Voto plural: como contornar seus riscos? 
Mercado brasileiro discute salvaguardas para tornar o instituto possível no Brasil 
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Imagem: freepik

O fato de pelo menos uma dezena de empresas sediadas no Brasil terem escolhido o mercado americano para abrir o capital nos últimos anos mais uma vez suscitou discussões. Seria o veto no País à emissão de ações com poderes de voto amplificados para o fundador um fator determinante para a migração? Teria chegado o momento de rever a restrição, estabelecida no artigo 110 da Lei das S.As.? Há partidários em ambos os lados, mas existe um consenso em torno da necessidade da criação de salvaguardas, de condições específicas que favoreçam a proteção dos investidores. 

O chamado voto plural (ou superON) permite que os fundadores de uma empresa tenham maiores poderes de deliberação, sob a justificativa de que a desproporção é necessária para o crescimento da companhia. O instituto já existe desde o fim do século 19, mas ganhou força com a chegada às bolsas de empresas de tecnologia, operações fortemente vinculadas a uma figura-chave — um bom exemplo é a ligação Mark Zuckerberg-Facebook. 

A adoção do mecanismo no Brasil vem sendo debatida no âmbito da Iniciativa do Mercado de Capitais (IMK), grupo que reúne Ministério da Economia, reguladores e agentes do mercado. O tema foi o foco da discussão em encontro promovido na Conexão Capital, com a participação de Flavia Mouta, diretora de emissores da B3, e Fábio Coelho, presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec). O debate foi mediado por Sandra Guerra, sócia-diretora da Better Governance. 

IPOs brasileiros nos EUA 

Embora não seja possível estabelecer uma relação causal entre a proibição do voto plural e a decisão de uma empresa brasileira de fazer oferta pública inicial de ações (IPO) no exterior, é certo que o veto entra na equação. Sob esse ponto de vista, uma flexibilização em tese aumentaria a competitividade da bolsa local. “O mercado de capitais brasileiro chegou a um ponto de maturidade que permite essa discussão sobre o voto plural. Ele tem que ser viável, mais um entre tantos mecanismos possíveis. Não existir essa opção talvez seja o problema”, diz Mouta. 

Entre as companhias brasileiras, optaram pelo IPO nos EUA com o voto plural PagSeguro, Stone, Arco, XP Inc, Vasta, Afya, Vinci, Patria — todas com uma proporção de dez votos para um; apenas Vitru não usou a estrutura. Mouta observa que são fatores mais importantes para a escolha do mercado americano as possibilidades de um valuation maior e de acesso a um pool de investidores mais especializados nos negócios correspondentes.  

Segundo a diretora de emissores da B3, mesmo no exterior não há um caminho único: os mercados se dividem mais ou menos de maneira equânime quanto à permissão ou não do voto plural. Existem casos de bolsas de valores — Singapura e Hong Kong — que passaram a aceitar o mecanismo alguns anos depois de terem “perdido” o megaIPO do Alibaba para o mercado americano. E há casos peculiares. Na Austrália, a lei permite o instrumento, mas a bolsa não aceita listagem de empresas com voto plural. No Japão, o instituto é proibido, mas uma estrutura via units chega um resultado parecido. 

Riscos e oportunidades 

A Amec se opõe à permissão do voto plural no Brasil. “Apesar de realmente o instrumento oferecer vantagens, na visão dAmec, ele gera mais riscos que oportunidades”, afirma Coelho. Entre as vantagens está o fato de a maior quantidade de votos detida pelas ações do fundador facilitar a tomada de decisões estratégicas do negócio, um ponto importante para as empresas da chamada nova economia. 

A despeito de a lei não permitir o mecanismoa B3 defende a implementação e Mouta menciona algumas razões. Uma delas é a chamada tensão de curto e longo prazo. “O voto plural dá estabilidade a essa gestão inicial, enquanto o projeto ainda está tomando corpo.” Por esse raciocínio, o fundador precisaria continuar mantendo parte da flexibilidade do período pré-IPO para liderar o desenvolvimento do negócio. Nesse cenário — típico das empresas de tecnologia que chegam à fase de listagem —, se os minoritários têm o mesmo poder de voto sua provável tendência a cobrar resultados de curto prazo poderia afetar o desempenho da companhia num horizonte mais longo.  

Mouta lembra, ainda, que no próprio mercado brasileiro existem mecanismos eventualmente até mais opacos ou menos simples do que o voto plural e que acabam concentrando poderes nas mãos dos controladores, como cláusulas estatutárias e arranjos com ações preferenciais (PNs). 

De acordo com ela, empresas de tecnologia captam muito via private equity e venture capital e, quando chegam ao IPO, a diluição do controle já é muito significativa. Para essas companhias ingressarem no mercado público é importante que os fundadores permaneçam com uma certa estabilidade para o negócio crescer — esse arranjo faz sentido para investidores”, comenta, ressalvando que evidentemente abusos devem ser coibidos. Mas vedar um instituto porque ele pode abrir espaço para eventuais abusos me parece um contrassenso”, acrescenta. 

 a Amec verificou que o próprio regulador americano — Securities and Exchange Commission (SEC) — já adotou postura de oposição ao mecanismo, chegando a recorrer ao Judiciário para barrá-loNo fim, perdeu a batalha. Nos documentos da SEC há várias menções aos riscos do voto plural, inclusive com linguagem contundente, como um título ‘receita do desastre’”, destaca o presidente da entidadePara ele, o mecanismo ameaça o rito de governança baseado na premissa uma ação, um votoUm investidor que assume um risco tem direito a exercício de um voto. Quando se quebra essa premissa deve haver pesos e contrapesos.  

Coelho frisa, ainda, que o Brasil não tem condições de proteção ao investidor tão boas quanto os mercados mais avançados que permitem o voto plural. “Aqui, eventuais litígios têm poucos caminhos: o regulador, a arbitragem ou Judiciário. Mas temos visto questões de conflitos de interesse em transações com partes relacionadas, por exemplo, com decisões do regulador que oscilam dependendo da composição do colegiadoHá também o obstáculo de um Judiciário pouco especializado em mercado de capitais e moroso, além do alto custo dos procedimentos arbitrais, que por sua natureza não são transparentes”, pondera. “Casos recentes como o da LinxStone já geraram muita controvérsia mesmo sem envolver superON; imagine se houvesse voto plural”, completa.  

Salvaguardas 

À parte as posições opostas, é consenso que, se implementado no Brasil, o voto plural só valeria para empresas que fizessem IPO — ou seja, companhias já listadas não poderiam adotar o modelo. Com essa salvaguarda, os investidores “entrariam no jogo” ciente de que estariam comprando ações que têm direito a menos votos. Nessa mesma linha, não haveria possibilidade de voto plural entre as empresas do Novo Mercado, diz Mouta, já que o segmento é fundamentado na ideia “uma ação, um voto”. 

Uma das salvaguardas mais importantes seria sunset clause temporal, para permitir a continuidade do amadurecimento do negócio pós-abertura de capital. Ela estabeleceria uma concentração de poder limitada, e por um motivo específico. Nesse ponto B3 e Amec discordam no detalhe. Enquanto a entidade defende um prazo máximo de sete anos para essa cláusula (com possibilidade de uma única extensão), a bolsa considera mais adequado deixar essa decisão de intervalo a cargo dos minoritários, já que nem todas as empresas têm as mesmas dinâmicas de desenvolvimento. 

Para a Amec, outras salvaguardas importantes são o veto à negociação da ação com voto plural — só pessoa física do fundador poderia deter o papel — e à participação desse acionista em algumas deliberações, como aprovação de contas e escolha de auditoria. Segundo Mouta, a B3 propõe também a limitação da desproporção: no máximo um para dez. Nos Estados Unidos não há restrição, então há casos de emissões com uma proporção de um para 30. 

 

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