A captação de recursos que o banco de investimentos Goldman Sachs organizou para o Facebook em janeiro chamou a atenção pelo valor arrecadado, nada menos que US$ 1 bilhão. Foi o financiamento mais elevado da meteórica trajetória do maior site de relacionamentos do mundo, criado em 2004. Mas a grande façanha do negócio foi outra: a oferta privada de ações jogou luz sobre o surgimento de mercados organizados para negociar ações de empresas de capital fechado nos Estados Unidos.
Após o estouro da crise em 2008, muitas empresas adiaram os planos de abrir o capital e seus funcionários, cujos salários eram parcialmente pagos em ações, procuraram alternativas para vender os papéis. Em 2009, a SecondMarket e a SharesPost se tornaram pontos de encontro online entre compradores e vendedores desses ativos. Os únicos autorizados pela regulamentação norte-americana a participar desse ambiente são os chamados investidores qualificados (“accredited investors”): investidores institucionais; sócios ou executivos da empresa cuja ação é negociada; e pessoas físicas com um patrimônio líquido mínimo de US$ 1 milhão ou renda anual individual de US$ 200 mil ou conjunta de US$ 300 mil.
Nos dois casos, o esforço número um é conquistar empresas iniciantes, como o Facebook e o Twitter, e fundos de capital de risco. Além deles, acionistas, fundos de investimento e outros investidores institucionais compõem a lista de inscritos nos sites. Em fevereiro, o www.secondmarket.com tinha 35 mil usuários registrados, e o www.sharespost.com, um pouco mais de 50 mil.
Cada um desses ambientes tem uma forma de funcionamento. A SecondMarket, que se define como uma plataforma online para investimentos “alternativos” — como em títulos lastreados em hipotecas — existe desde 2004. Em abril de 2009, começou a negociar ações de empresas de capital fechado. Atua como corretora registrada na Securities and Exchange Commission (SEC), intermediando a compra e a venda de papéis. A cada transação concluída, cobra um percentual de compradores e vendedores. Além disso, seu departamento jurídico presta consultoria legal a empresas, acionistas e potenciais compradores.
A SharesPost foi lançada em junho de 2009 e possibilita a negociação somente de ações de empresas de capital fechado. Não é registrada como corretora na SEC e terceiriza os serviços de intermediação, consultoria jurídica e análise de investimentos. Seu ganha-pão é o dinheiro cobrado das corretoras para operar na plataforma. Na página principal da Sharespost, as empresas estão à vista. A maior parte é de nomes da tecnologia, como o Facebook, o site de namoro eHarmony, e o Linden Lab, criador do mundo virtual Second Life, ex-hit da internet. Mas só quem é cadastrado pode clicar e ver os preços das ofertas. Em entrevista ao site socaltech.com em 2009, Greg Brogger, na época diretor-presidente da plataforma, explica que as ofertas de compra são listadas do preço mais alto ao mais baixo. Já as de venda seguem a ordem inversa. Assim, compradores e vendedores são “casados” de forma mais eficiente.
O último preço alcançado pelas ações vendidas permite projetar o valor de mercado da empresa. A SharesPost publica também um índice, o Sharespost Venture-Backed Index, calculado com base nos preços de transações concluídas recentemente, atuais preços de oferta de compra e venda, estimativas de analistas e o valor atribuído à empresa pela última rodada de captação de capital de risco. Sete companhias fazem parte do índice: eHarmony, Facebook, LindenLab, LinkedIn, Serious Materials, Twitter e Zynga.
Os dois mercados competem ferozmente. O atual diretor-presidente da SharesPost, David Weir, enviou um email à CAPITAL ABERTO por meio de sua assessoria dizendo: “A SecondMarket alega ter um maior volume financeiro de negócios, mas ninguém pode verificar esses dados. É nossa política não divulgar números, por isso esse aspecto não está claro.” A publicação Investor’s Business Daily de setembro de 2010 traz uma entrevista com o ex-diretor-presidente Greg Brogger em que ele calcula um volume de transações de US$ 110 milhões para o período de janeiro a setembro de 2010. A SecondMarket divulgou o total de US$ 400 milhões em transações concluídas no ano.
Os “accredited investors” são os únicos autorizados pela regulamentação norte-americana a comprar os papéis
Em 2010, a SecondMarket recebeu US$ 15 milhões da Fundação Li Ka Shing, de Hong Kong, e do Temasek Holdings, companhia de participações do governo da Cingapura, para lançar uma unidade de desenvolvimento de negócios na Ásia, similar à que existe em Israel. “E se encontrarmos oportunidade no Brasil, vamos investir,” disse uma assessora da SecondMarket.
PORTAS FECHADAS — No que depende da regulamentação brasileira, por enquanto, a ideia está fora de cogitação. Otavio Yazbek, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), explica que a venda de ações em plataformas como essa seria caracterizada, no Brasil, como distribuição pública — ofertas que não partem de um relacionamento pessoal e em que se usam esforços profissionais. Além disso, qualquer sistema organizado para a negociação de valores mobiliários deve ter registro como bolsa ou mercado de balcão organizado. A pedido do mercado, a CVM até flexibilizou o conceito de oferta pública, publicando a Instrução 476 em 2009, que permite o uso de esforços profissionais restritos para certos papéis de renda fixa e cotas de fundos de private equity, mas não para ações de empresas. “É uma discussão em aberto, mas usar a 476 para negociar ações ainda não é possível”, diz Yazbek.
A legislação americana também proíbe a oferta pública de ações de empresas de capital fechado. Isso significa que a comunicação sobre a venda não pode aparecer na mídia e deve se restringir a um convite particular a investidores qualificados. Foi nessa regra que o Goldman Sachs tropeçou, quando a imprensa revelou com antecedência a operação que estava preparando para o Facebook. Por precaução, o Goldman cancelou o convite para que seus melhores clientes norte-americanos participassem do negócio, o que lhe causou grandes constrangimentos.
Nada impede, porém, que ações de empresas fechadas circulem livremente em ambientes como a SharesPost e a SecondMarket. O problema aparece se o limite de 500 acionistas é ultrapassado. Quando passa a ter 501 investidores ou mais, a emissora é obrigada a cumprir ritos de uma companhia aberta, como o registro de suas ações na SEC e a publicação de demonstrativos financeiros auditados no site da agência reguladora — sem que isso lhe dê acesso às bolsas de valores e ao investidor comum. É por isso que, depois de romper essa barreira, muitas empresas se apressam em abrir o capital, como ocorreu com o Google. Mas o site de buscas também poderia ter simplesmente continuado a divulgar seus números, sem se transformar em uma empresa de capital aberto ou levar adiante um IPO. As empresas que preferem manter-se fechadas costumam recorrer a uma cláusula que lhes dá o direito de recomprar, dentro de 30 dias, ações vendidas no mercado secundário. Assim elas garantem a permanência abaixo do teto de 500 acionistas.
A aparente euforia em torno das ações dessas empresas high-tech também tem despertado a atenção da SEC. Segundo uma reportagem de janeiro do britânico Financial Times, a agência norte-americana enviou cartas aos mercados de ações privados para saber como operam e avaliam as empresas. A SEC tem de seguir uma determinação da nova lei Dodd-Frank, que a obriga a reavaliar a definição de “investidor qualificado” a cada quatro anos. “Com a Dodd-Frank, a SEC foi encarregada de analisar muitos tipos de fundos privados. Uma forma de fazer isso é pedir informações a grupos e profissionais do mercado e especialistas em direito,” explica Donna Nagy, professora de direito na Universidade de Indiana.
“Hoje em dia uma pessoa com esse perfil é de classe média e pode ter uma necessidade de liquidez maior do que os ricos,” diz John Coffee, professor de direito da Universidade Columbia, em Nova York. Os novos mercados, segundo ele, podem criar uma ilusão de liquidez, mas nem sempre há compradores para ações privadas.
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