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A crise mudou o jogo para Alexandre Bettamio
Alexandre Bettamio, presidente do Bofa Merrill Lynch no Brasil, prepara munição para disputar mandatos com os bancos comerciais

A vida não anda fácil para os bancos de investimento no Brasil. Basta espiar os rankings das instituições que assessoram clientes em fusões e aquisições (M&A), ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) ou ofertas subsequentes (os chamados follow-ons). Bancos comerciais como Santander, Itaú Unibanco e Bradesco agora desfilam entre os primeiros lugares, tirando a liderança até então confortável das placas mais famosas de Wall Street. No ranking de IPOs e follow-ons da Thomson Reuters no período de janeiro a março, três dentre os cinco mais bem cotados eram bancos comerciais, incluindo o primeiro lugar.

O presidente do Bofa Merrill Lynch no Brasil, Alexandre Bettamio, conhece bem as razões dessa mudança. A crise financeira restringiu as fontes de financiamento disponíveis para as empresas, aproximando-as dos bancos comerciais, que estavam mais abastecidos de recursos para emprestar. Espertos, eles aproveitaram a chance para incluir a assessoria em transações futuras como uma discreta contrapartida nos pacotes de ajuda fechados com os clientes. Nesse meio tempo, alguns deles fundiram-se, ganhando ainda mais cacife. “Os bancos comerciais souberam ocupar esse espaço com inteligência”, reconhece Bettamio.

Se o jogo estava mudando, era preciso se equipar para o novo desafio. E Bettamio estava, graças a um infortúnio que depois virou sorte, no caminho certo. No auge da crise do subprime, em setembro de 2008, o Merrill Lynch fora comprado pelo Bank of America. “É como se um Bradesco tivesse se juntado com o Pactual”, exemplifica o banqueiro, para ilustrar a união de uma instituição de varejo poderosa com um banco de investimento aguerrido. O casamento, inicialmente cheio de problemas, veio a calhar quando a competição com os bancos comerciais começou a apertar. No começo deste ano, o Merrill Lynch conseguiu mais do que dobrar seu limite de exposição ao risco do País (chamado no jargão do setor de country limit), graças à junção com o Bofa. A instituição também aguarda uma licença do Banco Central para atuar como banco múltiplo que lhe permitirá, dentre outras coisas, oferecer empréstimos na moeda real para as empresas. “Não queremos abrir agências, mas vamos ter uma relação muito mais comercial com nossos clientes. Acabou essa história de assessorá-los só em transações”, diz o executivo, que vem capturando talentos para ajudá-lo na empreitada.

Mas Bettamio sabe o tamanho dessa briga. Por isso, tem muito claro para si com quem vai competir. Ele divide os players desse mercado em três tipos: os bancos globais (Goldman Sachs, JP Morgan, Morgan Stanley, Bofa Merrill Lynch, etc.); os bancos globais que compraram instituições no Brasil (Credit Suisse, Santander, HSBC); e os nacionais (BTG Pactual, Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil). “Quero estar em primeiro lugar, mas dentro do grupo dos meus equivalentes”, diz. Nesse primeiro trimestre, ele não atingiu o objetivo. Segundo o ranking da Thomson Reuters, o Bofa Merrill Lynch ficou na frente do JP Morgan, seu principal rival, mas atrás de Goldman Sachs e Morgan Stanley. “Não fomos tão bem, mas isso logo vai mudar. Vários deals estão entrando, o resultado do primeiro semestre vai ser muito melhor”, garante.

“Não queremos abrir agências, mas vamos ter uma relação muito mais comercial com nossos clientes. Acabou essa história de assessorá-los só em transações”

Setembro inesquecível

Sim, Bettamio está entusiasmado com o futuro. E praticamente recuperado dos maus momentos vividos há cerca de um ano e meio, quando o Merrill Lynch foi socorrido pelo Bank of America no histórico fim de semana de 2008 que quebrou os mercados financeiros do mundo. Ele estava no Merrill desde abril daquele ano como chefe do banco de investimento, mas tinha sido alçado ao cargo de presidente da instituição no Brasil no começo de setembro, apenas uma semana antes da quebradeira. Estava em Nova York naqueles dias. Viu de perto as ações do banco despencando em meio aos rumores de insolvência que cresciam diante da iliquidez dos créditos subprime.

Na sexta-feira 12, os papéis perderam mais de 50% do valor, e uma reunião de emergência foi convocada.
O intuito era orientar os executivos a acalmar a turma, “para que ninguém deixasse o pânico tomar conta”.

Encerrados seus compromissos em NY naquele dia, Bettamio não voltou ao Brasil. Tinha combinado com a irmã que morava em Boston de acompanhar o batizado do sobrinho no fim de semana. Ainda na sexta-feira, ligou para o pai e avisou: “o Merrill Lynch quebrou, tenho certeza”. O pai achou um exagero. No dia seguinte, convocou sua equipe mais próxima para um “call”. Queria planejar os próximos passos, no caso de sua previsão se materializar. “De quem íamos aceitar ordens? Qual era o nosso papel fiduciário naquele momento? Tínhamos de pensar sobre tudo o que podia acontecer.” No domingo à noite, enquanto comia uma pizza com a irmã depois do batizado, ouviu na TV: “Bofa compra o Merrill Lynch, com prêmio de 70%”. O Lehman Brothers desmantelou-se na manhã do dia seguinte. Era o começo de um calvário que duraria meses.

“Comemos o pão que o diabo amassou”, recorda Bettamio. Não era para menos. O imponente touro que há quase cem anos simbolizava a força do Merrill Lynch havia sido dominado por uma instituição comercial que registrava em sua história dois desinvestimentos no Brasil: um em 2001, quando o Bofa se desentendeu com os dois sócios locais do Banco Liberal, herdado na aquisição do Nations Bank; e outro em 2006, quando vendeu a sua participação no BankBoston para o Itaú. O clima lá fora tampouco ajudava. O Bofa era criticado por pagar uma fortuna pelo Merrill — “por que eles desembolsaram US$ 50 bilhões se, no dia seguinte, com a quebra do Lehman, teriam gasto uma ninharia?”, alfinetou o megainvestidor Warren Buffett, em noticiário na época — e o CEO do Merrill, o ex-chefão da Nyse John Thain, levava tiro de todos os lados. Era acusado de ter escondido prejuízos (que só foram conhecidos pelo Bofa no balanço trimestral divulgado após a compra), de pagar bônus que não devia aos seus executivos e ainda de gastar dezenas de milhares de dólares na decoração luxuosíssima de sua sala enquanto a Merrill se esvaia em prejuízos.


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Quando se trata de banco, confusões desse tipo têm um efeito conhecido: perda de clientes e de mandatos. Para piorar, resolver a insegurança da filial brasileira não era, é claro, uma prioridade do Bank of America no meio do turbilhão. “Passamos meses na sarjeta. Ninguém queria nos dar negócios aqui”, lembra Bettamio. O primeiro semestre de 2009 foi uma lástima para o banco. Mas depois que o mercado se convenceu de que o Bofa estava interessado no Brasil, o cenário mudou. O Bofa Merrill terminou o ano passado em quarto lugar no ranking da Thomson Reuters de IPOs e follow-ons — a maior ascensão do período. Em 2008, chamuscado pelos créditos subprime, tinha ficado em 13º lugar.

A virada também aconteceu no âmbito internacional. Segundo dados da Dealogic, o Bofa Merrill Lynch foi líder em assessoria de IPOs globais e emissões de dívida corporativa no mundo durante o primeiro trimestre de 2010. “É uma história de superação”, resume Bettamio. Para ele, os momentos difíceis azeitaram o processo de fusão. “A crise baixa os egos e cria alinhamento. Viramos uma potência”, afirma. “Se o suíço UBS foi o banco da década passada, o Bofa Merrill Lynch é o banco da próxima. Temos talento e complementaridade.”

Nada por acaso

Falar do UBS Warburg emociona Bettamio. Foi lá que ele desenvolveu sua carreira, durante 13 anos, participando ativamente da recuperação do mercado de capitais no Brasil. Organizou, por exemplo, as duas primeiras emissões do Novo Mercado — de CCR e Sabesp. “O UBS era um espelho de mim mesmo, de tudo o que eu acreditava: um banco de investimento em que as pessoas se realizavam, se sentiam apreciadas e ganhavam dinheiro.” Quando trocou o banco suíço pelo Merrill Lynch, em abril de 2008, o UBS já não era mais o mesmo. Estava se desfacelando em meio à crise dos créditos podres. Seus principais executivos começavam a cair como dominó, um a um. Ele tinha ciência de que estava saindo de um banco com um quadro complicado para outro em situação não muito diferente. Só não imaginava que o Merrill fosse quebrar meses depois.

Ainda bem que, em sua história, Bettamio tinha sido preparado para vencer o pior. Quando era garoto, seus planos para o futuro passavam longe de ser um banqueiro de investimentos, mas nunca de lidar com adversidades. Filho de oficial do exército, carioca, morador da Urca, Bettamio foi educado a vida inteira em colégio militar. Aos 16 anos, já com o colegial concluído, não foi prestar vestibular para administração ou engenharia, como fez a maioria dos seus colegas de profissão. Entrou para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), na qual passou quatro anos estudando ciências humanas e exatas em período integral, sob rigoroso treinamento físico e psíquico, até virar aspirante a oficial e perceber que tinha alguma coisa errada no seu caminho. “Concluí que o Brasil era um país pacífico, e que eu estava me formando em algo que nunca iria exercer. Além do mais, ainda que eu me tornasse um exímio militar, ia ganhar o mesmo soldo de todo mundo. A diferença de remuneração entre um general e um sargento é muito pequena.”

Depois de uma longa conversa com o pai — “ele foi muito compreensivo comigo”— Bettamio decidiu abandonar o exército e agarrar uma vaga na PricewaterhouseCoopers, conseguida com a ajuda da irmã. Resolveu também começar uma faculdade, de Direito, no Mackenzie. Dois anos depois, estava trabalhando no escritório da PwC em São Francisco, na Califórnia, quando ouviu falar de Wall Street e de “gente que fazia MBA e ganhava salário de US$ 100 mil”. Foi picado pelo glamour: “Adorei aquela ideia de sair atrás de cliente para propor negócios”. Mandou currículo para vários bancos até conseguir uma vaga de backoffice na área de banco de investimento do Citi, no qual passou um ano frustrando-se com a rotina entediante dos bastidores.

Pensou em voltar para a PwC, mas na mesma semana surgiu uma vaga para a área de M&A do Citi. Ele se candidatou, alçou o posto e ficou mais um ano lá, até perceber que, “para fazer parte de um banco de investimento de verdade”, precisaria ter um MBA. Resolveu, então, inscrever-se para um dos mais respeitados e difíceis cursos de pós-gradução, o de Harvard. Não passou. Desanimado, participou de entrevistas no antigo banco Patrimônio até ser chamado para um café despretensioso com Luiz Muniz (hoje no Rothschild), que lhe ofereceu uma vaga para trabalhar na Salomon Smith Brothers fazendo apenas uma ressalva: teria de ser em Nova York. “Era simplesmente tudo o que eu queria”, conta com um sorriso satisfeito. “Realizei meu sonho.” Dois anos depois, veio um convite para voltar ao Brasil e começar aqui o SBC Warburg, que logo seria comprado pelo UBS.

Dinheiro não falta

“E quais as previsões para o mercado de capitais este ano, Bettamio?”, perguntei, lembrando que a maioria dos IPOs até agora saiu abaixo da faixa de preços sugerida pelos bancos. Sem economizar sua franqueza, ele aproveitou o gancho para fazer um mea-culpa. “Sabe que isso tem um lado bom? Aos banqueiros está impondo a disciplina de só trazer empresas que estejam preparadas, e aos empresários, o cuidado de só ir a mercado quando estão capacitados.” É verdade, Bettamio, essa é uma ótima notícia. O fiel da balança das emissões milionárias, finalmente, tornou-se o investidor.

Mas a farra daqueles anos teve o seu preço. Muitos investidores sofreram com o arrefecimento da liquidez e a desvalorização dos papéis que compraram durante o boom. “Os IPOs não deram tanto resultado quanto se esperava. Por isso os investidores hoje preferem os follow-ons e as grandes operações, que lhes oferecem menos riscos”, explica. Dinheiro, contudo, não falta, garante — “tem muita grana parada em caixa lá fora”. Se confirmada, a megacapitalização da Petrobras, estimada em US$ 30 bilhões, será ótima para o Brasil, avalia. “Teremos um grande catalisador de volume para cá. Não espero que essa operação drene recursos, não, pelo contrário. Só agrega.”

A hora de captar é agora, no primeiro semestre, ele avisa. Depois, o cenário ficará mais nebuloso, com a indefinição trazida pelas eleições e os efeitos colaterais da alta dos juros no Brasil e nos Estados Unidos sobre o mercado de equities. É bom ficar atento, sugere. “Essas eleições não vão ser o ‘nightmare’de 2002, nem o ‘walk in the park’ de 2006. O gringo não acordou ainda, mas, logo, logo, o tema da transição estará na pauta dele.”


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