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Primeira mulher
Inês Corrêa de Souza: “A mulher dá uma dimensão diferente aos conselhos. É delicada e minuciosa, não fica criando caso.”

144 Retrato_RV.indd“Inês, você sabe datilografar?” A pergunta não era incomum, para mulheres, naquele ano de 1985. Mas Inês Corrêa de Souza mal podia acreditar. Formada em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), primeira trainee mulher recrutada pela General Electric (GE) para o disputado curso de custos, orçamento e planejamento (equivalente a um MBA em finanças), e depois de ter criado o próprio método de aprendizagem para passar da área administrativa para a financeira dentro da Vale, ela se apresentava de volta à estatal após uma temporada de três anos nos Estados Unidos. Respirou fundo e respondeu, sem se alterar: “Sim, sei datilografar. Mas acho um desperdício usar alguém como eu para secretária”.

O chefe, distraído diante da funcionária que retornava da licença sem vencimentos, não se recordaria da pergunta, tempos depois. Nessas alturas, Inês já era diretora financeira do centro corporativo da Vale, e, depois da privatização, seria a primeira mulher presidente de banco no país, em 2000, responsável pela reestruturação e pela montagem da área de pessoas físicas do UBS no Brasil. Ainda hoje, Inês parece se divertir com essas histórias,
sem guardar ressentimentos: “As coisas eram assim”, diz ela, prestes a completar 65 anos. “Tive chefes que me deram muito apoio, mas não havia exemplos femininos a serem seguidos.”

Desde 2009, Inês integra, como membro independente, o conselho de administração do Magazine Luiza, presidido por Luiza Helena Trajano. E este ano inaugura no Rio de Janeiro as atividades da organização Women Corporate Directors (WCD), que tem como objetivo ampliar a presença de mulheres no topo das empresas. “Já fizemos três eventos e a discussão foi de altíssimo nível”, diz, empolgada. Nessas ocasiões, sempre é convocada a discorrer sobre sua experiência, na qual momentos como a pergunta sobre a habilidade na datilografia não foram exceção. “Mas hoje é diferente, não existe o mesmo nível de preconceito”, ressalta.

Nascida no Rio, Inês seguiu o exemplo familiar de que mulheres deviam trabalhar — pelo menos ser professora. Ao contrário das outras normalistas, porém, prosseguiu os estudos com a faculdade de administração e, quando percebeu, estava trabalhando no chão de uma fábrica de lâmpadas da GE em Maria da Graça, subúrbio carioca. “Era um ambiente 100% masculino. Não imaginei que fossem contratar uma mulher, ainda mais com aliança de noivado no dedo.” Já na Vale, casada, tentou conciliar o interesse por finanças com a temporada de estudos do marido cardiologista,
mas o escritório da estatal em Nova York acabou por não aproveitá-la: “Eu tinha feito um programa antes, para aprender sobre finanças internacionais e exportação, mas quando cheguei lá caí na real, percebi que não era desejada. Aí fui estudar”.

O estudo incluiu cursos de fotografia, literatura e até ópera. Mas os conhecimentos que mais contariam no futuro seriam o inglês fluente e a convivência com diferentes culturas e nacionalidades, habitando o campus de um hospital com o marido. O argumento do idioma acabou chamando a atenção do chefe distraído, depois do tímido protesto por não querer virar secretária. Pode ser difícil de imaginar hoje, mas poucos dominavam o inglês na área financeira da estatal.

“Quando o Brasil saiu da moratória (decretada em 1987), e o mercado começou a se abrir, surgiram oportunidades de estruturar operações novas e muito sofisticadas. Fui autodidata: pedia material de fora, estudava e comecei a viajar. Em 1992, montamos mesa de derivativos e passamos a operar com ouro.” O pioneirismo em modalidades de captação de recursos externos acabou tornando Inês conhecida no mercado. “Eu tinha muita exposição”, reconhece. Ela chegou a se engajar no processo de privatização da Vale, em 1997, mas saiu dois anos depois, chamada por Eleazar de Carvalho Filho para fazer a reestruturação do UBS, em processo de fusão com o Swiss Bank, globalmente. “Seis meses depois, ele saiu do banco para ser presidente do BNDES, e eu fiquei em seu lugar.”

Inês reconhece que sua trajetória é rara: começar a carreira em empresa e depois trabalhar em banco. “Em geral acontece ao contrário”, diz. Mas atribui à dupla experiência o traquejo de hoje em conselhos de administração e na consultoria de gestão e finanças, montada quando saiu do UBS, em 2004. Em conversas entre mulheres executivas, nos eventos da WCD, o tema da presença feminina ainda modesta em conselhos é recorrente: “É uma pena, porque a mulher dá uma dimensão diferente aos conselhos. É dedicada e minuciosa, além da vantagem de não ficar criando caso, jogando para a plateia”. A repórter fica curiosa: os homens “criam casos”? Inês ri e diz que sim: as mulheres sempre comentam sobre certa “exibição masculina” em controvérsias desnecessárias.

Em compensação, diz, eles são um exemplo a ser seguido no quesito networking (rede de contatos). “Um indica o outro, e assim vai se formando o ‘clube do bolinha.’” No entanto, no que depender do exemplo de mulheres que, como Inês, não se sujeitaram à posição de professora ou secretária, isso começa a mudar. “Estamos aprendendo a ter o nosso próprio networking. De mulheres.”

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Foto: Aline Massuca


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