Na mais recente temporada de assembleias gerais no Brasil, pelo menos 37 companhias listadas na B3 optaram por encontros integral ou parcialmente virtuais, sob força da política de distanciamento social adotada pelas autoridades estaduais e municipais para combate à pandemia de covid-19. Impossibilitadas de convocar assembleias para suas sedes, como manda a Lei das S.As., essas empresas se valeram da flexibilização de regras determinada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Por meio da Instrução 622/20, o regulador passou a permitir assembleias 100% digitais, além do já permitido adiamento dos encontros, flexibilizados pela Medida Provisória 931 e posteriormente pela Deliberação 849.
Considerando as 240 companhias que realizaram suas assembleias dentro do prazo, as 37 que optaram pelo modelo virtual e anunciaram a novidade corresponderam a cerca de 15% do total — vale ressaltar que o levantamento foi feito pela B3 com base apenas nos comunicados de fato relevante divulgados pelas próprias companhias. É provável, portanto, que mais empresas tenham aderido, tendo decidido não detalhar ao mercado o formato escolhido para o encontro anual dos acionistas.
Na avaliação de Flávia Mouta, diretora de emissores da Bolsa, o movimento já é suficiente para garantir o lugar das assembleias digitais entre as ferramentas viáveis para reuniões de acionistas. Durante live promovida pela CAPITAL ABERTO, Mouta relembrou que muitas empresas estavam céticas quanto à possibilidade de aderir ao modelo digital. “Agora não dá mais para dizer que é algo impossível. A primeira safra de assembleias de 2020 nos mostrou isso”, pontua.
Embora a crise do novo coronavírus tenha levado a CVM a ajustar a norma, a reunião virtual não é exatamente uma novidade na regulação. Desde 2015 a autarquia já permite a realização de assembleias híbridas — parte presenciais e parte virtuais — mas até agora não havia grande adesão por parte das companhias. Tudo mudou com a pandemia. “Recebemos 37 comentários na audiência pública sobre assembleias digitais. É raro que tantos agentes do mercado queiram se manifestar sobre um mesmo assunto”, relata Gustavo Gonzalez, diretor da CVM, que também participou da live (leia artigo assinado pelo diretor da autarquia, em parceria com a advogada Marília Lopes, com o detalhamento da Instrução 622).
Os comentários deram origem à Instrução 622, que ampliou o escopo da regulação anterior para permitir assembleias exclusivamente digitais. A norma foi aprovada em tempo recorde: passaram-se menos de 15 dias entre o início da audiência pública e a edição da instrução.
Segundo levantamento da B3, 21 companhias fizeram assembleias integralmente virtuais, casos de Vale, Alpargatas, Eneva e Vivara. No grupo das que optaram por reuniões híbridas, BRF, Hering e a própria B3. As plataformas mais utilizadas para o contato remoto foram Zoom e Microsoft Teams. Embora a experiência ainda seja muito incipiente, os primeiros retornos foram positivos: nenhuma companhia reportou falhas tecnológicas que tenham prejudicado o andamento das assembleias remotas.
Futuro das assembleias digitais
Em razão da pandemia de covid-19, quatro em cada dez companhias listadas preferiram adiar a realização das assembleias que deveriam acontecer no máximo até 30 de abril de 2020, segundo levantamento da B3. Porém, se as exigências de isolamento social prosseguirem até julho, prazo para a nova data-limite das assembleias, é provável que essas empresas também recorram à tecnologia — e à Instrução 622 — para cumprir as determinações da Lei das S.As. referentes aos encontros anuais obrigatórios de acionistas.
Da mesma forma, nada impede que as companhias continuem utilizando o recurso mesmo depois da pandemia. “Permanecer com as assembleias digitais gera um ganho interessante, pois esse é um modelo mais inclusivo, que permite o acompanhamento da vida da companhia mesmo pelos acionistas que tradicionalmente ficam mais afastados”, observa Grasiela Cerbino, diretora jurídica da B3. Para ela, entretanto, é possível que nem todas as companhias adotem o formato 100% virtual mesmo depois de passada a atual crise. “Nas empresas em que existe maior litigiosidade entre grupos de acionistas talvez faça sentido manter a assembleia presencial, ou mesmo a híbrida, para permitir um maior diálogo entre os acionistas”, completa.
Na opinião de Gonzalez, da CVM, a ferramenta precisaria ainda ser validada pelos acionistas com maior peso. “Os grandes proxy advisors estrangeiros, por exemplo, são historicamente contrários à realização de assembleias digitais. Ainda é preciso esperar para dizer se as experiências iniciais bem–sucedidas serão capazes de convencer grandes acionistas e investidores institucionais a adotar massivamente a ferramenta”, ressalva.
Quanto à necessidade de aprimoramento da norma recém-editada, Romeu Amaral, sócio do Amaral Lewandowski Advogados, afirma que a regulação não serve para antever todos os obstáculos que podem surgir. “Mas nada impede que questões novas sejam reguladas à medida que os problemas aparecerem”, destaca o advogado. Segundo ele, uma questão que pode vir à tona é a necessidade (ou não) de gravação das conversas eventualmente transcorridas em uma sala virtual paralela, a exemplo do que a Instrução 622 exige para o encontro principal. “São pontos ainda em aberto”, completa.
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