diz a regulamentação brasileira? A Instrução 391/03 da CVM, que rege os FIPs, faculta ao gestor a adoção da prática contábil mais adequada: ele pode tanto registrar o investimento pelo seu custo de aquisição, como pelo valor justo ou pelo método da equivalência patrimonial/consolidação. Muitos fundos optam pelo registro ao valor de aquisição no primeiro ano após a compra (quando esse valor é bastante similar ao de mercado), e nos períodos seguintes avaliam o ativo de acordo com o valor justo.

A forma contábil pode ter um impacto grande no valor das cotas dos fundos de participações. Como o valor justo incorpora as projeções de crescimento da companhia, as participações tendem a ser precificadas para cima quando se usa esse método. Se a opção do Iasb for, eventualmente, manter a equivalência patrimonial, e a CVM seguir esse caminho para conservar o alinhamento com a norma internacional, os investidores poderão ter de absorver uma redução significativa no valor de suas cotas.

Mas nem tudo é perfeito no mundo do valor justo. Sua adoção traz mais volatilidade, pois reflete melhor a perspectiva do momento. Nos Estados Unidos, geralmente, as cotas dos fundos de private equity são revisadas a cada trimestre ou quando há um evento de entrada ou saída de um investimento. Além disso, a adoção do valor justo implica mais subjetividade, porque impõe estimativas e projeções. Para dar credibilidade aos números, muitos fundos norte-americanos constituíram comitês de avaliação dos investimentos.

Saber para qual lado o mercado irá caminhar é algo fundamental para os fundos brasileiros, já que a migração para os IFRS, se eles forem mantidos como estão atualmente, seria longa e custosa. “A relação custo versus benefício de os fundos se adequarem aos IFRS não é evidente”, salienta Bruce Mescher, sócio-líder de Global IFRS and Offerings Services (Gios) da Deloitte. Para ele, o esforço para um fundo de participações adotar os IFRS seria proibitivo, pois envolveria o levantamento das informações financeiras em outro padrão e um ajuste nos sistemas.

“ESPECIALMENTE COMPLEXO” — Marco André Almeida, sócio líder da área de private equity da KPMG no Brasil, pondera que a vantagem de usar os IFRS nos fundos de private equity seria o fato de eles serem um conjunto de normas internacionalmente aceito e robusto. Mas ele reconhece que migrar as demonstrações para os IFRS não seria um processo exatamente simples.

CVM decidiu emitir as regras contábeis dos FIPs por último para aguardar a definição internacional

Em breve, a CVM deverá se manifestar sobre essa questão. A autarquia está começando a reforma das normas contábeis de vários tipos de fundos de investimento, com o objetivo de adequá-los aos princípios do novo padrão contábil e de aumentar a transparência da mensuração dos seus ativos e passivos. Os primeiros a serem alterados foram os fundos criados no âmbito da Instrução 409/04 (como os de renda fixa e de ações). Em seguida, vieram os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Agora, a autarquia está se debruçando sobre as normas referentes aos fundos de investimento imobiliário (FIIs), que devem vir para audiência pública nas próximas semanas.

As últimas da fila são as normas referentes aos FIPs: “A contabilização dos ativos dos fundos de private equity é uma questão especialmente complexa por causa da sua falta de liquidez”, esclarece Alexsandro Broedel, diretor da autarquia. Por conta dessa dificuldade e da indefinição que paira no cenário internacional sobre a maneira mais adequada de contabilizar esses ativos, a norma referente aos FIPs foi deixada por último: “Não faz sentido baixar uma norma para revisá-la logo em seguida”, comenta Broedel.

A sistemática de revisão dos padrões contábeis dos FIPs será a mesma que vem sendo utilizada para os outros fundos, explica José Carlos Bezerra, gerente de normas contábeis da CVM. Primeiro, será formado um grupo de trabalho composto de profissionais da autarquia, auditores independentes e administradores de recursos. Eles farão uma pré-minuta das normas, e a CVM irá discuti-las internamente para depois levá-las a audiência pública e receber comentários do mercado.

O impacto dos IFRS não se restringe aos fundos. As empresas investidas também tiveram de mudar a forma como registram as participações adquiridas

O impacto dos IFRS sobre os investimentos em private equity não se restringe aos fundos.
As empresas investidas também tiveram de mudar a forma como registram as participações adquiridas. “Como os IFRS buscam captar a essência das transações, as companhias que recebem investimentos de private equity devem analisar os efeitos contábeis que eles podem gerar”, orienta Almeida, da KPMG. Um exemplo são os investimentos feitos sob a forma de ações preferenciais resgatáveis. Embora sejam ações, de acordo com os IFRS, elas representam um passivo para a companhia porque esta se compromete a recomprá-las se não conseguir dar outra saída ao fundo de private equity — por exemplo, por meio de uma oferta pública de ações. Nesse caso, a operação é enquadrada como dívida nas demonstrações da empresa investida, e não como um aporte de capital. As mudanças, como se vê, são complexas. Não é a toa que os gestores de private equity torcem para o IASB rever sua posição.


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