Uma das maiores produtoras de alimentos processados do mundo, a BRF é hoje comandada por um executivo com data certa para partir. No fim de agosto, a companhia anunciou, por meio de comunicado de fato relevante, que seu CEO, Pedro Faria, no cargo desde 2 de janeiro de 2015, permanecerá no posto até o último dia do ano. A troca de comando ocorre após uma sequência de fracos resultados que levaram a BRF a registrar, em 2016, o primeiro prejuízo anual de sua história — um buraco de 372 milhões de reais. Neste ano, a sangria continua: entre janeiro e março a perda foi de 281 milhões de reais e entre abril e junho, de 167 milhões de reais. Os números frustram os investidores, saudosos dos resultados encorpados da BRF. Em 2013, 2014 e 2015, os lucros líquidos da companhia haviam alcançado 1,01 bilhão de reais, 2,13 bilhões de reais e 2,92 bilhões de reais, respectivamente. Valores superlativos, condizentes com a imponência da BRF. Mas que não devem voltar a abrilhantar os balanços até que a companhia arrume a casa e contrate um CEO que agrade o mercado.
Presidente do conselho de administração, Abilio Diniz afirmou, em teleconferência, que não há nenhuma chance de o novo CEO ser um executivo da BRF. “Vamos buscar uma pessoa de fora, sem ligação com qualquer acionista”, ressaltou, acrescentando que a companhia “já tem técnicos fantásticos” e que agora precisa contratar para a função “um gestor de gente”. Abilio nega que a decisão de substituir Faria tenha sido resultado da pressão dos investidores. Um dos fundadores da gestora de recursos Tarpon, sócia da BRF com 8,42% das ações, Faria ingressou na companhia em 2011 como conselheiro de administração e, dois anos depois, assumiu o cargo de CEO de Operações Internacionais, posição que lhe permitiu conquistar o apreço de Abilio. Um dos méritos do executivo foi a inauguração, em novembro de 2014, da fábrica de alimentos processados da BRF em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos — a primeira no Oriente Médio e um dos alicerces da internacionalização da companhia.
Em carta divulgada em agosto, no contexto do anúncio da saída de Faria, Abilio agradeceu a dedicação do executivo. “Quando eu cheguei à BRF, em abril de 2013, sabia que poderia contar com o talento e a experiência do Pedro Faria. Em todos esses anos em que trabalhamos juntos ele correspondeu e muitas vezes superou minhas expectativas”, elogiou o empresário. “No começo de 2015, Pedro se tornou CEO global e nossos planos corriam como esperado. Mas, no final daquele ano, a conjuntura começou a mudar radicalmente. O ciclo se inverteu e passamos a conviver com um cenário muito mais desfavorável e desafiador.”
Retrocesso
Foi Faria quem articulou, junto com Zeca Magalhães, outro sócio da Tarpon, o ingresso de Abilio no conselho da BRF. Ao menos desde 2012 o empresário vinha comprando ações — hoje, a fatia da Península, veículo de investimento da família Diniz, é de aproximadamente 4%. A possibilidade de Abilio comandar o conselho da BRF agradava os sócios da Tarpon, que queriam tirar Nildemar Secches do cargo de chairman. Experiente no setor — foi executivo da Perdigão por ao menos 15 anos — e admirado pelo mercado, Secches tinha, na visão de Tarpon e Previ, outra acionista da empresa, um estilo de gestão pouco agressivo, que impedia a BRF de se tornar uma companhia mais ágil e eficiente. Ao perceber que se tornara persona non grata, o próprio Secches abriu mão de disputar a reeleição ao cargo de presidente do conselho, em abril de 2013. Na época, lamentou ter tomado conhecimento pelos jornais de que os acionistas estavam insatisfeitos com o seu desempenho e criticou declarações de Abilio, feitas logo após a divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2013 (quando ele, Abilio, já tinha sido eleito chairman), de que a nova gestão estaria “desentortando” a companhia.
Abilio nega que a decisão de substituir Pedro Faria na presidência tenha sido resultado da pressão de investidores
O fato é que, com a saída de Secches, a Tarpon se viu livre para, em parceria com Abilio, dar uma nova cara à BRF. O ingresso do empresário veio acompanhado de novidades — como a nomeação de Claudio Galeazzi, especialista em reestruturação de companhias, para a função de CEO. E também de promessas, como a de que as ações da BRF saltariam dos 40 reais de 2013 para 100 reais em quatro anos, com a reestruturação da companhia e sua expansão nos mercados interno e externo.
Dois anos depois, a avaliação de que a BRF precisava acelerar seus planos de internacionalização motivou a substituição de Galeazzi por Faria. A sorte — e ao mesmo tempo azar — de Faria foi assumir o leme da BRF num momento ímpar, que gerou elevadas expectativas em relação aos resultados seguintes da companhia. Em sua gestão, Galeazzi cortou diversas despesas. Demitiu pessoas, fechou fábricas, fez uma faxina no portfólio e, com isso, turbinou significativamente os resultados da BRF, que ainda se beneficiava da exuberância da economia brasileira. Em função desse cenário, a margem Ebitda da companhia saltou de 8,8% em 2012 para 17,2% em 2015; já o faturamento avançou de 29,12 bilhões de reais para 37,23 bilhões de reais no mesmo intervalo. As ações igualmente dispararam no período, com alta de 60% no pregão.
Tempestade perfeita
Sob o comando de Faria, o foguete virou de ponta cabeça. Para se ter uma ideia, em 17 de outubro de 2017, as ações da BRF estavam cotadas a 44,68 reais, valor bastante inferior aos 100 reais prometidos por Abilio. O entusiasmo dos investidores foi para o ralo. A companhia foi incapaz de conter os estragos da “tempestade perfeita” que se abateu sobre ela — o termo foi empregado por Abilio: “[Em 2016], o preço dos grãos no Brasil subiu a patamares extraordinários enquanto o preço das commodities no mercado internacional caía significativamente. Enfrentamos dificuldades nas exportações e passamos a conviver com um mercado brasileiro em forte retração”, escreveu o presidente do conselho, em sua carta. “Tudo isso aconteceu em meio a uma elevada volatilidade do câmbio, que também afetou muito nossas operações no exterior. Essa combinação de fatores negativos nos levou a uma grande decepção com os resultados da BRF”, concluiu.
De fato, a retração econômica teve um efeito nefasto sobre a BRF. Os produtos da Sadia e da Perdigão são vendidos a preços mais altos nos supermercados e, com a crise, o consumidor passou a buscar marcas mais populares, o que reduziu o volume das vendas e a rentabilidade da BRF. Para piorar, a empresa se deparou com a súbita valorização na cotação do milho, que representa entre 60% e 65% do custo de produção da cadeia do frango. No segundo semestre de 2015, para se ter uma ideia, o preço da saca do grão era de 25 reais; um ano depois, com a quebra da produção por causa de uma grande estiagem, o preço disparou — em junho de 2016, a saca era vendida a 53,90 reais. “Houve uma quebra de 30% na segunda safra do milho e os estoques viraram pó. Muitas empresas não estavam preparadas para lidar com esse cenário”, diz Carlos Coco, sócio-diretor da Carlos Coco Consultoria Agroeconômica. Nos 12 meses anteriores a outubro, o custo da matéria-prima recuou 35% e o preço da saca voltou a rondar os 30 reais (em 20 de outubro). Apesar de ser uma boa notícia para a BRF, a queda no preço ainda não teve efeito expressivo no balanço do primeiro semestre.
Outro problema foi a Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março, que contribuiu para o prejuízo do segundo trimestre deste ano. De acordo com a companhia, a investigação — que desencadeou embargos de diversos países às carnes brasileiras — provocou perdas operacionais de 117,7 milhões de reais. O endividamento da companhia gera igual apreensão. A dívida líquida saltou de 5,9 bilhões de reais no fim de junho de 2015 para 13,8 bilhões de reais no encerramento do segundo trimestre de 2017. Dessa forma, a relação entre a dívida líquida e o Ebitda no período saltou de 1,12 vez para 4,9 vezes.
A situação levou a Fitch a rebaixar o rating de probabilidade de inadimplência de longo prazo da BRF, de BBB para BBB-. “O rebaixamento reflete a volatilidade do fluxo de caixa da companhia e sua elevada alavancagem, decorrente da forte queda de seu desempenho operacional em 2016 e em 2017”, escreveu a agência, em comunicado publicado em 19 de setembro, acrescentando que a piora da nota reflete também as incertezas em relação à estratégia e à estrutura de capital a serem adotadas na gestão do novo CEO.
Caminhos
Por ora, não há indicação de substituto para Faria. Mas quem assumir o comando da BRF talvez encontre, em 2018, uma conjuntura mais favorável. De acordo com dados da Nielsen, entre maio e junho, a empresa ganhou 0,8 ponto percentual de participação de mercado —totalizando 54,4% de market share —, primeiro resultado positivo desde o fim de 2015. Na última divulgação de resultados feita pela empresa, em 11 de agosto, Faria destacou que o crescimento ocorre nos pontos de venda em que a BRF já está, e que, daqui para a frente, a meta é ampliar o número de estabelecimentos compradores da marca.
Para recuperar a força, um dos projetos é criar uma terceira marca de produtos processados, com foco na baixa renda. O plano é colocá-lo em prática a partir do primeiro trimestre de 2018. “Isso nos permitirá entrar num segmento de que não participamos e que representa cerca de 30% do mercado de industrializados”, comentou o vice-presidente de negócios da BRF, Alexandre Almeida, em conversa com analistas. Com a estratégia, a companhia busca ainda aproveitar melhor as sobras de matérias-primas, mas descarta a possibilidade de canibalização das marcas Sadia e Perdigão.
O enfraquecimento da concorrência, decorrente dos escândalos envolvendo a JBS, controladora da marca Seara, também pode ajudar. Após ser vendida pela Marfrig aos irmãos Batista, em julho de 2013, a Seara teve a gestão aprimorada e se tornou a principal concorrente da BRF. “Nas mãos da JBS, ela começou a fazer um bom marketing. Depois, aperfeiçoou seu sistema de distribuição e logística, aproveitando o acesso que sua controladora já tinha com diversos varejistas”, observa o sócio-fundador da Edge Investimentos Alexandre Martins. Desde a delação bombástica de Joesley Batista, os aportes em marketing da Seara minguaram.
No médio e no longo prazos, a BRF deve se beneficiar da aquisição da Banvit Bandirma Vitaminli Yem Sanayii, maior produtora de aves da Turquia. A compra, ocorrida em janeiro, foi feita em conjunto com o fundo soberano do Catar. O movimento marca o ingresso da OneFoods, holding da BRF para a região, com sede em Dubai, no mercado mundial de aves halal — aquele que exige o abate dos animais com base nos preceitos muçulmanos. Em janeiro, a BRF anunciou que planeja capitalizar a OneFoods por meio de uma oferta inicial de ações ou do ingresso de recursos provenientes de um parceiro estratégico. O dinheiro deve ajudar o crescimento da empresa, que detém pelo menos 45% do mercado de frango em países como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Kuwait, Catar e Omã. A relevância da OneFoods é prova da majestade da BRF e de sua habilidade para conquistar mercados que lhe engordam os resultados. A questão é se a companhia conseguirá atrair um CEO capaz de transformar esses predicados em valor para o acionista. Até agora, os 100 reais por ação existiram apenas nos sonhos de Abilio.
Outubro Liberado
Experimente o conteúdo da Capital Aberto grátis durante todo o mês de outubro.
Liberar conteúdoJa é assinante? Clique aqui
Outubro Liberado
Experimente o conteúdo da Capital Aberto grátis durante todo o mês de outubro.
Ja é assinante? Clique aqui