Uma janela para o bem
Fernando Amiky Assad: “Se um empreendedor der ouvidos às opiniões pessimistas, não faz nada”
Fernando Amiky Assad

Fernando Amiky Assad

A semente da vontade de mudar o mundo parece ser herança de família. Fernando Amiky Assad, um dos três sócios do Programa Vivenda, empresa especializada na reforma de moradias da população de baixa renda, ainda pequeno observava nos pais comportamentos altruístas que moldaram sua personalidade e ajudaram na sua trajetória de empresário socialmente engajado. Sensibilidade para ajudar quem precisa e disposição para enfrentar desafios foram duas importantes lições, nunca esquecidas. A mãe, Alcione Amiky, varava as noites fazendo maionese e lanches para sustentar o filho único. E ainda encontrava tempo e ânimo para, alguns dias na semana, levar comida aos moradores de rua na esquina da avenida Duque de Caxias com a rua Amaral Gurgel, no abandonado centro de São Paulo. Ela integrava o grupo Anjos da Noite, de voluntários espíritas. “Com um caminhãozinho a gente montava um restaurante na rua. De um panelão de comida saía muita marmita”, relembra Assad. Experiências como essa deixaram o rapaz atento a oportunidades para melhorar a vida de quem carece de um olhar mais compadecido.

Não foi por acaso que Assad, já com um curso de administração de empresas na bagagem, viu na precariedade da habitação no Brasil uma possibilidade de ir além das ações beneméritas, provando a viabilidade do negócio de microrreformas. Ainda não foi estudado o impacto da existência de uma simples janela em casa sobre a saúde — seja física ou mental — de quem vive nas amontoadas favelas brasileiras. Mas basta a tal sensibilidade que Assad herdou para se perceber que pelo menos uma entrada de luz faz, sim, muita diferença, principalmente ao evitar a umidade e o mofo que causam. Estima-se que cerca de 40 milhões de brasileiros estejam submetidos a condições precárias de moradia. Foi pensando em ajudar essas pessoas a reformar as próprias casas que há quatro anos Assad fundou o Programa Vivenda, ao lado dos sócios Igiano Lima e Marcelo Coelho. Eles oferecem kits de reforma, mão de obra e assessoria, tudo a custos adequados à realidade de quem mora em favelas. Olhar para o outro, no entanto, tem lá seus efeitos dolorosos: Assad se lembra com carinho e lamento de dona Idelci, moradora do Jardim Ibirapuera, complexo com três favelas na zona sul de São Paulo, e entusiasta do projeto ainda nascente. As condições insalubres da moradia agravaram suas dificuldades respiratórias e ela morreu antes de poder reformar o lar. “Difícil saber se a reforma salvaria a vida de dona Idelci. Mas é certo que pelo menos melhoraria sua qualidade de vida.” Desde então, abrir as “janelas” de uma vida nova é uma marca do Programa Vivenda.

Ainda na faculdade de administração da USP, Assad criou o AlfaUSP, um programa de alfabetização para funcionários terceirizados do campus que ajudou centenas de pessoas a aprender a ler e a escrever. Falando assim parece simples, mas ele descreve o projeto como uma epopeia de superação de obstáculos. “Eram funcionários terceirizados, sem conexão com o espaço, que passam rápido por ali. Essa experiência me fez ver que se um empreendedor for dar ouvidos às opiniões pessimistas e desanimadoras não faz nada.”

Em 2007, uma amiga da universidade convidou Assad para participar durante as férias de julho de um trabalho de mapeamento de comunidades quilombolas no Pará. As duas semanas na região tiveram um forte impacto: além de virar vegetariano, durante um ano e meio ele retornou mensalmente à Amazônia, vivência que diz ter despertado sua visão sistêmica de desenvolvimento a partir da moradia. “Na volta, trouxe o desejo de trabalhar com coisas que fazem sentido, para pessoas que têm menos oportunidades.”

Era um caminho sem volta. Logo depois da experiência amazônica Assad seguiu para o depauperado Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, onde conheceu o idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), o educador Tião Rocha — uma figura-chave na sua formação. Assad envolveu-se no esforço para transformar Araçuaí, um dos maiores bolsões de pobreza do País, em uma cidade sustentável. O grupo conseguiu com a Petrobras um financiamento de 3 milhões de reais para o projeto, posteriormente premiado.

Em quatro anos de CPCD Assad estruturou internamente, para si próprio, a ideia do negócio social, capaz de melhorar a vida das pessoas e, ao mesmo tempo, garantir retorno aos investidores — passo fundamental para a futura criação do Programa Vivenda. Ele participou de alguns outros projetos e, em 2010, entrou no mestrado, já decidido a concentrar sua pesquisa em habitação.

Apenas vontade não basta para levar adiante essas ambições. Assad, assim como seus sócios, sabe que criar maneiras criativas de financiamento é parte fundamental da estratégia. Com a ajuda da aceleradora Dínamo, eles encontraram uma saída pouco ortodoxa, uma alternativa à resistência dos bancos à liberação de crédito: a obtenção de recursos por meio de uma debênture vinculada ao fluxo de pagamentos das reformas, que já permitiu a captação de 1,1 milhão de reais de um montante de 5 milhões de reais previsto — a transação foi estruturada pela securitizadora Gaia, com aval jurídico do escritório TozziniFreire. Assad agora pode disseminar o trabalho do Programa Vivenda sem o aperto da restrição de caixa. O menino que ajudava a mãe a dar assistência aos moradores de rua conseguiu, aos 34 anos, fazer seu próprio “panelão” — só que de cimento, tinta e tijolo.

3×4

Hobby: Toca trompete. “Sou um eterno aprendiz de trompetista. Gosto de música brasileira e de jazz, e cheguei a ter uma bandinha com os colegas na faculdade.”

Aprendizado: Diz ter descoberto no Amapá a importância de uma soneca de 15 minutos após o almoço. “Faz muita diferença, principalmente depois de encher a barriga com açaí, camarão e farinha”, brinca.

Influência: Cita três nomes: Aerton Paiva (ex-dirigente da Fundação Avina e hoje à frente da consultoria de projetos Apel), Tião Rocha (idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento) e Muhammad Yunus (bengali, prêmio Nobel da Paz e pai do microcrédito e dos negócios sociais). Batiza o grupo de “tríade, o espírito santo dos negócios sociais”. “Com eles, eu me inspiro todos os dias.”

Uma alegria: Vegetariano, certamente não encontra muitas opções sem carnes entre as refeições tradicionais das favelas com que trabalha. “Mas posso dizer que gosto muito de tomar cerveja comendo amendoim num fim de tarde com os amigos do local.”

Desafio: Prefere citar um desafio de vida, e não simplesmente de negócio. “Desde a época da dona Idelci, resolvemos tentar não perder ninguém por falta de uma janela”, diz, em referência à moradora da favela paulistana do Jardim Ibirapuera, área atendida pelo Programa Vivenda, que morreu antes de poder reformar a casa, cuja precariedade agravou seus problemas respiratórios.

Tristeza: Observa que é muito fácil pensar em tristeza quando se está em um ambiente de favela, “mas a gente faz um exercício grande para ver de outra forma”. Menciona, de qualquer maneira, a falta de oportunidade para as pessoas que vivem nessas condições.

Propósito: Quer ser um agente de mudança, ainda que modesto. “Um grão de areia”.


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