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Quantos negros tem no seu LinkedIn? 
Como acelerar a inclusão nos níveis executivos e nos conselhos de administração das empresas
, Quantos negros tem no seu LinkedIn? , Capital Aberto

Já há diversas pesquisas que mostram o poder da diversidade para a geração de valor corporativo | Imagem: Freepik

A cena foi marcante, cheia de signos que representam o que deve estar pela frente. Para seu primeiro discurso como vice-presidente eleita dos Estados Unidos, a carismática Kamala Harris surgiu sorridente, toda de branco em homenagem à marca das mulheres que há 100 anos lutavam pelo direito de voto — isso sem falar na remissão à ideia de pacificação que tende a sustentar o novo governo democrata. E foi categórica: “Sou a primeira, mas não serei a última.” A simbologia da chegada de Harris à Casa Branca tem outro elemento importante, sinal dos novos tempos. De mãe indiana e pai jamaicano, ela mimetiza um papel que há muito tempo já deveria ter sido cedido aos negros e imigrantes, que em pleno 2020 na maior democracia do mundo ainda estão sub-representados em cargos de liderança, seja no setor público, seja nas companhias. 

O triunfo de Harris é um catalisador dessa dinâmica de correção de injustiças históricas que chega em boa hora: embora existam, os avanços ainda ocorrem num ritmo que deixa muito a desejar. “Mesmo depois de muita luta, a evolução da inclusão racial segue a passos de formiga”, observa Lia Lopes Almeida, economista especializada em gestão pública legislativa e cofundadora da ConsulD&L. Especificamente no caso das empresas brasileiras, a diversidade racial está muito longe do que seria razoável. Num país em que 55% da população se identifica como preta ou parda, simplesmente não há nenhum negro ou negra em conselhos de administração de empresas abertas — cenário que provavelmente se verifica também entre as empresas fechadas. “Ainda falta as empresas criarem estruturas institucionais que contemplem as especificidades dessa população”, defende. 

Abismo dentro e fora dos boards 

A comprovação desse abismo nem precisa ficar apenas nos boards. O leitor pode se fazer uma pergunta singela para verificar o grau da discrepância mesmo em cargos executivos, de liderança e gerência: quantos negros tem no seu LinkedIn? Muito provavelmente, poucos, exceções que confirmam a regra. 

Na avaliação de Viviane Elias Moreiragerente sênior de riscos e continuidade de negócios e colíder do grupo de diversidade racial Melanina, é uma burrice econômica das empresas não prezar pela diversidade racial nos seus quadros. Já há diversas pesquisas que mostram o poder da diversidade — de várias matizes — para a geração de valor corporativo. Ressaltando a força da pressão ESG (fatores ambientais, sociais e de governança), Moreira observa que as organizações têm caminhado relativamente bem nos temas ambientais e de conformidade, mas ainda travam na hora de encarar os assuntos envolvidos no “S” da sigla. 



Realidades desconfortáveis  

Não por acasoos aspectos sociais da atuação das empresas esbarram em tabus, em realidades que geram intensos desconfortos — e reconhecê-los e tratá-los é um bom plano de ação para a empresa sair da inércia e se beneficiar de talentos que hoje podem não ter oportunidades apenas pela cor de sua pele. “Inicialmente, as empresas precisam reconhecer que existe racismo dentro delascolocando o dedo na ferida. O tema é doloroso, porque ninguém quer se reconhecer racista”, afirma Almeida. Tornar consciente esse viés inconsciente pode ajudar as empresas a adotar ações práticas que modifiquem essa realidade, na avaliação de Angela Donaggio, fundadora da Virtuous Company Consultoria e Educação Executiva. 

Em linhas gerais, foi o que fez recentemente (não sem grande repercussão) o Magazine Luiza. A rede varejista abriu um programa de trainees exclusivamente para candidatos negros. A decisão partiu da percepção de que ao longo dos anos pretos e pardos ocupavam uma fatia muito pequena dos quadros executivos e que talvez o problema estivesse também na seleção de trainees. “A ação da empresa mostrou coragem para, em seu quadro executivo, humanizar as relações. Afinal, está lidando com pessoas”, avalia Almeida. 

A falácia da falta de negros preparados 

Os movimentos recentes, as conquistas na área educacional e a abertura de canais de conexão inesgotáveis na internet nas últimas décadas também jogam por terra um argumento comum quando se trata de seleção de candidatos a cargos executivos: segundo essa tese, não haveria negros bem preparados em quantidade suficiente para atender às necessidades das empresas. É uma falácia, diz Lisiane Lemos, cofundadora do Conselheira 101, especialista em transformação digital e professora de MBA em big data. “Se alguém diz isso eu posso apresentar uma lista extensa de pessoas negras com condições de concorrer por essas vagas”, garante Lemos. Na opinião dela, os líderes e os headhunters precisam se abrir para enxergar essas pessoas. “Eles têm uma posição privilegiada, que podem usar para dar oportunidades para quem precisa. Assim também assumem a luta antirracista. 

Resiliência da população negra 

Lemos menciona outro aspecto que reforça a necessidade de as empresas diversificarem suas contratações. Em geral, a seleção de conselheiros continua calcada na escolha baseada em experiência — fruto da ideia de que o futuro será uma réplica do passado. Acontece que as duas primeiras décadas do século 21 já deixaram claro que o que está adiante é muito diferente do que passou (está aí o ano de 2020 para tirar qualquer dúvida a respeito). Nesse contexto, a principal competência do conselheiro deveria ser resiliência. “Os conselhos precisam de pessoas que naveguem bem na instabilidade, que ajudem a empresa a enfrentar os momentos de turbulência”, detalha. 

Ora, nada mais adequado, nesse aspecto, que a resiliência dos negros. “Precisamos lembrar que a história dos negros no Brasil foi cortada no início”, destaca Moreira. E é fácil perceber isso. Alguém que descenda de imigrantes europeus que chegaram entre o fim do século 19 e o início do século 20 tem plenas condições de saber de onde vieram seus antepassados. Há registros oficiais de cidades de origem, sobrenomes de famílias. Já à população negra foi negada essa possibilidade de rastreamento. Resiliência, adaptabilidade e flexibilidade, portanto, não faltam para essa população, e essas são competências essenciais para as companhias no momento atual. 

Donaggio comenta que um bom caminho para acomodar esses pontos é impactar as lideranças das empresas. A ideia seria fazê-las enxergar a capacidade dos negros e o imperativo da correção de injustiças históricas. É desconfortável, mas tende a ser recompensador. Moreira sugere um exercício, salutar para quem estiver aberto a rever conceitos arraigados. “Pare e pense por que os prestadores de serviços domésticos, homens e mulheres, que você contrata em geral são negros e reflita sobre a razão dessa realidade”, recomenda. Usando um lugar de fala, a autora deste artigo pode igualmente deixar aqui uma provocação: é possível (até provável) que o leitor não tenha imaginado a redatora deste texto como uma mulher negra que em 25 anos de jornalismo econômico nunca teve colegas da mesma cor ou entrevistou CEOs ou altos executivos com origens semelhantes. Mais um fato para reflexão. 


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