Nos últimos meses, os efeitos das mudanças climáticas foram sentidos por milhares de brasileiros que perderam bens e vidas em uma série de eventos trágicos provocados por temporais. O primeiro ocorreu no sul da Bahia, onde o acumulado de chuvas em dezembro passado foi o maior em 32 anos para o mês. De acordo com a empresa de meteorologia Metsul, choveu mais na Bahia do que em qualquer outro lugar do planeta naquele período. A região metropolitana de São Paulo também não escapou das intempéries climáticas. Entre 26 e 30 de janeiro, choveu mais de 400 milímetros, praticamente o dobro do previsto para o mês inteiro. Poucos dias depois, em 15 de fevereiro, foi a vez de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, ser castigada. A queda de 259,8 milímetros de água em apenas seis horas provocou cerca de 200 mortes e deixou milhares de feriados, no pior desastre da cidade causado até hoje pela chuva.
“O que estamos vendo no planeta atualmente é efeito da mudança climática e não a variabilidade natural do clima. Tudo ocorre como resposta à grande quantidade de gases [de efeito estufa] que lançamos na atmosfera desde a revolução industrial e, principalmente, nos últimos 50 anos”, destaca Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
Segundo ele, faltam, no Brasil, investimentos voltados à criação de iniciativas que previnam e reduzam os impactos causados por fenômenos climáticos extremos. O problema é que essa escassez deixa as populações das cidades vulneráveis, sobretudo as mais pobres. “As pessoas que residem em áreas de alto risco não podem continuar nesses lugares. E mudar essa situação demanda um enorme investimento em infraestrutura sustentável”, afirma Nobre, ressaltando que as iniciativas pública e privada deveriam olhar com atenção para essa necessidade. Conforme estimativas do projeto The New Climate Economy, o combate às mudanças climáticas vai exigir, no mundo, o investimento em infraestruturas sustentáveis — ou seja, em obras que consideram os aspectos ESG e criam resiliência contra desastres naturais e outros riscos — no valor de 90 bilhões de dólares até 2030.
“Quanto maior é a demora para investir em áreas de risco, maiores são as chances de novos desastres. E depois que eles ocorrem, é preciso aportar dinheiro na criação de uma nova infraestrutura como um todo, o que acaba saindo muito mais caro”, observa Nelson Muscari, coordenador de fundos e previdência da Guide Investimentos.
Recentemente, a corretora passou a distribuir, no Brasil, cotas do Templeton Global Climate Change, fundo global da gestora Franklin Templeton, focado em mudanças climáticas. O veículo existe há 30 anos, possui em torno de 1 bilhão de euros sob gestão (cerca de 5,6 bilhões de reais) e trabalha com três temas de investimento: resiliência (empresas que estão reduzindo suas emissões), transição (companhias que promovem mudanças para meios mais sustentáveis) e soluções (empresas de transporte sustentável, agricultura sustentável e saneamento). “São temas que atraem interesse e fluxo dos investidores principalmente quando a gente olha para a Europa. No Brasil, esses assuntos também chamam a atenção, mas o fluxo ainda não é muito grande”, lamenta Muscari.
Hora de agir
É urgente, no entanto, que esse cenário se modifique. Dados do Observatório do Clima mostram que o Brasil ainda tem muito a evoluir em termos de mitigação de emissões. Em 2020, o País emitiu 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico, 9,5% a mais que em 2019 e o maior volume em 14 anos. Um levantamento do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) também revela que, de 2020 para 2021, o Brasil aumentou em 121% as emissões de CO2 por queima de combustíveis fósseis utilizados em usinas termelétricas.
A realidade é que, apesar do discurso dos países — e investidores — de que estão comprometidos com a descarbonização da economia, grandes investimentos no mundo continuam sendo direcionados à exploração de combustíveis fósseis. A empresa norueguesa de pesquisa Rystad Energy, por exemplo, prevê aportes de 628 bilhões de dólares na indústria petrolífera em 2022, um aumento de 4% em relação aos investimentos realizados no ano passado. “O sistema financeiro precisa contribuir para a inversão dessa lógica e parar de financiar a economia antiga, que gerou todos esses problemas”, afirma o pesquisador da USP.
Na visão de Muscari, da Guide, a guerra na Ucrânia pode acelerar o processo de transição energética, diante da necessidade dos países de reduzirem a dependência por petróleo da Rússia. Desde que o exército russo invadiu o país vizinho, sanções ao governo de Vladimir Putin têm gerado volatilidade nos preços das commodities do setor energético. “O momento é muito propício para investimentos privados em fontes de energias renováveis, com a matriz energética atual sofrendo um choque de preços extremo e uma necessidade de mudança”, conclui Muscari. É uma pena que um conflito armado seja necessário para impulsionar transformações cruciais para a preservação do planeta.
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