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Sem mercado regulado de crédito de carbono, Brasil perde oportunidades 
Falta de regulamentação atrasa descarbonização da economia e leva assets a investirem fora do País 
Sem mercado regulado de crédito carbono, Brasil perde oportunidades 

Falta de regulamentação atrasa a descarbonização da economia e leva assets brasileiras a investirem em mercados de crédito de carbono fora do País | Imagem: freepik

Enquanto a economia brasileira lida com riscos imediatos, como a covid-19 e a escassez de água, há outra crise à espreita — a emergência climática. Na mesa de debate sobre alternativas para diminuir a emissão de gases do efeito estufa (GEE) e limitar o aquecimento global, a precificação de carbono tem ganhado adeptos, sob liderança da União Europeia. Os recursos mais discutidos até agora para se atingir esses objetivos são a tributação das emissões de GEE e o desenvolvimento de mercados regulados de créditos, que estão sob os holofotes graças ao Acordo de Paris e a iminência da COP26. O Brasil ainda não conta com um ambiente desse tipo, e o prejuízo é evidente: a falta de regulamentação atrasa a descarbonização da economia e leva assets brasileiras a investirem em mercados de crédito de carbono fora do País. 

“A urgência da descarbonização não é uma necessidade nova, mas a pandemia de covid-19 trouxe esse choque de realidade para a gravidade de riscos silenciosos, como a mudança do clima”, observa Caroline Dihl Prolo, sócia do Stocche Forbes Advogados e fundadora da LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action). “A crise climática é uma crise econômica. Precificar o carbono, ou seja, colocar um preço nesse risco, é a única maneira de gerenciar essa crise”, enfatiza. 

Demanda em alta 

As transações de carbono funcionam através da comercialização de certificados de emissão de GEE. Há dois tipos de mercados existentes: o regulado, mantido por governos nacionais, estaduais ou regionais dispostos a normatizar de alguma forma o comércio desse ativo; e o voluntário, formado por empresas que, por iniciativa própria, compensam emissões comprando créditos de quem é capaz de provar que está tirando carbono da atmosfera. 

Embora esses mercados são resolvam sozinhos o problema da emergência climática, eles contribuem de forma significativa para a compensação de emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, onde o ambiente regulado ainda não é uma realidade, ações voluntárias das empresas têm papel fundamental. “É importante que elas tracem um plano estratégico muito robusto para zerar as emissões de GEE até 2050. Ainda mais porque esse prazo [estabelecido em meta da ONU] é relativamente curto”, ressalta Fernanda Castilho, general manager da MOSS, plataforma global de compra e venda de crédito de carbono. Segundo ela, a demanda por créditos vinculados a projetos de preservação florestal, atualmente o foco da empresa, atingiu 50% do mercado voluntário europeu. “As novas gerações colocam a questão climática na balança e consideram a preservação das florestas como algo primordial, pois o impacto socioeconômico é enorme, muito maior do que construir um parque eólico, por exemplo”, complementa Castilho. 

Fundos de investimento 

Atentas a esse cenário, algumas assets brasileiras vislumbraram a chance de oferecer fundos de crédito de carbono para os seus investidores. Na ausência de um mercado regulado nacional, porém, optaram por adquirir esses ativos em bolsas internacionais. É o caso da Vitreo, que lançou o fundo Vitreo Carbono FIM, que pinça oportunidades no mercado europeu, e da XP Investimentos, cujo fundo Trend Carbono Zero replica o desempenho do Exchange Traded Fund (ETF) Krane Shares Global Carbon (KRBN), que negocia créditos comercializados na Europa e nos Estados Unidos.  

Ter uma fatia de recursos alocada nesse nicho parece uma estratégia promissora.  O preço do crédito de carbono negociado no EU Emissions Trading System, mercado regulado da União Europeia, saltou 135% entre os meses de junho de 2020 e 2021, e recentemente bateu uma série de recordes. Colaboram para a valorização o grande interesse das pessoas físicas por esse tipo de ativo e a recuperação, ainda que gradual, da atividade econômica mundial.

Regulação que faz falta 

Apesar de a Lei 12.187/2009 prever o desenvolvimento de um mercado brasileiro de redução de emissões (MBRE), a iniciativa ainda não foi operacionalizada. Para sair do papel, é necessária a sanção presidencial do projeto de lei 528/21, aprovado em 16 de junho pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados. O PL pretende regular a compra e venda de créditos de carbono no País. “Todo mercado carece de algum nível de regulação. A questão é como fazer isso de forma a não atrapalhar as transações, tornando o custo transacional inviável”, pondera Gustavo Pinheiro, gestor de portfólio de baixo carbono do Instituto Sociedade e Clima.  

Atualmente, a única iniciativa de precificação de carbono em nível nacional em plena aplicação é a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que estabelece metas para a descarbonização do setor de combustíveis. Para atingi-las, empresas atuantes nesse segmento devem comprar volumes especificados de biocombustíveis e/ou de certificados de redução de emissões (CBios) emitidos por produtores de biocombustíveis e comercializados na B3.  

A ausência de um mercado amplamente regulado coloca o Brasil em posição de desvantagem, já que é nele que ocorre a maior parte das negociações de créditos de carbono no mundo. Hoje, cerca de 60 ambientes do gênero movimentam um montante gigantesco de dinheiro — em 2019, foram 45 bilhões de dólares, segundo dados do Banco Mundial.  

Não à toa, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) tem vocalizado a necessidade dacriação de um mercado doméstico de carbono compulsório. Em outubro de 2020, a entidade liderou discussões sobre uma proposta com essa finalidade. De acordo com Marina Grossi, presidente do CEBDS, o País já está preparado para adotar a “precificação de carbono com integridade climática, proteção a competitividade e governança transparente e participativa”. Ela ressalta ainda que o Brasil tem potencial para ser o maior fornecedor de créditos de carbono do mundo, e um dos maiores receptores de investimentos nas chamadas soluções baseadas na natureza.  

Pressão por créditos “velhos” 

No âmbito internacional, as discussões normativas também estão acaloradas. O grande marco para o setor será a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que determina a criação de um mercado global de créditos de carbono. Segundo um estudo da Universidade de Maryland, essas transações podem movimentar 250 bilhões de dólares anuais até 2030. Mas para que se torne realidade, será necessário um consenso entre os países signatários em diversos aspectos — e o posicionamento do governo do Brasil tem sido considerado um obstáculo, com demandas criticadas por especialistas. 

Uma das principais diz respeito à insistência do governo brasileiro de querer negociar, no mercado de carbono global, seus excedentes de créditos emitidos a partir do antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Implementado pelo Protocolo de Kyoto em 2001 para ajudar os países em desenvolvimento a reduzir suas emissões, o MDL vigorou até 2012, quando a União Europeia parou de comprar créditos desse tipo. Com isso, empresas brasileiras que atuavam nesse nicho e ainda tinham os ativos deixaram de receber o equivalente a 2,5 bilhões de dólares. 

O pleito do Brasil, entretanto, não é aceito por outros países. Eles argumentam que o pedido é despropositado, uma vez que levaria ao mercado créditos que hoje não têm valor. Além disso, há evidências de que o MDL apoiou projetos duvidosos para redução de emissões. “Esse pleito é resultado de um lobby de quem certificou créditos para o mercado de Kyoto e não conseguiu vender. A comunidade científica entende que ele não faz sentido”, afirma Pinheiro. “Líderes como Joe Biden colocam o desafio da descarbonização como uma prioridade. Atingir esse objetivo se tornou uma corrida entre as potências mundiais e quem ganhar a disputa vai dominar a economia global no próximo século”, sentencia o gestor. A pauta é não só urgente e preocupante, como também alvissareira. Boas razões para o Brasil mudar de postura, certamente, não faltam.  

 

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