
Quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu, em 2009, que as companhias de capital aberto deveriam dar publicidade à remuneração máxima, média e mínima de diretores e conselheiros, algumas empresas espernearam. Sob a alegação de que a prática colocaria em risco a segurança dos executivos, várias delas usaram por anos uma liminar do Ibef para ocultar esses dados. Muito à frente do Brasil, os Estados Unidos já exigiam desde 2006 que as empresas divulgassem nominalmente a remuneração de seus administradores. Pois agora a cidade Nova York, berço de algumas das mais imponentes companhias do mundo, quer que as empresas locais deem um passo além. A partir do próximo dia 15 de maio, entra em vigor a lei municipal de transparência de salários — uma iniciativa que visa combater a discriminação salarial e que, na visão de especialistas, tende a se propagar.
Sancionada pelo prefeito Eric Adams, a lei determina que toda empresa que anunciar uma oportunidade de trabalho na cidade de Nova York informe a remuneração mínima e máxima que está disposta a pagar ao funcionário que preencher a vaga — e isso antes mesmo do primeiro contato com o candidato. Ocultar essa informação passa a ser considerada prática discriminatória e ilegal. A regra é válida também para vagas anunciadas internamente — ou seja, o colaborador que já trabalha na empresa e pretende se candidatar a uma transferência ou promoção tem direito de ser informado sobre a faixa salarial do cargo anunciado.
Em entrevista à revista Times, David Buckmaster, responsável por implementar programas de remuneração em empresas como Nike e Starbucks, afirmou que a transparência de salários é “definitivamente uma tendência”, e que empresas que lutam contra essa ideia não “estão com a casa em ordem”. “Quando as empresas tornarem essa informação pública nos processos de seleção, as pessoas vão começar a se perguntar por que estão em uma parte da faixa salarial e não na outra. Isso forçará as companhias a se movimentarem rapidamente em relação a mudanças que precisam fazer”, ressalta Buckmaster.
Mais poder de negociação aos candidatos
Os estados de Nevada, Califórnia e Colorado já implementaram legislações semelhantes. Em alguns locais, além de divulgar a faixa de remuneração da posição a ser preenchida, os empregadores ficam proibidos de pedir o histórico salarial dos candidatos durante os processos de seleção. Em Nova York, a lei de transparência de salários amplifica a prática, dado o tamanho da economia da cidade (a mais populosa dos Estados Unidos) e a quantidade de empresas que operam por lá, a exemplo dos grandes bancos e conglomerados de mídia.
A divulgação exigida pela lei é vista como uma forma de enfrentar a disparidade de salários, com base em gênero ou raça. A discriminação salarial nos Estados Unidos é ilegal, mas uma pesquisa do Pew Research Center mostra, que ainda assim, as mulheres ganharam o equivalente a 84% dos salários dos homens em 2020. Isso quer dizer que elas precisariam trabalhar 42 dias a mais para embolsar o mesmo que os seus pares masculinos acumularam naquele ano.
Os defensores da transparência de salários argumentam que, além de combater essa desigualdade, a prática dá maior poder de negociação aos candidatos à vaga de emprego. É comum os participantes do recrutamento serem informados sobre salários apenas nas etapas finais da seleção. Do lado do empregador, o disclosure também seria benéfico — facilitaria o trabalho de busca dos recrutadores e ajudaria na retenção de talentos.
Divulgação controversa
Independentemente de legislação, empresas como Netflix e Whole Foods permitem, há alguns anos, que seus empregados saibam quanto os seus colegas ganham por mês. Mas mesmo com a adesão de grandes companhias à transparência salarial, nem todas as empresas concordam com a abertura dessas informações. Tanto que grupos empresariais em Nova York se movimentam para que a entrada em vigor da lei seja adiada. Um deles é a Partnership for New York City, que reúne mais de 300 empresas associadas, como IBM, Goldman Sachs e Bank of America. A organização argumenta que nem toda companhia possui faixas salariais determinadas para cada categoria de trabalho e que implementá-las pode ser um processo oneroso e demorado.
Há ainda casos de empresas que simplesmente fogem do disclosure. A Johnson e Johnson, por exemplo, não permite que moradores do Colorado se candidatem a suas vagas. No estado, a transparência salarial é lei aplicável a qualquer companhia que contrate um trabalhador local, ainda que remotamente. Uma associação de recrutadores chegou a entrar com um processo judicial para anular a legislação no Colorado, levando o caso à corte federal. Os juízes, no entanto, ficaram convencidos de que a divulgação de salários reduz a discriminação por gênero ou raça do candidato nos processos seletivos e rejeitaram a ação do grupo.
Mais seletivos
O disclosure dessas informações coincide com um contexto no qual barreiras geográficas são dissolvidas pelo trabalho remoto e os níveis de inflação nos Estados Unidos chegam a níveis que não eram vistos há décadas. Vendo seu poder de compra corroído, o trabalhador está mais seletivo em relação às vagas que se candidata e passou a buscar remunerações melhores.
Quando a lei de transparência de salários entrar em vigor em Nova York, qualquer pessoa poderá denunciar empresas que não informarem o salário oferecido para suas vagas. O não cumprimento da regra poderá configurar prática discriminatória, uma violação à Lei de Direitos Humanos da cidade, podendo implicar em multa de até 250 mil dólares ao empregador, em casos mais graves.
A Comissão de Direitos Humanos de Nova York, que ficará encarregada de apurar as denúncias, informou que por enquanto não haverá punições. O objetivo imediato seria educar a comunidade empreendedora da cidade. Ainda assim, críticos da legislação insistem que as regras estimulam a percepção de que Nova York seria hostil aos negócios — uma afirmação frágil e pouco convincente, provavelmente dita por empresários amedrontados com o que os seus funcionários — e o mercado — poderão descobrir.
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