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Voto plural de volta à pauta
Dispositivo, incluído na MP 1.040 pelo Senado Federal, reacende debate acerca de vantagens e riscos de sua implementação
Voto plural de volta à pauta
De acordo com o texto aprovado pelo Congresso Nacional, o voto plural será permitido tanto para companhias fechadas quanto abertas | Imagem: freepik

Recentemente, a controversa MP 1.040 foi aprovada, com alterações, pelo Senado Federal, e também recebeu o aval da Câmara dos Deputados. Conhecida como MP da Melhora do Ambiente de Negócios, a medida apresenta uma extensa lista de propostas para alterar o funcionamento do mercado e influenciar a posição do País na classificação geral do relatório Doing Business, do Banco Mundial. Foram feitas cerca de 60 modificações na MP pelo Senado, a maioria rejeitada pelos deputados. Uma delas, entretanto, permaneceu: a emenda de nº 17, que prevê a inclusão do voto plural (ou superON) na Lei das S.As. O dispositivo é alvo de debates acalorados, visto que sua inclusão na lei terá impacto profundo no Direito societário brasileiro e na governança das companhias.  

Enquanto outras jurisdições permitem quantidades de voto diferentes entre classes de ações, o artigo 110 da Lei das S.As. veda a sua adoção ao estabelecer a regra “uma ação, um voto”. A lei brasileira garante ao acionista o direito de voto com base no capital por ele investido na companhia, seguindo a lógica de proporcionalidade entre dinheiro alocado e participação na tomada de decisões da companhia. 

O voto plural, por outro lado, permite que os fundadores de uma empresa tenham maiores poderes de deliberação, sob a justificativa de que a desproporção é necessária para o crescimento da companhia. O dispositivo ganhou força com a chegada às bolsas de valores de empresas de tecnologia, com operações fortemente vinculadas a uma figura-chave. Marcos Sader, sócio do i2a Advogados, acredita que, embora desperte certa polêmica, a adoção do voto plural poderá ser especialmente positiva para as empresas novatas no mercado — as startups. “A vedação do voto plural no Brasil é uma das justificativas de empresas jovens e relevantes do País terem optado por abrir o capital na Nasdaq, nos Estados Unidos, e não na B3”, afirma o advogado. O texto aprovado pela Câmara aguarda sanção presidencial. 

Alterações na Lei das S.A.s via MP 

De acordo com o texto aprovado pelo Congresso Nacional, o voto plural será permitido tanto para companhias fechadas quanto abertas. No caso das companhias abertas, sua adoção deve acontecer antes de suas ofertas iniciais de ações (IPOs). Cada ação ordinária terá o limite de dez votos por ação. Há, ainda, a previsão de que o voto plural poderá vigorar pelo prazo de sete anos, podendo ser prorrogado uma única vez por período igual ou inferior (essa limitação pretende impedir que o fundador “mande” sozinho na companhia ad aeternum). Importante destacar que a utilização do voto plural é vedada nas deliberações relativas à remuneração dos administradores e à celebração de transações com partes relacionadas, conforme definido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Apesar dessas salvaguardas, a adoção do voto plural continua a gerar preocupações, principalmente por ter sido aprovada pelo Congresso sem uma ampla discussão de todas as suas implicações. “O tema é bastante controverso na comunidade jurídica, que questiona a adoção de tal instrumento via medida provisória, sem ter havido um amplo debate sobre suas vantagens e desvantagens e fundamento das disposições aplicáveis”, afirmaram, em artigo, as advogadas do escritório L.O. Baptista Fernanda Pereira e Marilia Augusta Polachini.  

Nelson Eizirik, sócio fundador do Eizirik Advogados, compartilha esse desconforto. “Não se muda uma lei societária para melhorar em um ranking, muito menos pelo mecanismo de MP. Os tópicos envolvidos requerem muita discussão, o que seria mais adequado com um projeto de lei, com debates com os agentes do mercado mesmo antes da tramitação no Congresso”, disse o advogado em debate organizado pela CAPITAL ABERTO. 

Alinhando o Brasil às jurisdições estrangeiras 

Nas discussões sobre o assunto, a B3 se manifestou de forma favorável ao dispositivo. O intuito seria tornar o mercado acionário brasileiro mais atrativo e brecar o movimento de empresas sediadas no Brasil que decidem abrir o capital no mercado americano — entre elas PagSeguro, Stone e XP Inc. 

Flavia Mouta, diretora de emissores da B3, afirma que um dos benefícios do voto plural é assegurar estabilidade à gestão inicial, enquanto o projeto ainda está tomando corpo. Esse raciocínio considera que o fundador precisaria continuar com parte da flexibilidade do período pré-IPO para liderar o desenvolvimento do negócio. Nesse cenário, se os minoritários têm o mesmo poder de voto, sua provável tendência a cobrar resultados de curto prazo poderia afetar o desempenho da companhia num horizonte mais longo.   

SEC pede cautela 

A Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec), por sua vez, se opõe à permissão do voto plural no Brasil, afirmando que o dispositivo gera mais riscos que oportunidades. A entidade observa que a própria Securities and Exchange Commission (SEC), regulador do mercado de capitais americano, adotou postura de oposição ao mecanismo, chegando a recorrer ao Judiciário para tentar barrá-lo. 

“Nos documentos da SEC há várias menções aos riscos do voto plural, inclusive com linguagem contundente, como um título ‘receita do desastre’”, destacou o presidente da entidade, Fábio Coelho, também em discussão promovida pela CAPITAL ABERTO. Para ele, o mecanismo ameaça o rito de governança baseado na premissa “uma ação, um voto”. “Um investidor que assume um risco tem direito a exercício de um voto. Quando se quebra essa premissa deve haver pesos e contrapesos.” Coelho frisou, ainda, que o Brasil não tem condições de proteção ao investidor tão boas quanto os mercados mais avançados que permitem o voto plural. 

Durante a temporada de assembleias de 2021 no Vale do Silício, as dual-class shares (nome dado às superON nos Estados Unidos) foram motivo de insatisfação entre acionistas. A cada primavera no hemisfério norte as empresas de tecnologia que têm essa estrutura recebem — e descartam — uma enxurrada de propostas de acionistas em suas reuniões anuais. Os destaques da última temporada foram as gigantes Amazon, Facebook e Alphabet, que deixaram de lado pedidos de seus acionistas para criação de relatórios antitruste e adoção de medidas mais eficientes para barrar fake news. Com essas posturas jogaram lenha na fogueira dos que se opõem à estrutura — agora também no Brasil. 

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