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Solo fértil para as agtechs
Startups apostam em inteligência artificial, internet das coisas e blockchain para revolucionar o agronegócio
Agtechs apostam em inteligência artificial, internet das coisas e blockchain para revolucionar o agronegócio
No Brasil, onde o agronegócio representa 26% do PIB, cerca de 300 agtechs lideram um novo ciclo de transformação no setor | Imagem: freepik

Empreender no agronegócio exige fôlego. São numerosas as barreiras que tornam o setor um campo minado para amadores. Os desafios vão desde quebras de safras ocasionadas por desastres naturais até dificuldades no acesso a financiamento, para expandir e modernizar a produção. Mais recentemente também tem crescido a pressão para que o segmento reduza o impacto ambiental. Segundo dados mais recentes das empresas de pesquisa Forest Trends e Our World In Data, 70% da água potável do planeta é utilizada no cultivo de alimentos e cerca de dois terços das florestas tropicais do mundo foram devastadas entre 2013 e 2019 de forma ilegal pelo agronegócio. Mas quem prefere ver o copo meio cheio — e conhece bem o setor — enxerga nessas intempéries diversas oportunidades de negócio. Graças a novas tecnologias que utilizam inteligência artificial, internet das coisas (IoT) e blockchain, ideias revolucionárias têm saído do papel e dado origem a promissoras startups do agronegócio, as chamadas agtechs.  

No Brasil, onde o agronegócio representa 26% do PIB, cerca de 300 empresas do tipo atuam no País. Elas lideram um novo ciclo de transformação no setor, com efeitos que podem ser comparados aos da mecanização da colheita na década de 1990. Naquela época, com a chegada da automação, as empresas do agronegócio foram obrigadas a repensar seus modelos de atuação, reformular as operações, implementar uma nova estrutura organizacional e promover capacitações. “Essas mudanças tornaram a atuação do setor muito mais estratégica, e isso levou o Brasil a ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo”, ressalta Martiniano Lopes, sócio líder da área de agribusiness da KPMG, em relatório da plataforma Distrito. E a boa notícia é que agora esse processo de transformação tende a se acelerar. 

Disponibilidade de crédito 

Hoje um dos principais inibidores do desenvolvimento do agronegócio brasileiro é a dificuldade de financiamento. Não à toa, uma das áreas de negócio exploradas pelas agtechs é a oferta de crédito para os produtores rurais. Em comparação com outras economias, o Brasil deixa bastante a desejar nesse quesito. “Em países como os Estados Unidos existe um desbalanceamento entre a disponibilidade de crédito para a pessoa física e o produtor rural, mas aqui a diferença é muito superior”, observa Murilo Vallota, associado da SP Ventures, gestora de venture capital que investe em agtechs e foodtechs comprometidas com aspectos ESG (sigla, em inglês, para fatores ambientais, sociais e de governança). Segundo o analista, essa conjuntura é fruto de dois fatores: a insegurança dos bancos em financiar o agronegócio por causa da alta suscetibilidade do setor a fatores biológicos e climáticos; e o ecossistema de investimento pouco desenvolvido no País. 

Atentas à dificuldade do pequeno e médio produtor de obter recursos, a XP Investimentos e a securitizadora Vert lançaram a Duagro. Liderada pela economista Fernanda Mello, a plataforma financia a compra de insumos agrícolas e funciona da seguinte forma: a indústria de insumos disponibiliza linha de crédito para clientes, revendas e cooperativas. Esses players apontam, então, quais produtores, listados em suas bases, estão aptos à compra financiada. A partir daí, o produtor indicado passa a ter o crédito aprovado para o pedido de insumos. “A falta de financiamento ao produtor rural é uma questão crítica no País. É comum as multinacionais reclamarem que precisam atuar como banco no lugar de instituições financeiras, que negam empréstimos aos produtores. Isso não existe em outros países e é um obstáculo imenso”, comenta. 

Rastreabilidade 

Além de buscarem alternativas para prover mais crédito ao setor, as agtechs têm se dedicado a criar soluções preditivas que assegurem um gerenciamento mais eficiente da produção. O objetivo é otimizar o uso de insumos, aumentar a lucratividade e minimizar os impactos ambientais das lavouras. Promissor, esse ramo é explorado pelas startups voltadas à chamada agricultura de precisão. Boa parte delas oferece softwares para gestão da produção agropecuária e soluções de IoT e big data analytics para o campo. Um destaque desse segmento — o mais maduro do ecossistema, com 114 representantes — é a Solinftec. No último ano, dos 64 milhões de reais investidos em agtechs, a empresa recebeu nada menos que 60 milhões de reais.


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Ainda na seara tecnológica, devem ganhar espaço nos próximos anos as ferramentas de rastreabilidade, consideradas um importante instrumento de compliance ambiental. Em 2009, o Greenpeace mapeou a produção de carne bovina em áreas desmatadas. As informações foram publicadas no relatório “A farra do boi”, que escancarou problemas graves no setor pecuário. O documento também influenciou o Ministério Público a firmar um termo de ajuste de conduta (TAC) com várias empresas do setor. “Quando vimos os laudos gerados pelo MP durante a investigação, percebemos que eles poderiam servir como insumo para um sistema de rastreabilidade baseado em tecnologia blockchain. Foi um divisor de águas”, conta Flavio Redi, fundador e CEO da Ecotrace, agtech que utiliza inteligência artificial, IoT e blockchain para rastrear a cadeia produtiva do agronegócio.

Dentro do setor frigorífico, para citar um exemplo, as novas tecnologias propõem-se a facilitar e otimizar diversos processos. A inteligência artificial pode ser adotada para fotografar e classificar as carcaças de animais, trabalho tradicionalmente feito por trabalhadores. Já a internet das coisas pode ser útil na coleta de informações das câmaras frigoríficas, como a sua variação de temperatura. “Essas inovações dão mais credibilidade para os dados recolhidos e, consequentemente para toda a cadeia”, ressalta Redi. Por isso, elas também podem impulsionar as certificações ESG. “Na indústria de algodão, temos clientes que usam nossas ferramentas para garantir o compliance em toda a cadeia até o produto chegar à loja. As peças de vestuário inclusive recebem um QR code que contém informações sobre a trajetória do produto”, relata o CEO.  

Descarbonização 

É impossível falar sobre o agronegócio e não esbarrar nas questões climáticas. O setor é responsável anualmente por 26% das emissões de gases de efeito estufa no mundo, segundo levantamento da Our World In Data. No Brasil, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) mostra uma situação ainda mais alarmante: 72% das emissões de carbono no território nacional durante 2019 vieram da atividade rural. Desse total, 44% são resultado do desmatamento da Amazônia. 

Para Adriana Martin, diretora-executiva de inovação e tecnologia na Embrapa, a descarbonização da agricultura é o tema do futuro — e em nível global. “A Embrapa faz reuniões semanais com grandes empresas do agro para desenvolver projetos de baixo carbono. Atualmente, estamos elaborando metodologias com parâmetros mundiais para atender à demanda do mercado”, afirma. “Precisamos desmistificar a ideia de que a agricultura não pode ser sustentável.” 

Uma alternativa para compensar as altíssimas emissões relacionadas às atividades do agronegócio seria a criação de um mercado de crédito de carbono global. Um estudo recente do Instituto Internacional de Finanças (IFF) revela que a iniciativa poderia movimentar 100 bilhões de dólares ao ano até 2050. Porém, na ausência de um mercado de crédito global ou mesmo nacional em alguns países (como é o caso do Brasil), algumas startups têm criado soluções alternativas para ajudar empresas e projetos a diminuírem sua “pegada” de carbono. Uma delas é a brasileira MOSS Earth. Integrante do portfólio da SP Ventures, ela emite e vende créditos de carbono para clientes corporativos. “Quando falamos sobre precificação de carbono com o setor agrícola, não basta falar sobre a COP 26 ou o Projeto 2030 da ONU. É necessário mostrar que precificar as emissões pode aumentar o retorno”, ressalta Vallota, da SP Ventures. 

Outra solução que promete tornar o agronegócio mais sustentável é o sequestro de carbono pelo solo. Também uma das apostas da SP Ventures, a SpecLab desenvolveu um equipamento que identifica os índices nutricionais e a quantidade de carbono no solo, possibilitando calcular o quanto de gás carbônico foi retirado da atmosfera. No exterior, uma agtech com uma proposta similar é a Regrow. Fundada em fevereiro a partir da fusão entre a australiana FluroSat e a americana Dagan, a agtech é capaz de entregar projeções de sequestro de carbono para facilitar a implantação de projetos de agricultura que agridam menos o meio ambiente. O potencial do negócio tem chamado atenção de grandes empresas, como Cargill e Microsoft.  

Conectividade no campo 

O Brasil pode ser um dos países mais avançados em termos de tecnologia agrícola, mas um obstáculo importante impede que a inovação se alastre pelos rincões do País. De acordo com um recente levantamento do Ministério da Agricultura, 58% dos imóveis rurais ainda têm sinais insuficientes das redes 3G e 4G, o que é um limitador para os negócios das agtechs. “De nada adianta desenvolvermos tecnologias para facilitar o acesso ao crédito e a parte operacional no campo, se o produtor rural não estiver pronto para receber essas ferramentas”, observa Mello, da Duagro. 

E quanto mais “conectado” o setor estiver mais as agtechs poderão entregar soluções inovadoras. “No futuro, acredito que o gado poderá ser transformado num token dentro da rede blockchain, que estará calçado num contrato capaz de conceder crédito ao produtor rural”, afirma Redi, da Ecotrace. “Mas para isso acontecer, precisamos de redes com sinais melhores para fazer o rastreamento dos animais por meio de chips.” 

Cientes dos prejuízos causados pela falta de conectividade, os ministérios da Agricultura e das Comunicações firmaram uma parceria para testar antenas 5G no campo. Londrina foi uma das cidades escolhidas para receber o projeto-piloto. Com a internet funcionando em máxima velocidade, não há dúvidas de que as inovações desenvolvidas pelas agtechs serão um adubo potente para a modernização do setor.  

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