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Voto plural vira escudo para bigtechs 
Graças à estrutura, empresas de tecnologia descartam boas propostas vindas dos acionistas 
Voto plural serve de escudo para bigtechs

Investidores e especialistas em governança corporativa têm alertado que o voto plural é antidemocrático e cria uma discrepância entre controle acionário e direito de voto, o que, por sua vez, reduz a responsabilidade dos fundadores | Imagem: freepik

Enquanto o Brasil encara debates sobre a implementação do voto plural, vale observar o que acontece no Vale do Silício na temporada de assembleias de 2021. Desde que as dual-class shares (conhecidas, no Brasil, como superON ou voto plural) foram adotadas na oferta inicial de ações (IPO) do Google, em 2004, outras bigtechs seguiram o exemplo e um padrão tornou-se evidente. A cada primavera no hemisfério norte, as empresas de tecnologia que têm essa estrutura recebem — e descartam — uma enxurrada de propostas de acionistas em suas reuniões anuais.  

Os destaques desta temporada são as gigantes Amazon, Facebook e Alphabet, que deixaram de lado pedidos de seus acionistas para criação de relatórios antitruste e adoção de medidas mais eficientes para barrar fake news. Até agora, a alta performance dessas bigtechs na bolsa de valores tem apaziguado os ânimos dos acionistas, mas a insatisfação entre eles cresce — e ameaça chegar ao limite. 

Controle garantido 

As aparentes vantagens da superON são bem conhecidas. Seus apoiadores defendem que a estrutura de voto plural permite que os fundadores, comumente vistos como gênios das áreas de tecnologia e inovação, continuem ditando os rumos da companhia, com foco no longo prazo. Ou seja, seria um mecanismo de defesa contra a tradicional mentalidade de curto prazo de Wall Street. 

Entretanto, investidores e especialistas em governança corporativa têm alertado que o voto plural é antidemocrático e cria uma discrepância entre controle acionário e direito de voto, o que, por sua vez, reduz a responsabilidade dos fundadores. Em artigo recente, professores da Universidade de Denver, nos Estados Unidos, alertam que, em média, essas companhias apresentam um desempenho inferior em questões ambientais comparadas aos seus pares com uma única classe de ações. 

Em certos casos, o voto plural concede o controle das companhias àqueles que as criaram, como acontece no Facebook e na Alphabet, controladas por Mark Zuckerberg e pela dupla Larry Page e Sergey Brin, respectivamente. Já no caso da Amazon, o fundador Jeff Bezos, com 14% dos papéis, não é capaz de decidir sozinho o rumo da companhia durante as votações em assembleia, mas tem influência suficiente entre os maiores acionistas para pender a balança para o lado que achar mais conveniente. 

Propostas descartadas em 2021 

Se a prosperidade financeira das bigtechs parece ser garantida pela estrutura de dual-class shares que privilegia os fundadores, o fenômeno se consolida na contramão do capitalismo de stakeholders, já que questões apresentadas por acionistas relacionadas ao recorte ESG (fatores ambientais, sociais e de governança) são continuamente descartadas. Neste ano, as propostas apresentadas — e rechaçadas — em assembleias anuais variaram desde pedido para que o Facebook redobre os esforços para evitar a disseminação de fake news até a intimação para que Alphabet nomeie um conselheiro com experiência em direitos humanos e relate como a companhia lida com riscos antitruste. Ideias como essas receberam apoio de “peixes grandes” do mercado financeiro: na assembleia anual da Alphabet, por exemplo, ambas as propostas ganharam o apoio da consultoria de recomendação de voto ISS. 

Ironicamente, no mesmo dia em que a Amazon e o Facebook varreram para debaixo do tapete as ideias e insatisfações de seus investidores, ExxonMobil e Chevron, duas das maiores empresas petrolíferas do mundo, enfrentaram as consequências de uma verdadeira democracia societária em tempos de preocupações crescentes em relação ao meio ambiente. Na Exxon, os acionistas entregaram duas cadeiras no conselho a investidores ativistas; já na Chevron, a assembleia rechaçou o plano de redução de emissão de gases de efeito estufa apresentado pelo conselho por considerá-lo insuficiente. 

Insatisfação escondida 

Seria ingênuo esperar que, nesse cenário, o ressentimento de acionistas em relação à estrutura de dual-class shares não crescesse. Na assembleia anual da Alphabet em 2020, 31% dos votos expressos na reunião foram a favor de uma resolução para acabar com esse sistema desigual. Uma proposta semelhante no Facebook obteve apoio de 27%. 

O que pode parecer um percentual baixo de apoio a propostas que desafiam o status quo das bigtechs também pode mascarar um descontentamento maior. No ano passado, por exemplo, a proposta para que a Alphabet divulgasse detalhadamente casos em que os governos forçam a companhia a censurar conteúdos recebeu 11% de votos favoráveis. A ISS calcula que, sem o voto plural, isso teria sido traduzido em um percentual de 34%. Na mesma linha, o apoio de 13% dos acionistas às propostas de vincular parcialmente a remuneração dos executivos da Alphabet a metas de sustentabilidade seria equivalente a 39%.  

Com os preços das ações das bigtechs em níveis recordes — ou próximos a esse teto —, os fundadores têm obtido sucesso em se blindar da pressão dos acionistas. A ânsia dos investidores em emplacar propostas (principalmente com foco ESG) nas reuniões anuais, entretanto, não deve diminuir, muito pelo contrário. Resta agora saber até quando eles vão permitir que os donos das bigtechs usem o escudo da dual-class share para se proteger.

 

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