Startups se preparam para o pior
No mundo e no Brasil, empresas enxugam seus negócios diante da retração dos fundos de venture capital. O objetivo é evitar a “espiral da morte”
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Diante da deterioração da economia, startups cortam custos para preservar o caixa e aumentar a eficiência | Imagem: Freepik

“Ninguém pode prever o quão ruim a economia vai ficar, mas as coisas não parecem boas. O movimento seguro agora é se planejar para o pior.” Inquietante, o alerta faz parte de carta escrita recentemente pela aceleradora americana Y Combinator. No texto, direcionado a fundadores de startups do seu portfólio, a empresa deixa claro que os tempos áureos de captação de recursos ficaram para trás. O momento agora, frisa a aceleradora, é de redução de custos e preservação do caixa, diante da perspectiva de que o volume de dinheiro destinado ao financiamento de startups deve se tornar cada vez mais módico e escasso.


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E o fato é que esse cenário já vem se delineando — e de forma contundente. Segundo dados da Crunchbase, o mercado global de venture capital (VC) movimentou em maio deste ano 39 bilhões de dólares, marcando o primeiro mês em mais de um ano em que esse valor fica abaixo de 40 bilhões de dólares. O montante é também 20% inferior ao registrado em maio do ano passado e 70% menor que o pico de novembro de 2021, quando fundos de VC direcionaram 70 bilhões de dólares para startups.

A diminuição é causada não só pela deterioração da economia mundial — intensificada pela guerra na Ucrânia e pela turbulência na economia chinesa —, mas também pela elevação das taxas de juros para conter a inflação. Com a renda fixa gerando dinheiro fácil para os investidores, o apetite para ativos de risco caiu substancialmente. Nos EUA, isso têm se refletido em uma debandada dos investidores das ações de tecnologia — apenas em abril, as cinco principais empresas do setor (Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft) perderam 1,37 trilhão de reais em valor de mercado.

“O desempenho das ações de tecnologia impacta significativamente o investimento de capital de risco. Por isso, os VCs terão daqui para frente muito mais dificuldade em levantar recursos”, observa a Y Combinator. “Durante as crises econômicas, mesmo os fundos de primeira linha, com muito dinheiro, desaceleraram seus aportes de capital. Isso causa menos concorrência entre os fundos por negócios, o que resulta em valuations mais baixos, tamanhos de rodadas menores e muito menos deals concluídos”, afirma a aceleradora, reforçando que os empreendedores devem garantir que suas empresas sobrevivam sem novas captações pelos próximos 24 meses.

Igualmente pessimista está a Sequoia Capital, uma das mais proeminentes gestoras do Vale do Silício. Em apresentação feita para 250 fundadores de empresas, a asset alerta que eles não devem esperar que a economia mundial se recupere rapidamente, assim como aconteceu após o período mais crítico da pandemia. A razão? Os recursos monetários e fiscais utilizados pelos governos para amenizar a crise se esgotaram. “Não acreditamos que essa será outra correção acentuada seguida de uma recuperação igualmente rápida, em forma de V”, destaca a Sequoia, frisando que essa perspectiva exige que os empreendedores reavaliem os seus negócios para evitar a chamada “espiral da morte”.

Demissões em massa

Diante desse contexto, tanto a Sequoia como a Y Combinator são categóricas em afirmar que os empreendedores precisam urgentemente cortar custos para preservar o caixa e aumentar a eficiência — recomendação que as startups parecem estar seguindo à risca.

Sob pretexto de que estão promovendo “ajustes internos”, startups de diversos segmentos têm realizado demissões em massa para diminuir a folha de pagamento e aumentar as margens. De acordo com o site Layoffs.fyi, 20.690 pessoas perderam seus empregos em startups de tecnologia globalmente entre abril e maio deste ano. No Brasil, a onda de demissões atinge não só startups menores, mas também aquelas com o status de unicórnio, como Quinto Andar, Loft, Vtex e Facily e Olist.

No QuintoAndar, cerca de 200 funcionários — o equivalente a 4% do quadro de colaboradores da plataforma de locação e venda de imóveis — foram demitidos. O número de pessoas que perderam seus empregos pode ser ainda maior na Facily. A plataforma de compras em grupo não confirma o dado, mas, conforme informações publicadas por O Estado de S. Paulo, entre 300 e 400 pessoas teriam sido desligadas.  

Ao enxugarem suas despesas, os unicórnios começam a adaptar seu modus operandi aos novos tempos. Agora que a empolgação com ativos de risco da área tech arrefeceu, startups bilionárias que não dão lucro começam a ser vistas com ressalvas entre os investidores. E a perspectiva é que, sem os cheques polpudos que recebiam antes dos fundos de venture capital, elas passem apuros se não repensarem a forma como usam seu caixa para crescer.

“Espero ver muitos unicórnios zumbis. Empresas que ganharam o status de unicórnio, mas não têm modelos de negócio sustentáveis, pararam de contratar — elas não estão morrendo, mas se tornarão irrelevantes”, afirmou Anand Lunia, fundador da empresa de capital de risco India Quotient, ao The Economic Times.

Iniciantes em vantagem

De acordo com dados da Crunchbase, as startups consolidadas (late stage) têm sido as mais impactadas pela diminuição do apetite dos fundos de venture capital. Em maio, no mundo, essas empresas receberam 38% menos investimentos em comparação às médias mensais de 2021. Em compensação, o dinheiro direcionado por VCs a projetos iniciantes neste mesmo período, o chamado capital semente, cresceu 11%. Um sinal de que as startups não serão afetadas todas da mesma forma no ciclo de aperto de liquidez. Como exigem investimentos menores, empresas em estágio incipiente que tenham bons projetos e valuations adequados devem continuar a atrair recursos.

E esse dinheiro pode vir não só de fundos de venture capital, mas também de empresas. Na semana passada, a Vale anunciou a criação da Vale Ventures, iniciativa de corporate venture capital (CVC) que vai investir até 100 milhões de dólares em startups com foco em soluções sustentáveis para a área de mineração. Já a Ânima anunciou, em maio, um fundo de 150 milhões de reais para investimentos em startups de educação.

Esses são dois nichos, que, diferentemente dos setores de telecomunicações, finanças e varejo, ainda têm um longo caminho a percorrer em termos de transformação digital. Outros segmentos que carecem de inovação tecnológica, segundo relatório produzido pela McKinsey, são os de transportes, indústria e bens de consumo básicos. O fato é que, a despeito de ter ficado mais escasso, o dinheiro para startups continuará a pingar para negócios consistentes e que realmente façam a diferença em seus setores. Como em crises pregressas, a euforia sai de cena para que a seletividade — e a racionalidade — entre em seu lugar.

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