Conhecida como “A grande renúncia”, a onda de demissões voluntárias que começou nos Estados Unidos começa a desaguar também no Brasil. Apesar das altas taxas de desemprego no País, uma pesquisa recente feita pela Blue Management Institute mostra que 52% dos diretores de RH de grandes empresas veem esse movimento crescendo por aqui. E para 36% deles, os pedidos de saída devem se intensificar com a volta aos escritórios. Esse quadro revela as agruras da retenção de talentos no pós-pandemia — e a necessidade de as empresas abrirem espaço para novos (e disruptivos) modelos de trabalho. Neste contexto, uma iniciativa ainda pouco difundida entre as companhias tende a ganhar espaço: a adoção de uma jornada laboral de quatro dias, sem redução de salário.
Embora tenha despertado atenção nos últimos tempos, a ideia não é nova. Entre 2015 e 2019, a Islândia testou, com 2.500 trabalhadores, um projeto que reduzia a carga de trabalho semanal de 40 horas para 35 ou 36 horas, mantendo a mesma remuneração. A experiência foi avaliada pela Associação de Sustentabilidade e Democracia (Alda) e pelo think tank britânico Autonomy, que concluíram que a experiência não só melhorou o bem-estar dos funcionários como gerou aumento de produtividade em alguns casos. Os resultados apaziguaram as preocupações dos empregadores. Hoje, cerca de 86% dos trabalhadores islandeses usufruem de uma semana de batente mais curta.
Na Nova Zelândia, o modelo está longe de alcançar esse nível de popularização, mas curiosamente é de lá um dos seus mais ferrenhos defensores. Fundador da empresa neozelandesa de trust e serviços fiduciários Perpetual Guardian, Andrew Barnes disseminou a prática em sua companhia em 2018. Um ano depois, criou, em conjunto com a investidora e filantropa Charlotte Lockhart, a 4 Day Week Global, organização sem fins lucrativos dedicada a apoiar empresas que queiram testar e medir os resultados desse tipo de iniciativa. A entidade conta com a parceria da Wellbeing Research Centre, da Universidade de Oxford.
Neste ano, a 4 Day Week Global está acompanhando 38 empresas dos Estados Unidos e do Canadá em seus projetos piloto, com duração entre 1º de abril e 31 de setembro. O objetivo é que, nesse período, as companhias possam experimentar o modelo que a organização batizou de 100-80-100 — ou seja, os trabalhadores recebem 100% da sua remuneração por 80% do seu tempo e mantêm 100% da produtividade.
“A procura pelo programa cresceu exponencialmente nos últimos 12 meses, à medida que mais empresas reconhecem que a nova fronteira para se manterem competitivas é a oferta de qualidade de vida aos funcionários”, declarou Joe O’Connor, CEO da 4 Day Week Global, à CNBC. Segundo ele, a expectativa é que até o fim do ano 10 mil colaboradores passem pela experiência de trabalhar quatro dias na semana sem corte salarial. “Minha mensagem para os CEOs é: o maior risco não é testar o modelo e ele não funcionar. O maior risco é seu concorrente fazer isso primeiro.”
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Na prática
Entre as companhias que recentemente adotaram uma semana mais curta de trabalho está a japonesa Panasonic. Atualmente, apenas os funcionários da matriz irão usufruir de uma semana de quatro dias de trabalho, mas a filial brasileira já estuda a possibilidade de adotar a iniciativa. Com o movimento, a Panasonic espera que os trabalhadores ganhem qualidade de vida e possam usar seu dia a mais de folga para se dedicar a interesses pessoais ou exercer um trabalho paralelo, caso prefiram.
Cabe destacar que, no Japão, a adesão ao conceito é recomendada pelo governo desde o ano passado. O objetivo da campanha é reduzir a jornada de trabalho extenuante no país, estimular o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e incentivar que os japoneses usem o seu tempo livre para sair e gastar mais, impulsionando a economia.
A Panasonic implantou a estratégia em janeiro deste ano, o que restringe uma avaliação sobre seu sucesso. Mas companhias que adotaram a prática há mais tempo estão satisfeitas com os resultados. Uma delas é a Buffer, empresa americana de mídias sociais. A companhia já permite o trabalho remoto desde 2015, e em maio de 2021 decidiu adotar a semana de quatro dias de trabalho como forma de oferecer um descanso maior aos colaboradores e ajudá-los a controlar o nível de estresse.
A iniciativa começou como um experimento de um mês, mas no fim de 2021 tornou-se política permanente. Segundo a Buffer, uma pesquisa realizada internamente com os funcionários mostra que 91% deles se sentem mais felizes e produtivos com uma semana de trabalho de quatro dias.
O receio de que o volume de produção caia — e, consequentemente, prejudique o faturamento — é um dos fatores que mais distanciam as companhias de oferecerem o benefício. Pesquisas feitas por empresas que adotaram a prática, no entanto, mostram uma realidade animadora. O call center escocês Pursuit Marketing, por exemplo, aumentou sua produtividade em 40% após aderir a uma semana de trabalho de quatro dias. O resultado é idêntico ao registrado pela Microsoft do Japão, que também testou a prática. Já a startup sul-coreana de delivery Woowa Brothers viu sua receita subir dez vezes após 2015, quando cortou horas de trabalho.
Para além do aumento da produtividade, as empresas que implementaram o modelo também notaram benefícios relacionados à qualidade de vida. O restaurante americano Baumé observou que as faltas ocasionadas por problemas médicos caíram com a adoção da iniciativa. Um indício de que o dia de folga pode ter aberto espaço para os funcionários cuidarem melhor da saúde.
Mudança de mentalidade
Para que o modelo funcione, no entanto, é preciso que haja uma mudança de mentalidade — tanto das equipes quanto das lideranças. Diretor de relações públicas da Buffer, Hailley Griffis explica que não adianta as organizações reduzirem a carga horária e simplesmente partirem do pressuposto de que os colaboradores irão realizar a mesma quantidade de funções num espaço menor de tempo. É necessário que os times, em conjunto com seus líderes, pensem numa forma diferente de trabalhar. Na Buffer, isso envolveu redução de reuniões, mudanças nas ferramentas de comunicação e ajustes nas expectativas dos prazos de entrega de projetos. A empresa também precisou fazer novas contratações para que o time de suporte aos clientes — que atende sete dias na semana — pudesse ter uma folga a mais.
Caminho mais fácil?
Apesar dos benefícios descritos pelas empresas, há quem defenda que a adoção de uma jornada de quatro dias de trabalho não é o melhor caminho. Uma delas é Lindsay Tjepkema, CEO da plataforma de podcasts e vídeos Casted. “Eu posso dizer à minha equipe: ‘Parabéns! Vocês terão as sextas-feiras de folga’, e ganhar pontos nas redes sociais por ser uma líder com visão de futuro”, ironiza, em artigo publicado na Forbes. “Mas a realidade é que os membros das equipes de atendimento, vendas, RH, finanças — e a lista continua — terão que atender às necessidades de clientes, prospects e candidatos às sextas. Eles precisarão atender ligações, responder e-mails e resolver problemas cinco dias por semana”, observa.
Por isso, ela acredita que uma semana laboral de quatro dias não é factível para a maioria das empresas — pelo menos até que clientes, investidores e parceiros adotem essa mesma rotina. Além disso, ela pondera que, por mais ousado que o modelo possa parecer, sua adoção é mais simples para os líderes empresariais do que o estabelecimento de uma dinâmica flexível de trabalho, onde cada funcionário organiza seus horários. “O maior desafio é dizer ao funcionário: ‘Eu confio em você. Você tem autonomia. Essas são minhas expectativas e é assim que nos comunicaremos como uma equipe’”, afirma.
Na Califórnia, onde um projeto de lei planeja tornar a semana de 32 horas de trabalho obrigatória para empresas com mais de 500 funcionários, a câmara de comércio local vem chamando a medida de “aniquiladora de empregos”. A entidade alerta que a prática vai encarecer as despesas com contração e possivelmente os custos com horas extras.
Num momento de crise como o atual, é natural que essa perspectiva aterrorize os empresários. Mas o fato é que, com a onda de demissões voluntárias batendo à porta, eles precisam pensar em formas de atrair e reter talentos — e a oferta de benefícios tradicionais parece já não ser suficientemente atrativa. Como diz Alex Soojung-Kim Pang, autor do livro “Trabalhe menos e ganhe igual”, é hora de as empresas redesenharem não só como usam seu espaço, mas também o tempo de seus colaboradores.
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