Sustentabilidade ainda não é real nos conselhos de administração
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Samarco, Petrobras, BP. São vários os exemplos contemporâneos de perdas econômicas decorrentes de vulnerabilidade ambiental, social e de governança, em empresas no Brasil e no mundo. No contexto recessivo do País, entretanto, é possível constatar um descompasso. A adoção da sustentabilidade como diretriz pelos conselhos de administração — órgãos responsáveis pela perenidade dos negócios — ainda aparece sob a forma de miragem nos relatos de quem vive nesse campo. A avaliação foi feita por participantes do Grupo de Discussão Relações com Investidores, que teve em junho um encontro promovido pela CAPITAL ABERTO, em São Paulo.

“A ideia de custo versus benefício parece ter sido extinta nas empresas; hoje é tudo custo”, afirma Roberto Gonzalez, conselheiro do fundo Ethical, da Santander Asset Management do Brasil. “Neste momento de retração, a vulnerabilidade cresce com decisões difíceis, como se desfazer de negócios e demitir”, diz a sócia do Tozzini Freire Advogados Marta Viegas, especializada em direito corporativo. Rodolfo Villela Marino, conselheiro de Duratex e Itaúsa e integrante da família acionista do Itaú, admite os efeitos da pressão conjuntural. “Estamos passando por um período de corte de custos e redesenho de processos, e na área de sustentabilidade não é diferente.”

O executivo, porém, lança um olhar positivo sobre a atual situação, dentro da lógica “de um limão se faz uma limonada”. Ele observa que o ajuste de custos está sendo benéfico, por exemplo, para o fortalecimento da cultura de sustentabilidade na Duratex. “Orçamentos folgados, ao contrário, abrem espaço para a área de sustentabilidade fazer projetos com cabeça de ONG”, diz. “Com recursos escassos, os processos têm de ser mais ligados aos negócios”, completa. A fundamentação econômica é, de acordo com especialistas, crucial para que o tema figure entre as decisões estratégicas. “Se a sustentabilidade não for relevante para o negócio, ela não chega ao conselho”, concorda Ieda Novaes, conselheira do grupo Omni e da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade.

Marino enfatiza que, apesar da necessária diminuição de despesas, a Duratex não perdeu a visão de futuro. “Tivemos uma retração de resultados operacionais, mas isso não nos levou a reduzir o investimento no longo prazo”, afirma. Ieda aponta outra barreira à permanência da sustentabilidade no horizonte dos conselhos: “É também uma questão geracional”. Para Gonzalez, do fundo Ethical, as relações do século 21 pedem mudanças. “Há uma inversão de valores. A missão de uma companhia não pode ser [só] dar lucro”, conclui.

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Melhor na crise

Tatiana Assali, diretora para a América do Sul do Principles for Responsible Investment (PRI), vê no contexto presente oportunidades para os conselheiros implementarem novas políticas. “A vantagem competitiva da sustentabilidade está mais atraente para o investidor institucional na atual situação brasileira, sem investment grade”, afirma. “Estão comprometidos publicamente em fazer apostas em baixo carbono 1,3 mil signatários do PRI. O apetite vem de todos os lados”, completa. Um exemplo nacional, diz Tatiana, foi a emissão bem-sucedida de green bonds da BRF no final do ano passado. “Venderam tudo em uma semana.”

Ao lado da oportunidade de atração de capital, a percepção do risco de responsabilização dos administradores diante de prejuízos ambientais e sociais induz a uma nova cultura. “A Petrobras prestou um desserviço à governança. Não dá para um conselheiro dizer que não sabia”, afirma Ieda, do Omni. “Depois de Samarco, Petrobras e construtoras, os riscos estão escancarados”, concorda Tatiana, do PRI. “O board está exposto”, arremata. Marta, do Tozzini Freire, lembra que o principal dever do board “é o de diligência”. “E o dever de diligência não é julgado pelo mérito da decisão, mas sim pelo cuidado com ela”, adverte.

O risco da visão única

Uma das dificuldades que se impõem à adoção de parâmetros de sustentabilidade na condução estratégica das organizações é a falta de dados tangíveis e mensuráveis. O assessor de relações institucionais do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Fernando Malta, observa, entretanto, que “a precificação dos ativos, não da sustentabilidade, já é uma realidade”. Ele cita três exemplos: carbono, água e genética.

A forma como os aspectos chamados ESG — environment, social and governance — devem ser reportados aos stakeholders também está em construção. Há quem diga que os relatórios trimestrais de sustentabilidade, confeccionados para se alinhar aos relatórios financeiros, não têm sentido. “Há uma esquizofrenia nos prazos. O investidor quer resultados no curto prazo, mas também que a companhia exista para sempre”, alfineta Tatiana, do PRI.

Há, na outra ponta, defensores de relatórios integrados com o de resultados. “Mas só relatório integrado não vai resolver; é preciso existir uma compreensão integrada antes”, afirma Roberta Simonetti, coordenadora da Comissão de Estudos de Sustentabilidade para as Empresas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Para as empresas conquistarem uma visão integrada do negócio, afirma, é preciso que seus conselhos superem o risco da “visão única”. “A diversidade de opinião nos conselhos é essencial para a adoção de uma estratégia genuinamente sustentável”, afirma.

Diversidade de visão de mundo, formação educacional, idade e gênero. Roberta, por exemplo, é formada em física, o que diz lhe conferir “uma visão sistêmica do desafio da sustentabilidade”. Para que a pluralidade se instale nos conselhos, é preciso induzir a transição, defendem alguns. “O regime de cotas para as mulheres nos conselhos é necessário”, afirma Ieda. “Os conselheiros discutem o tema da diversidade do conselho, mas não resolvem. É uma decisão que a empresa precisa tomar de cima para baixo, para mudar a cultura.”

Estudo recente publicado por pesquisadores do Insper mostra que a atual participação feminina nos conselhos de administração brasileiros é de 10,3%. “A sustentabilidade já está mão das mulheres nas empresas. Por que não deveríamos participar mais ativamente também dos conselhos?”, reivindica Ieda.

A consensual falta de mulheres no board talvez seja um primeiro ponto a guiar o caminho para uma visão mais sustentável, responsável e próspera nas organizações empresariais. Um futuro mais coerente já dá sinais do seu potencial. “A sociedade brasileira está separando o joio do trigo. Esperamos que esse processo seja longo, não eterno”, conclui Moarcir Salzstein, diretor de governança corporativa da Natura.

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