Robôs no comando
Na corrida por ganhos elevados, gestores de recursos investem em inteligência artificial e deixam as máquinas tomar decisões

robos-no-comandoOs seres humanos já foram substituídos pelas máquinas em diversas funções. No mundo dos investimentos, essa transformação também vem ocorrendo. Nos Estados Unidos, fundos de hedge não são mais geridos por seres humanos, e sim por robôs capazes de identificar os sentimentos das grandes massas e fazer prognósticos sobre o rumo dos mercados. Os autômatos rastreiam agências de notícias, balanços de empresas e até redes sociais. Se ainda não chegou no Brasil, o movimento avança rapidamente entre os hedge funds quantitativos americanos, que, em conjunto com as tradicionais operações matemáticas e estatísticas automatizadas, tentam tirar proveito do imenso poder da computação para rastrear informações com o potencial de catapultar seus resultados. “Hoje, todo mundo possui acesso às mesmas informações; então, só tem vantagem quem consegue ver o que ninguém está vendo”, observa o consultor e ex-presidente da BM&FBovespa Gilberto Biojone.

A indústria de fundos do país do norte está de olho, principalmente, nas possibilidades trazidas pelo uso da inteligência artificial (IA), que simula a capacidade humana de raciocinar e resolver problemas. Essa tecnologia não é nova — tem sido estudada desde 1955 —, mas evoluiu bastante. Um subcampo da IA é o “machine learning”, que estuda e elabora algoritmos capazes de reconhecer padrões, tomar decisões inteligentes e aprender com experiências anteriores. Tudo isso com uma capacidade de processamento muito rápida. “Na nossa empresa não temos um gestor de carteira tradicional. Deixamos o sistema desempenhar o papel de gestor e analista”, conta Alexandre Fleiss, do hedge fund Rebellion Research, que administra US$ 20 milhões. “Temos humanos na criação, no teste e na execução do sistema, bem como no relacionamento com os clientes”, explica.

Na visão de Fleiss, CEO do Rebellion Research, a reação humana à informação é o que costuma derrubar o desempenho dos investimentos. Por isso, a inteligência artificial é tão útil ao mundo da gestão de recursos. Outra das grandes vantagens dessa tecnologia é a possibilidade de antecipar resultados que os olhos humanos não conseguem perceber. Fleiss lembra que, no fim de 2011, quando as vendas globais de automóveis começaram a melhorar, a Mercedes Benz teve um fluxo de caixa bem menor que o de sua rival Ford. Mesmo assim, os algoritmos da Rebellion indicaram a compra de ações da Daimler, controladora da Mercedes. A estratégia se provou correta. “Os papéis foram vendidos em abril de 2014, depois de o nosso dinheiro ter mais do que dobrado”, diz Fleiss. “O machine learning nos permite combinar estilos de investimento tradicionais e novos de uma forma tática e eficiente. É um sistema em constante evolução”, elogia.

Ao que tudo indica, Fleiss está certo quanto à superioridade das decisões de investimentos tomadas por computadores. Em 2014, fundos de hedge operados dessa forma apresentaram os maiores retornos da indústria, segundo reportagem divulgada pela rede americana CNBC. De janeiro a dezembro, o Cantab Capital Partners Quantitative Programme subiu 39%, o Aspect Diversified valorizou 32% e o Two Sigma Compass Cayman cresceu 21%, para citar alguns exemplos. Todos eles usam algoritmos para fazer seus investimentos. A Two Sigma Investments LLC, com US$ 24 bilhões sob gestão, programa suas máquinas para selecionar torrentes de informações em agências de notícia, no Twitter e em boletins climáticos. Esse tipo de tecnologia também está sendo adotado por gigantes como a D.E. Shaw & Co., com US$ 36 bilhões sob gestão, a Ranaissance Technologies LLC, com US$ 25 bilhões, e a Bridgewater Associates LP, maior companhia de hedge funds do mundo, que gere mais de US$ 160 bilhões em ativos.

Big data
A corrida pelos sistemas inteligentes ultrapassa as fronteiras de Wall Street e alcança o Vale do Silício, na Califórnia. Centenas de startups de IA surgiram no mercado desde 2012. Entre setembro e dezembro do ano passado, nove delas captaram mais de US$ 200 milhões em investimentos, de acordo com o provedor de dados de startups CrunchBase. Entre os apoiadores estão fundos de venture capital e companhias que enxergam usos próprios para essa tecnologia, como o banco de investimentos Goldman Sachs.

O interesse da indústria está cada vez mais focado nas publicações das redes sociais. Para se ter uma ideia, Twitter e Facebook têm juntos acima de 1 bilhão de usuários e geram quase um 1,3 bilhão de mensagens por dia. São fontes públicas e gratuitas de uma quantidade imensa de dados disponíveis para análise. O desafio agora é descobrir como processá-los e tirar o maior proveito possível deles. Uma pesquisa global da consultoria Gartner identificou que 73% das empresas estão investindo ou pretendem investir em tecnologias de “big data” até 2016.

“Há dez anos, o custo de processamento e armazenamento de dados era proibitivo; agora, com a computação em nuvem, ele é muito menor”, compara o chefe de operações de um fundo americano que administra mais de US$ 1 bilhão e utiliza informações de redes sociais em seu algoritmo de investimento. “Incluímos uma grande quantidade de fluxos de dados nos nossos sistemas para entender o que as pessoas estão dizendo sobre mercados ou empresas específicas.”
Os dados sociais, como são chamados os que vêm dessas redes, são avaliados de duas formas pelos sistemas inteligentes. A primeira observa volumes de mensagens, de pesquisas e de visualizações de páginas. A segunda examina o conteúdo. Uma pesquisa da Universidade de Ciência Eletrônica e Tecnologia da China mostrou a eficácia dessa estratégia. Como o governo do país não permite o uso de Facebook e Twitter, os autores avaliaram mensagens publicadas num fórum on-line popular, o Guba.com.cn, e as relacionaram ao volume e ao preço de ações na bolsa de Xangai. Isso deu origem a um algoritmo que gerou retorno de 56,28% em apenas três meses, enquanto o principal índice chinês subiu 1,17%.

Já um estudo de agosto de 2014, desenvolvido por professores da Universidade de Northwestern, em Chicago, investigou a relação entre consultas à Wikipédia e desempenho acionário. O objetivo era antecipar sinais do mercado a partir do volume de buscas e edições de páginas de empresas, cujos papéis faziam parte de uma carteira de ativos. Essas informações foram incorporadas na estratégia de investimento de um grande portfólio de ações. De acordo com a pesquisa, a carteira registrou 23% de retorno em 2013. Um quinto desse prêmio pode ser atribuído à inclusão de dados sociais em tempo real no algoritmo usado para negociar ações.

robos-no-comando2Homem versus máquina
O uso da inteligência artificial pelas gestoras parece ser um caminho sem volta. É a maneira de ganharem vantagem num mundo onde as informações não têm limite e são divulgadas de forma frenética. Mas será que os sistemas inteligentes estão prontos para substituir o homem na gestão de recursos? “O machine learning definitivamente tem seu lugar, porque faz cálculos muito mais rápidos do que qualquer ser humano. As máquinas, contudo, não têm julgamento”, pondera o gestor de um hedge fund localizado em Boston. “Eu acho que, hoje, o homem e a máquina se complementam. Talvez, daqui a dez anos, descubramos se as pessoas não serão mais necessárias e as máquinas poderão fazer tudo”, filosofa.

Por enquanto, a avaliação feita pelos seres humanos tem seu valor. Até porque as máquinas estão longe de ser infalíveis. Um grupo de professores de matemática e ciência da computação dos Estados Unidos e do Canadá apresentou um estudo, em abril de 2014, sobre os riscos de erro matemático na interpretação das correlações encontradas nos sistemas baseados em algoritmos. Esse tipo de falha pode ser encontrado, por exemplo, em algoritmos que analisam dados sociais. Um investigação publicada em agosto de 2013 por professores da Universidade de Londres concluiu que “um sistema como o Twitter só é um indicativo do futuro do mercado para uma gama estreita de ativos”. Além disso, no meio da avalanche de informações postadas na mídia social, pode surgir conteúdo irrelevante, gírias e ruídos de comunicação que levem as máquinas a interpretar a mensagem de texto de forma equivocada.

O desafio, portanto, é buscar informação relevante e verídica. E os gestores ainda desempenham papel importante nessa função: mesmo nos fundos mais avançados em tecnologia, é responsabilidade humana elaborar e testar os modelos matemáticos, cuidar do atendimento aos cotistas e, muitas vezes, interpretar o que está por trás dos textos publicados nas redes sociais.

Longo caminho para o Brasil
O uso de inteligência artificial ainda não é uma realidade nas gestoras brasileiras. O que não significa que não tenhamos veículos de investimento geridos por modelos matemáticos e estatísticos complexos: os fundos quantitativos. Eles surgiram no Brasil há cerca de uma década, 20 anos depois de sua estreia nos Estados Unidos. Isso explica até certo ponto nosso atraso em relação ao mercado americano. “O público ainda desconhece esse tipo de fundo por aqui”, comenta Marcelo Engracia Mello, sócio da RMW Investimentos. A empresa administra o Fundo Azul Quantitativo FIM, com R$ 31 milhões sob gestão. Segundo Mello, o produto se baseia em negociação de baixa frequência e utiliza estratégias de “trend following” proprietárias, que visam obter ganhos nos grandes movimentos de preço.

Na opinião de Carlos Massaru, presidente da BB DTVM, é preciso analisar o contexto do mercado brasileiro para compreender por que as máquinas inteligentes ainda não encontraram espaço no País. “Hoje, entre 80 e 85% da indústria brasileira de fundos é baseada em renda fixa, que tem remuneração elevada e risco baixo. Há uma comodidade no setor e pouca motivação para sair desse modelo”, constata ele. Até no uso da tecnologia, a taxa Selic, nos atuais 13,25%, é um incentivo à inércia. É preciso quebrá-la para que a indústria brasileira de gestão de recursos tenha a ambição de evoluir.

Ilustrações: Marco Mancini/Grau180.com


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