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Proposta controversa
Enquanto a CVM pensa em regras para ampliar as informações sobre os salários dos executivos, mercado discute os prós e os contras de uma remuneração mais transparente

No início do ano, o executivo Bob Nardelli, chefão da Home Depot, a maior rede varejista do ramo de bricolagem do mundo, deixou a companhia com um pacote de rescisão de US$ 210 milhões no bolso. Nardelli foi duramente criticado porque, nos seis anos em que permaneceu na empresa, ganhou muito dinheiro, mas agregou pouco valor aos papéis negociados em bolsa: quando saiu, o preço da ação era praticamente o mesmo da data de sua entrada.

Outro caso conhecido é o do ex-CEO da Disney Michael Eisner. Na primeira metade dos 20 anos em que comandou a Walt Disney Corporation, ele fez um trabalho excepcional, mas nos 13 anos seguintes seu desempenho foi sofrível. Nesse período, os acionistas teriam ganho mais dinheiro se tivessem investido em títulos públicos americanos do que em papéis do conglomerado. Ainda assim, descobriu-se que Eisner recebeu US$ 800 milhões pelos piores anos da história recente da companhia. A notícia deixou os acionistas de queixo caído. Afinal, sem o conhecimento deles, Eisner havia sido premiado mesmo conduzindo mal os negócios.

“Não há problema quando um executivo é remunerado de forma justa ao criar valor para uma companhia. O problema ocorre quando ele é premiado sem criar valor algum”, diz Pedro Rudge, sócio da empresa de gestão de recursos Investidor Profissional. No Brasil, porém, fica difícil saber se uma coisa ou outra está acontecendo, simplesmente porque as empresas não divulgam os dados sobre a remuneração de seus executivos. “Como avaliar o alinhamento e o comprometimento de um administrador sem conhecer quanto ele custa para a companhia?”, questiona Rudge, para quem a não-divulgação da remuneração individual de diretores e conselheiros fere os princípios da boa governança corporativa. Pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é obrigatória apenas a divulgação da remuneração global definida para o conjunto de conselheiros de administração e diretores.

Falar de remuneração, como se sabe, é tabu no Brasil. Para esta reportagem, foram procuradas 15 empresas. Nenhuma quis se pronunciar sobre o assunto. É delicado tratar de salário em um país onde as desigualdades nesse quesito são imensas e o preconceito social, às vezes, parece mais arraigado que o racial. Isso sem falar na temática da segurança. A própria Securities and Exchange Commission (SEC), reguladora do mercado de capitais americano, reconhece o problema da violência e, por isso, tornou facultativa a divulgação da remuneração individual dos executivos de empresas estrangeiras listadas nos Estados Unidos.

“Estamos falando de pessoas que ficariam mais sujeitas a seqüestros, assaltos e todo tipo de violência. Não só os próprios executivos ficam mais vulneráveis, mas também suas famílias”, afirma Alfried Plöger, vicepresidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). “Concordamos com a divulgação dos dados salariais por grupos, como diretores e conselheiros, mas a abertura dos dados individuais é um risco grande demais.” Quando perguntado se as informações sobre remuneração não deveriam ao menos ser abertas nas assembléias de acionistas ou em reuniões fechadas, ele responde: “Nenhum acionista ou investidor deveria se sentir no direito de perguntar quanto um executivo ganha. É muito deselegante”.

Ao mesmo tempo em que os executivos reduzem o risco da violência, os investidores se expõem ao risco de não perceberem uma remuneração inadequada. “É claro que as empresas precisam ser mais transparentes e isso envolve abrir os dados individuais de remuneração. É a evolução natural de uma cultura patrimonialista para uma cultura de mercado”, acredita Mauro Rodrigues da Cunha, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Não é segredo para ninguém que, em alguns casos, o acionista controlador confunde a sua remuneração de capital com salários e outras fontes de recursos da empresa. Apenas a transparência pode evitar que esse tipo de coisa continue acontecendo no Brasil.”

Os acionistas estariam preparados para entender que um executivo está sendo bem remunerado por ter superado as metas propostas?

Para Cunha, uma das situações mais delicadas é a das companhias com capital pulverizado em bolsa. Nesses casos existe o risco de o próprio executivo decidir qual será sua remuneração. Para o investidor, em companhias com essa composição acionária, torna-se fundamental, ao menos, a presença de um comitê independente de remuneração. Rudge vai além. Afirma que as informações sobre remuneração devem não apenas ser apresentadas individualmente para cada administrador, como também detalhadas no que se refere às parcelas fixa e variável e aos instrumentos atribuídos a esta última. Se a parcela fixa for grande, o executivo não terá incentivo para ser mais agressivo. Da mesma forma, se houver uma fatia exagerada de “stock options” (opção de compra de ações), é possível que ele mire a data de vencimento desses títulos, e não o desempenho de longo prazo.

NO RADAR DA CVM — A transparência sobre a remuneração dos executivos preocupa também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Os dados divulgados atualmente são muito resumidos. Estamos revendo a Instrução 202, que se refere às informações prestadas pelas empresas, e vamos reavaliar esse ponto para melhor informar os acionistas”, afirma Maria Helena Santana, presidente da autarquia.

Nos Estados Unidos, uma mudança nas regras aprovada pela SEC em agosto do ano passado exigiu que a remuneração fosse discriminada, abrindo-se separadamente itens como salários, benefícios e plano de pensão. Um estudo do professor David Yermack, da Universidade de Nova York, descobriu que uma forma de remuneração muito utilizada pelos executivos é o uso do jato da companhia para fins pessoais. Ele alerta que esse tipo de benefício é um dos mais caros e de uso crescente entre os CEOs americanos.

Não se trata de combater os ganhos obscenos de alguns CEOs, mas, sim, de identificar os casos em que grandes somas vêm acompanhadas de um desempenho não-compatível. Lee Raymond, chairman da Exxon Mobil, tornou-se alvo de críticas quando veio a público que ele havia recebido um pacote de compensação de US$ 400 milhões ao se aposentar, em 2006. O executivo defendeu o pacote, fruto de vários programas de incentivo de longo prazo e, ao contrário de Nardelli, da Home Depot, parecia ter razão. No ano anterior ao de sua aposentadoria, a gigante do setor petrolífero Exxon Mobil havia exibido um lucro de US$ 36 bilhões, na época o maior já apurado por qualquer companhia americana. Embora o resultado tivesse sido beneficiado pela alta nos preços do petróleo, o retorno por ação da companhia era proporcionalmente superior ao da maioria de suas concorrentes.

Esse foi também o caso de James Kilts, o CEO da Gillette que foi crucificado pela mídia por ter recebido US$ 165 milhões na venda da empresa para a Procter & Gamble por US$ 53 bilhões. O que poucos ponderaram é que Kilts havia sido o responsável por reestruturar a Gillette, permitindo que ela fosse vendida por um valor surpreendente na época, em benefício de todos os acionistas.

Por isso, Plöger, da Abrasca, não deixa de ter razão em temer não só a reação dos bandidos, mas também da sociedade diante de valores tão elevados. Os acionistas estão realmente preparados para aceitar que um executivo deva ser bem remunerado por ter superado as metas inicialmente propostas? A Abrasca acha que não. Para a entidade, a divulgação dos dados individuais poderia causar um “mal-estar” no setor e até detonar uma guerra salarial sucedida por pressões orçamentárias e prejuízos para acionistas controladores e minoritários. Rudge, da Investidor Profissional, rebate. “Isso seria saudável, porque criaria competição entre os executivos e comparabilidade entre os seus desempenhos e remuneração.” Hoje, sem a divulgação da remuneração individual, fica difícil saber se aquele que produz melhores resultados está sendo efetivamente mais bem compensado do que o seu par que atua em uma empresa do mesmo porte e segmento, mas com desempenho inferior.

Para Marcus Regueira, presidente da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCap), a melhor solução para esse tema seria a autoregulação. “Não acredito que as empresas escondam as informações sobre remuneração deliberadamente. Acho que falta uma regulamentação e, enquanto a CVM não lança uma instrução sobre o assunto, o mercado deveria debater a melhor forma de fazê-lo”, afirma. Já a Abrasca defende que a vigilância acerca da remuneração dos executivos deveria ficar a cargo de um comitê de remuneração composto por profissionais capacitados para a tarefa, ou mesmo do conselho de administração como um todo. A questão, como se vê, rende uma boa discussão. Não há mais razões para que esse tema continue esquecido diante da evolução recente do País na adesão às boas práticas de governança corporativa.


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