Melhor sem ela
Por que o Grupo Pão de Açúcar não vê a hora de se livrar da Via Varejo

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Em dezembro de 2009, o Grupo Pão de Açúcar (GPA), de Abilio Diniz, anunciou uma associação que mudaria a cara do varejo brasileiro. Por meio da Globex Utilidades, controladora do Ponto Frio — adquirida pelo GPA apenas seis meses antes, por R$ 824,5 milhões (veja detalhes no quadro) — o grupo abocanhou 51% da Casas Bahia, então pertencente à família Klein. A união de Casas Bahia e Ponto Frio deu origem ao maior conglomerado brasileiro do varejo, com um faturamento equivalente ao de seus dois principais concorrentes — as operações brasileiras de Carrefour e Walmart — juntos. O ambiente econômico da época abençoava a fusão: o aumento da renda e a expansão do crédito impulsionavam a compra de bens duráveis, como eletrônicos e eletrodomésticos. Passados sete anos, o que se observa é um cenário totalmente diferente. O GPA não vê a hora de se livrar do Ponto Frio e da Casas Bahia, administradas pela Via Varejo (nome da Globex Utilidades a partir de 2012). Tanto que, no último dia 23 de novembro, o grupo anunciou que busca um comprador para sua participação. Hoje, o Pão de Açúcar é dono de 43,3% do capital da Via Varejo. Já a família Klein, que na ocasião da associação ficou com uma fatia de 49%, detém 27,3%.

Após contribuir positivamente para o desempenho consolidado do Pão de Açúcar, com lucros consistentes entre 2011 e 2014, e protagonizar uma bem-sucedida oferta secundária de units em dezembro de 2013 — que movimentou cerca de R$ 2,85 bilhões —, a Via Varejo sucumbiu às dificuldades do cenário macroeconômico. A varejista, líder em faturamento no setor de bens duráveis, à frente de Magazine Luiza e B2W, passou a registrar retração nas vendas, queda na rentabilidade e acúmulo de prejuízos. A Via Varejo reportou resultado líquido negativo em cinco dos seis últimos balanços trimestrais. Entre julho e setembro de 2016, o prejuízo totalizou R$ 90 milhões, montante que sobe para R$ 170 milhões no acumulado dos nove primeiros meses do ano.

Grande parte da piora do desempenho é decorrente, de acordo com fontes, da separação da gestão das lojas físicas e virtuais depois da oferta de ações, já com Jean-Charles Naouri, presidente do grupo francês Casino, no comando do GPA (Abilio deixou definitivamente a sociedade em setembro de 2013). A estratégia fez com que os sites — reunidos sob a marca Nova Pontocom e com promoções mais agressivas de preços e condições de pagamento — passassem a competir com as lojas físicas. Em 2014, a Nova Pontocom se uniu ao Cdiscount, portal de e-commerce do Casino, dando origem à CNova. A operação foi crucial para os planos de Naouri de abrir o capital de e-commerce do grupo, que atua em nove países da Europa, África, Ásia e América do Sul.

Racionalmente, a tática fazia sentido, já que os múltiplos das empresas de internet, em tese, são mais valorizados. Os investidores, contudo, ficaram com um pé atrás. Como consequência, a CNova passou longe de arrecadar os US$ 375 milhões que almejava em seu IPO na Nasdaq. Em novembro de 2014, quando fez sua oferta inicial na bolsa americana, levantou pouco mais da metade desse valor (US$ 197 milhões).

A imagem da CNova também sofreu arranhões no fim do ano passado, com a descoberta de que uma quadrilha de funcionários brasileiros desviava mercadorias para revendê-las. Após fazer uma investigação interna para dimensionar o tamanho da fraude, a CNova anunciou, em julho, que incorporaria um prejuízo de R$ 400,3 milhões ao patrimônio líquido registrado em seu balanço do exercício de 2015.

Desavenças
A separação das operações de e-commerce e de lojas físicas foi uma das várias decisões tomadas pelo GPA à revelia da família Klein. Na visão dos ex-controladores da Casas Bahia, a mudança canibalizaria os dois canais de venda e sacrificaria o futuro da empresa — prognósticos que acabaram se concretizando. O episódio ajudou a alimentar as rusgas entre os sócios. A união entre os Klein e o GPA já começou turbulenta, com a assinatura de um contrato às pressas depois de a negociação vazar e as ações da Globex valorizarem-se quase 100% em poucos dias, o que levou a CVM a questionar a empresa sobre a movimentação atípica. Na correria, os sócios aparentemente não chegaram a um acordo que deixasse os dois lados satisfeitos. Dessa forma, mal as comemorações pela fusão terminaram e os Klein já ameaçavam romper o acordo, por considerar injusta a avaliação da Casas Bahia. Quando foi adquirida pelo GPA, a rede varejista faturava três vezes mais por loja que o Ponto Frio, tinha 30 milhões de clientes das classes C e D em sua carteira de operações de crédito no varejo, além de uma marca consolidada e bem posicionada no mercado. A situação era completamente oposta à do Ponto Frio, que na época enfrentava sérios problemas financeiros e de gestão. “Desde a associação, os sócios se mantêm na defensiva, um tem desconfiança do outro. A intenção da fusão era a criação de uma empresa forte, mas as desavenças entre os sócios atrapalharam”, diz um executivo que acompanhou a fusão entre GPA e Casas Bahia desde o início. Para aplacar o descontentamento dos Klein, o GPA aceitou revisar, em 2010, alguns termos do acordo e bancar um aumento de capital de R$ 689,8 milhões na nova sociedade.

Mais uma discordância entre os sócios se deu no campo dos cortes de custos. Pelo acordo inicial, nos dois primeiros anos Raphael Klein, neto do fundador da Casas Bahia, seria o CEO. Com ele na gestão, o que se viu até meados de 2012 foi a manutenção dos pilares organizacionais considerados estratégicos, baseados principalmente na garantia de satisfação do cliente.

Passado esse período, Raphael foi substituído por Ramatis Rodrigues, indicado pelo GPA. A mudança coincidiu com a adoção de uma política de cortes de custos, colocada em prática para atender as exigências de melhora nos resultados por parte do Casino. O problema é que ela prejudicou a qualidade do atendimento, segundo fontes. “A Casas Bahia original não existe mais. Hoje se gasta tudo de menos”, afirma um alto executivo ligado à companhia, que preferiu não se identificar.

Cabe notar que Rodrigues não permaneceu muito tempo no comando da Via Varejo. Renunciou em maio de 2013, alegando divergências com a cúpula da companhia. No seu lugar, assumiu interinamente Vitor Fagá, que, em agosto de 2013, foi substituído por Francisco Valim, executivo com atuação no processo de emissão de ações. Valim ficou no cargo até abril de 2014, quando passou o bastão para o atual presidente da empresa, Peter Estermann. Para o consultor e professor especializado na área de varejo da FGV Juracy Parente, a constante troca de comando prejudicou o negócio da Via Varejo. “Essas substituições, concomitantemente ao processo de redução de despesas, impactaram negativamente não só as vendas, mas também o posicionamento, a fidelidade e a identificação dos clientes com a empresa”, avalia Parente.

Os sete anos de união também serviram para desmistificar os possíveis ganhos de sinergia que seriam gerados com combinação entre Casas Bahia e GPA. Quando a fusão foi anunciada, muito se falava do enorme poder de barganha que a companhia teria com a indústria, dada a compra de bens duráveis em grande escala. Fontes do setor varejista afirmam, entretanto, que os fornecedores não se intimidaram diante da consolidação das empresas e se mantiveram firmes nas negociações.

Em busca de comprador
Diante de todas essas dificuldades, o Pão de Açúcar decidiu vender a Via Varejo. O processo começou em maio de 2016, com o anúncio da intenção de reorganização societária, e prosseguiu em outubro com a aprovação da reintegração dos negócios do varejo físico com os sites de venda. “Ninguém iria comprar a Via Varejo sem o negócio ‘pontocom’ junto”, diz uma fonte próxima à empresa. Ao se livrar da Via Varejo, o Pão de Açúcar eliminará também o desgaste da unificação dos dois segmentos. Apesar de boa parte das sinergias serem captadas no curto prazo, o processo completo de união do varejo físico-virtual pode durar até um ano. Projeções indicam que essa unificação pode gerar uma economia anual de R$ 245 milhões. Além disso, outros R$ 325 milhões devem ter sido criados de forma não recorrente até o fim do exercício de 2016, sobretudo pela integração dos estoques.

Sem a Via Varejo, o GPA se reaproximará da concorrência em faturamento. Depois de adquirir a Casas Bahia e o Ponto Frio, o grupo tornou-se, em 2009, a oitava maior companhia do País, com receita líquida de R$ 40 bilhões, bem acima dos principais concorrentes —Carrefour (R$ 22,5 bilhões) e Walmart (R$ 16,9 bilhões). Agora, sem os R$ 21,7 bilhões gerados pela Via Varejo, o faturamento bruto do GPA cairá para R$ 55,1 bilhões, ante os R$ 42,7 bilhões do Carrefour e R$ 29,3 bilhões do Walmart, com base no ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) de 2015.
Apesar da redução, na bolsa a notícia da venda fez as ações do GPA dispararem. Para os investidores do Pão de Açúcar, a alienação da controlada é positiva, tanto pelo ingresso de recursos, que poderão ser usados para redução do endividamento da companhia, quanto pelo abandono da área de bens duráveis. Ao deixar o segmento, o GPA poderá se concentrar no ramo alimentício, mais resiliente e menos abalado pelos efeitos da recessão econômica.

O GPA tenta ganhar força no setor supermercadista, principalmente diante da perda de participação de mercado para o Carrefour, que hoje tem Abilio Diniz entre os principais sócios. O concorrente vem se fortalecendo e, em 2017, planeja se capitalizar com a abertura de capital de sua subsidiária no Brasil. Em meio à recessão econômica, o Pão de Açúcar viu suas vendas definharem. Em 2016, a rentabilidade atingiu o mais baixo patamar desde 1999, de acordo com registros de resultados da companhia. “Com a venda da Via Varejo, o Pão de Açúcar vai gerar caixa e poderá se dedicar com mais atenção ao negócio em que tem expertise, que é o de alimentos”, observa o consultor varejista da Mixxer Eugênio Foganholo. Atualmente, apenas no Brasil o grupo Casino possui uma operação como a da Via Varejo, dedicada à venda exclusiva de bens duráveis. Em outros países, esses produtos são comercializados dentro dos hipermercados.

A possibilidade de o Casino se concentrar no setor supermercadista tem animado os analistas. Em relatório datado de 4 de novembro (um dia após a companhia anunciar ter iniciado a avaliação de alternativas estratégicas para a Via Varejo), os analistas do HSBC Rafael Shin, Henry Nasser e Ana Hernandez escreveram que “a venda poderá destravar um valor significativo para o Pão de Açúcar”. Diante disso, eles elevaram o preço alvo da varejista de R$ 53 para R$ 70, com recomendação de “compra” ante “manutenção”. Um dia antes, em 3 de novembro, a ação do GPA valia R$ 57,88.

Candidata natural à aquisição, a família Klein, detentora de 27,3% do capital total da Via Varejo, não teria interesse em recomprar a empresa, segundo apurou a reportagem da capital aberto — a preferência no momento seria por aproveitar o tag along, para uma saída da sociedade em condições mais favoráveis. A perspectiva de venda dos papéis pelo mesmo valor por ação recebido pelo GPA anima os sócios de forma geral. No pregão de 24 de novembro, as ações da Via Varejo, listadas no Novo Mercado, subiram 14,2%.

Os Klein tinham o desejo de retomar o negócio, principalmente enquanto vivia o fundador (Samuel Klein faleceu em 20 de novembro de 2014). Desde a saída de Abilio do GPA, há três anos, ao menos duas tentativas de recompra por parte da família teriam ocorrido, mas não avançaram, pois as ofertas foram consideradas baixas pelo Casino.

Informações publicadas na imprensa especulam que o grupo chileno Falabella e a Lojas Americanas estariam interessadas na Via Varejo. Em dezembro, a Lojas Americanas apresentou uma proposta de elevação de seu limite de capital autorizado (do teto de 1,5 bilhão de ações ONs e PNs para 2 bilhões), o que lhe dá a chance de realizar um aumento de capital bilionário. Por meio dele, a Lojas Americanas pode captar um valor estimado de até R$ 7 bilhões (com base na cotação das ações em 13 de dezembro). Quem assumir a Via Varejo, entretanto, terá um árduo trabalho pela frente para recuperar aquela que já foi a menina dos olhos do GPA.

Tag along da venda do Ponto Frio volta a ser discutido

Sete anos depois da compra da Globex, controladora do Ponto Frio, pelo GPA, a transação volta a ser analisada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Caberá ao colegiado da autarquia determinar o valor do tag along a que os minoritários do Ponto Frio têm direito.

Inicialmente, o controle do Ponto Frio custou ao Grupo Pão de Açúcar (GPA) R$ 824,5 milhões. O valor refere-se à aquisição da fatia de 70,24% da Morzan Empreendimentos, da empresária Lily Safra. A troca de dono ainda fez com que o GPA arcasse com o custo da oferta pública de aquisição de ações (OPA) prevista no artigo 254-A da Lei das S.As. — o chamado tag along. O dispositivo garante aos minoritários a chance de deixar a companhia vendendo suas ações por, no mínimo, 80% do valor pago pelos papéis integrantes do bloco de controle.

Anos depois, o valor final da venda do bloco de controle começou a ser contestado. No acerto, Lily Safra receberia uma parte do pagamento à vista e outra apenas no quarto aniversário da transação, em ações e mediante acréscimo de um prêmio de 10%. Alegando ter recebido menos que o combinado, em 2012 a Morzan iniciou um procedimento arbitral na Câmara de Comércio Internacional (CCI) contra o GPA e sua controladora, a Wilkes Participações. A pendenga só foi resolvida no ano passado. Em fato relevante divulgado em 20 de agosto de 2015, o GPA anunciou sua condenação: pagar mais R$ 212,4 milhões à Morzan, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de 12% ao ano.

A superintendência de relações com empresas (SRE) da CVM entendeu que o processo arbitral resultou em pagamento adicional ao ex-controlador do Ponto Frio e determinou que o tag along dos minoritários também seja recalculado. Segundo análise preliminar da própria companhia, o novo desembolso somaria cerca de R$ 150 milhões. O montante deve ser pago à base de acionistas beneficiada pelo tag along na OPA realizada em 2010.

No último dia 16 de novembro, o Pão de Açúcar conseguiu suspender o pagamento até que o caso seja analisado pelo colegiado da CVM, o que ainda não tem data para acontecer. Por ora, o grupo classifica o desembolso como “possível” e, por isso, não provisionou o valor nas demonstrações financeiras. Consultada, a companhia informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o GPA foi obrigado a pagar à Morzan uma indenização exclusivamente por descumprimento de obrigação contratual. A sentença arbitral, afirma, não obrigou a pagar complemento de preço e, portanto, “em nada diz respeito ao preço pago pelas ações de controle”.

Na época, os minoritários discutiram o percentual do tag along a ser pago na OPA, por causa de entendimentos distintos sobre o texto do estatuto social da Globex, mas não o valor da transação em si. O debate lançado agora pela CVM acende um alerta. As discussões em torno do tag along já são tradicionalmente acaloradas no Brasil, mas podem esquentar ainda mais com a possibilidade de revisão da oferta aos minoritários em decorrência de decisões arbitrais como essa do caso GPA e Morzan. “Isso não é bom para o mercado, por criar insegurança jurídica. A operação foi feita anos atrás, com base em uma justificativa econômica, e agora pode sofrer um acréscimo de R$ 150 milhões”, opina o advogado Marcelo Godke, sócio de Godke Silva & Rocha Advogados. (Por Yuki Yokoi)


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