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O que eles têm para nós?
Candidatos dão pouca atenção ao desenvolvimento do mercado de capitais como plataforma de crescimento econômico

ed37_p024-028_pag_3_img_001Em janeiro de 1971, dez anos depois de ter deixado o Palácio do Planalto, o ex-presidente Juscelino Kubitschek falou a uma platéia de empresários sobre a importância do mercado de capitais — que, à época, ainda engatinhava no País, embora a bolsa de valores carregasse uma bolha especulativa que estouraria meses depois. Ele se perguntava por que os Estados Unidos, tendo mais ou menos a mesma idade histórica que o Brasil, havia tomado essa “dianteira formidável”, deixando o nosso país um século atrás em desenvolvimento. “E a razão era essa, não tenha dúvida: é que em 1801 já estava montada em Nova York a Bolsa de Valores, (…) que lançava as ações para todas as grandes companhias que se formaram”, disse.Para o ex-presidente, os EUA eram fortes porque o governo não precisava intervir na formação da indústria. Tudo se originava da iniciativa privada. Já no Brasil, segundo o próprio Juscelino, era necessário que o presidente trabalhasse como “corretor” do País, buscando no exterior recursos e parceiros para formar indústrias, numa época em que a energia elétrica só iluminava “a miséria das cidades do interior” e, nas capitais, nem havia geração suficiente para fazer os elevadores funcionarem.
Hoje, o Brasil conta com a maior bolsa de valores da América Latina, apresenta um pátio industrial respeitável e tem muitos empreendedores prontos para crescer. Mas faltam condições para obter recursos e investir, o que significa que o mercado de capitais ainda tem muito a que servir. Tendo em vista a proximidade das eleições presidenciais, a Capital Aberto saiu atrás dos principais candidatos perguntando se eles tinham em suas agendas propostas para fazer deste mercado uma representativa fonte de recursos do crescimento nacional. O interesse também se justificava pelo aniversário de quatro anos do Plano Diretor do Mercado de Capitais, lançado pelas entidades do setor às vésperas do pleito de 2002.

Em meio a tantos pedidos para discutir temas tradicionais de campanha, como saúde, educação, trabalho e segurança pública, ficou patente a pouca atenção dos quatro principais candidatos quando o assunto é mercado de capitais. Depois de um mês de tentativas, o único que atendeu à solicitação de entrevista foi o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que, por meio da sua assessoria de imprensa, informou em linhas gerais seus projetos para o caso de reeleição. Já do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, algumas respostas foram obtidas durante entrevista coletiva realizada em São Paulo. Por parte do PSOL, o candidato a vice na chapa de Heloisa Helena, César Benjamin, responsável pelo plano de governo, não respondeu às solicitações de entrevista. A mesma negativa veio da assessoria do candidato Cristovam Buarque (PDT).

EM SINTONIA — O ex-governador de São Paulo, que pertence à coligação PSDB e PFL, considera o mercado de capitais “um grande instrumento de desenvolvimento”. “É preciso fazer todo o esforço para fortalecê-lo e estimulá-lo, e isso pode incluir até a questão fiscal”, disse Geraldo Alckmin. “Nós precisamos de poupança para poder crescer e o mercado de capitais é um excelente caminho para conseguirmos os investimentos necessários”, afirmou. Em relação à questão da previdência — tratada, este ano, como prioridade pelas entidades que formam o Plano Diretor —, Alckmin afirmou ser favorável à criação de fundos de previdência complementar para funcionários públicos contratados a partir do seu mandato. “Nós somos favoráveis à idéia de que os novos funcionários públicos tenham do governo uma previdência básica, de até R$ 2,8 mil, e acima disso sejam criados os fundos de previdência complementar, que podem ser públicos ou privados”, disse. Com isso, segundo ele, o País terá mais poupança para financiar o seu desenvolvimento.

Já o candidato Lula (coligação PT, PRB e PC do B) promete aprofundar, em um segundo mandato, iniciativas para democratizar o acesso à bolsa e ao mercado de capitais. “Queremos configurar um mercado de capitais muito mais seguro e menos especulativo, em benefício, inclusive, do pequeno investidor”, diz a nota enviada pela assessoria do atual presidente. “Nesse contexto, no que se refere à renda variável, ampliaremos as oportunidades de investimentos em produtos como o PIBB (fundo composto por 50 ações das empresas brasileiras mais negociadas da Bovespa), e incentivaremos a melhoria da governança corporativa em empresas públicas e privadas, a exemplo da recente iniciativa que conduziu o Banco do Brasil para o Novo Mercado da Bovespa”, informa a nota. Em uma possível reeleição, a linha de atuação dos órgãos de controle e supervisão do mercado de capitais continuará “caracterizada pelo zelo com os direitos dos acionistas minoritários”.

Para os pequenos investidores em renda fixa, a proposta de Lula é continuar a oferecer oportunidades como o Tesouro Direto (programa que permite às pessoas físicas a aquisição de títulos federais pela internet), incentivando também o acesso aos títulos de dívida privada, especialmente debêntures. “Outra prioridade é estimular uma maior transparência e concorrência entre os gestores de recursos, de modo a assegurar que as taxas de administração cobradas sejam cada vez mais razoáveis”, diz a nota.

De maneira geral, os dois principais candidatos se mostram em sintonia com as propostas levantadas pelo Plano Diretor, lançado em maio de 2002 pela Bovespa, com o apoio de 45 entidades (que hoje já somam cerca de 90). Elaborado pela Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), o documento propõe medidas práticas para a adoção do mercado como instrumento fundamental para a retomada do crescimento sustentado do País. Para que o Plano não se tornasse apenas mais um documento na gaveta das autoridades, 18 entidades formaram um comitê executivo que tem a missão de articular as propostas do mercado com representantes dos poderes legislativo e executivo.

IMPASSES — “Nestes quatro anos tivemos avanços significativos, uma vez que a política econômica do presidente Lula veio ao encontro do nosso plano”, diz Thomas Tosta de Sá, coordenador do comitê executivo do Plano Diretor e sócio da Mercatto Gestão de Recursos. Há quatro anos, a expectativa de que Lula vencesse as eleições provocou um grande receio no mercado financeiro e o risco-país rompeu a barreira dos 2,4 mil pontos em setembro de 2002. No mês seguinte, a poucos dias do primeiro turno, o PT levou à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) um documento de apoio ao Plano Diretor, buscando neutralizar os temores da iniciativa privada em relação ao candidato e ao partido, que até montou um grupo de trabalho com as entidades. A estratégia deu certo.

“Naquele momento, o ex-ministro Antônio Palocci, então coordenador da campanha de Lula, enfatizou o compromisso do futuro governo com o rigor fiscal, a manutenção do combate à inflação, o compromisso de honrar os contratos e encaminhar as propostas de reforma da previdência e tributária ao Congresso, a redução da taxa de juros e a realização de superávits comerciais para a redução do déficit em transações correntes. E essas iniciativas realmente foram tomadas pelo novo governo”, diz Tosta de Sá.

A cada ano, o Plano Diretor define um Plano de Ação em que se concentram os principais esforços. Em 2002, a prioridade foi a incorporação das suas propostas aos projetos governamentais. No primeiro ano do governo Lula, em 2003, a maior bandeira foi o Projeto de Lei do FGTS, que previa a utilização do fundo para compra de ações. A iniciativa, porém, recebeu a oposição do senador Tasso Jereissati, relator do projeto. Em 2004, houve uma campanha para abertura de capital de novas empresas, proposta que se manteve como principal meta de 2005 — quando também foi retomada a questão da maior participação dos trabalhadores no mercado de capitais. Agora, em 2006, o foco está em dois pontos: na previdência (as entidades estão empenhadas em concluir o Projeto do Novo Modelo Previdenciário para apresentar aos candidatos), e na revisão da lei que regulamenta a desconsideração da personalidade jurídica (quando a dívida de uma empresa é redirecionada para os seus sócios ou administradores), assunto que já se mostrou polêmico devido ao embate com a Justiça do Trabalho.

“Ninguém é contra a desconsideração da personalidade jurídica ou a penhora on-line (penhora dos bens pelo juiz via internet)”, diz Joubert Castro Filho, diretor da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), uma das entidades que discutem o tema. “Queremos apenas uma revisão dos critérios, para que essa medida não iniba a participação de investidores, que podem se prejudicar mesmo depois de ter saído da empresa”, diz Luiz Eugênio Figueiredo, conselheiro da ABVCAP. Segundo os executivos, a possibilidade de conselheiros independentes e acionistas sem direito a voto serem intimados a responder com seu patrimônio pessoal por dívidas das empresas é um abuso permitido pela lei atual. Tudo indica que o impasse pode se estender no próximo ano.

Quantos anos em quatro?

Em janeiro de 2007, o candidato que assumir o Palácio do Planalto encontrará uma realidade bastante distinta da que viveu o fundador de Brasília. Cinqüenta e um anos depois da posse de Juscelino Kubitschek, que traçou o seu Plano de Metas onde se previa “50 anos em 5”, o novo governante terá nas mãos a 11ª economia mundial, com Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 1,937 trilhão, proporcionado em boa parte por empresas listadas em bolsa de valores, cujo valor de mercado somado ultrapassou a marca de R$ 1 trilhão no ano passado. Mas este mesmo país ostenta a 65ª posição na lista de competitividade elaborada pelo Fórum Econômico Mundial, e ocupa o 63ª lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), usado pelas Nações Unidas para medir o grau de desenvolvimento social.
“Uma economia só avança se tem um mercado de capitais desenvolvido”, afirma o professor e pesquisador do Ibmec e da Fundação Pedro Leopoldo, Juliano Lima Pinheiro. No Brasil, segundo ele, o mercado de capitais movimenta um volume razoável, mas é muito limitado: está concentrado em cerca de 370 companhias, enquanto que na Índia, por exemplo, mais de 6 mil empresas têm ações em bolsa. Para Pinheiro, em um país como o Brasil, em que a cultura de empréstimo em banco está enraizada, é preciso estimular a abertura de capital como opção para financiar o investimento. E, nesse sentido, os últimos quatro anos ajudaram muito. “Antes assistíamos um grande número de empresas deixarem a bolsa (cerca de 170, entre 1994 e 2003), enquanto as maiores companhias buscavam mercados de capitais estrangeiros”, afirma Pinheiro, que também é gerente da corretora de valores H. H. Picchioni, de Belo Horizonte, e consultor da Bovespa.

Nessa época de eleições, quando pululam propostas para melhorar os índices sociais e aumentar a renda, Pinheiro espera que o futuro governo se mostre comprometido em tornar o mercado de capitais acessível à população. “Quem sabe daqui a alguns anos nós estaremos como os Estados Unidos ou a Europa, onde até as crianças sabem lidar com o dinheiro e aprendem a poupá-lo?”, diz. (D.N.M)


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