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Voto múltiplo avança no Brasil, mas ainda com desafios
Aumento do uso do mecanismo na temporada de AGOs evidencia amadurecimento do ativismo dos acionistas
Voto múltiplo avança no Brasil, mas ainda com muitos desafios
Mesmo tendo sido demandado em quase metade das assembleias da temporada mais recente, o voto múltiplo só permitiu a eleição de representantes dos minoritários em seis companhias | Imagem: freepik

Mecanismo devidamente estabelecido na Lei das S.As., o voto múltiplo para eleições de membros de conselhos de administração integra o rol de pesos e contrapesos que, aplicados às relações societárias, contribuem para a proteção dos minoritários. Apesar da longevidade, o instrumento nunca foi de fato amplamente utilizado nas companhias brasileiras, mas tem sido alvo de crescente interesse dos acionistas. De acordo com levantamento feito pelo escritório Moreira Menezes, Martins Advogados, considerando uma amostra de 127 assembleias gerais ordinárias (AGOs) realizadas em 2021, houve pedidos para eleição de conselheiros por voto múltiplo em 56 — o que corresponde a 44% dos encontros.  

O número é notável, mas há um porém. Mesmo tendo sido demandado em quase metade das assembleias da temporada mais recente, o voto múltiplo só permitiu a eleição de representantes dos minoritários em seis companhias: Vale, Metalfrio, Grupo SBS (todas integrantes do Novo Mercado da B3), Cemig (Nível 1), Klabin e Celesc (ambas listadas no Nível 2), mostra o relatório. Nas demais, os acionistas que se articularam em torno do instrumento não conseguiram alcançar participação suficiente.  

Votos multiplicados 

Cabe lembrar que no sistema do voto múltiplo, disponível apenas para detentores de ações ON (que têm direito a voto), cada ação tem tantos votos quantos sejam os cargos do conselho de administração a serem preenchidos. Assim, se existem mil ações com direito a voto e cinco cargos a serem ocupados, há 5 mil votos. E, como destaca Henrique Machado, sócio do Warde Advogados e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os votos podem ser concentrados em um único candidato. 

Essa particularidade abre espaço para o voto múltiplo ser usado por grupos de minoritários para elegerem candidatos que apoiem. “O objetivo é auxiliar a representação proporcional no conselho, considerando segmentos que compõem a base de acionistas. O voto múltiplo é um instrumento de proteção de acionistas minoritários”, explica. Sem esse mecanismo, fica mais fácil para os controladores emplacar seus candidatos, já que a eleição é feita pelo sistema de voto em chapa. “Com o voto múltiplo cumulativo, o controlador tem que distribuir seus votos entre os candidatos, e os minoritários podem concentrar seus votos nos candidatos que os interessam, o que aumenta chances de eleição de nomes que os representam”, acrescenta Machado, lembrando que esse formato é válido apenas para o conselho de administração, conforme determina a Lei das S.As. 



Evolução do ativismo 

A discussão sobre o uso do voto múltiplo no Brasil corre paralelamente à evolução do ativismo dos investidores. Isso porque oferece aos acionistas uma possibilidade de se articularem para eleger representantes nos conselhos das empresas nas quais investem, de forma a terem voz na condução dos negócios. “No Brasil sempre foi mais comum um ativismo relacionado a uma agenda de resolução de conflitos de interesses, mas mais recentemente tem conquistado espaço a busca por geração de valor”, observa Guilherme de Morais Vicente, sócio da Onyx Investments. 

Nesse sentido, o ativismo seria engendrado de forma mais eficiente dentro dos conselhos — daí a importância de os minoritários também terem seus representantes nos colegiados, destaca. “O voto múltiplo, nesse contexto, é uma ferramenta poderosa. E é bom lembrar que o aumento da demanda tem a ver com um trabalho de aprimoramento contínuo feito por muitos participantes do mercado nos últimos anos”, diz Vicente, numa referência, entre outros, à Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec).  

A possibilidade de pedido de eleição por voto múltiplo (que deve ser feito até 48 horas antes da assembleia) abre espaço para os acionistas minoritários que têm interesses em comum avaliarem as chances de eleição de seus candidatos. “Acredito que o voto múltiplo deve ser considerado a depender da situação que o acionista encontrará na eleição”, comenta Marcelo Gasparino, presidente do conselho de administração da Eternit e integrante dos conselhos de Vale e Cemig. “O desenvolvimento e a consolidação do voto múltiplo no Brasil são importantes porque o mecanismo exige maior preparação dos acionistas. São necessárias discussões, avaliações, análises prévias. Na prática, esse processo começa ainda em janeiro [a temporada de AGOs vai até o fim de abril de cada ano] e requer mais maturidade dos acionistas”, acrescenta Vicente.  

Boletim de voto a distância 

O debate em torno do voto múltiplo ainda incorpora outras dinâmicas, como as envolvidas no boletim de voto a distância e na prestação de serviços de recomendação de votos, dois pontos especialmente caros aos investidores estrangeiros. “O uso mais amplo do voto múltiplo reflete amadurecimento do investidor e maior grau de articulação entre os acionistas, mas também cabe destacar a importância de instrumentos complementares nesse processo, como a criação do boletim de voto a distância”, avalia Raphael Martins, sócio do Faoro Advogados e colunista da CAPITAL ABERTO. Normatizado em 2015, o boletim facilita a participação de acionistas nas assembleias.  

Aos poucos, o voto múltiplo vai subindo alguns degraus nas relações entre sócios que são evidenciadas durante as assembleias. Mas restam desafios, que podem ser enfrentados com ajustes finos na regulação, por exemplo. “Valeria um aprimoramento para se contornar o comportamento de companhias que agem de forma a evitar o avanço da representatividade dos minoritários e uma simplificação da cadeia de prestadores de serviços”, opina Gasparino. Machado diz considerar importante a inserção desses aperfeiçoamentos na agenda de prioridades regulatórias da CVM. “O processo envolve também assuntos como diminuição da burocracia na transmissão de informações, voto contrário [situação em que os acionistas indicam os nomes que não querem ver no conselho] e acesso a lista de acionistas. Todos esses pontos continuam sendo desafios”, enumera. 

Outra frente importante é a manutenção do interesse dos investidores pela mobilização e articulação antes das assembleias de acionistas. Afinal, de nada adianta a existência de uma boa chave de acesso — o que, simbolicamente, representa o voto múltiplo — se ninguém se arrisca a destrancar a porta.  

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