O valor da floresta
Os desafios e as oportunidades da economia florestal para as empresas brasileiras
Economia florestal

Ilustração: Rodrigo Auada

Proteger as florestas e ao mesmo tempo explorar as riquezas que produzem. Esse é o grande desafio das companhias. Se por um lado, a destruição das florestas gera 15% do total das emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, por outro lado, cerca de 941 bilhões de dólares são obtidos pelas empresas em cadeias de produtos com risco de desmatamento, segundo o Carbon Disclosure Project (CDP). Para debater como investidores, empresas, governos e ONGs podem contribuir para a gestão de oportunidades e riscos financeiros relacionados às florestas, a CAPITAL ABERTO realizou o Grupo de Discussão “O valor da economia florestal”, em agosto.

O encontro reuniu Christopher Wells, integrante do GT florestal da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Danielle Carrera, senior manager na Principles for Responsible Investment (PRI), David Canassa, diretor da Reservas Votorantim, Fabíola Zerbini, coordenadora regional para América Latina na Tropical Forest Alliance 2020, e Rebeca Lima, gerente de Corporates & Supply Chain do CDP América Latina. Também estiveram presentes, no debate, André Guimarães, diretor executivo no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Carlos Ritti, secretário executivo no Observatório do Clima, e Lorraine Smith, associate director na Volans. Abaixo, seguem os destaques do encontro.

CAPITAL ABERTO: Como as empresas cumprem as leis ambientais existentes atualmente e o que fazem para ir além?

David Canassa: O grupo Votorantim teve como característica, ao longo de sua trajetória, adquirir muito mais terras do que o necessário. Fizemos um mapeamento e descobrimos que, além de ser caro, isso gerava vários riscos para companhia. Apresentamos essas questões para o conselho da empresa com um plano básico e ele nos deu o território do Legado das Águas do Estado de São Paulo para trabalhar. Primeiramente, precisávamos entender com profundidade o que existia lá. Em segundo lugar, era necessário um compromisso dos governos, estadual ou federal, de que aquilo que estávamos fazendo era interessante para eles. Por último, a população e os governos locais tinham que gostar da ideia e ver valor nela uma oportunidade de desenvolvimento das cadeias produtivas. O primeiro negócio colocado como proposta foi o código florestal para possíveis compensações de reserva legal. A segunda proposta foi usar os ativos da floresta produzindo mudas de Mata Atlântica, mas não para vendê-las: vender os projetos ligados a reflorestamento e paisagismo. A terceira foi o ecoturismo. Apesar de não dar muito dinheiro, essa vertente era a porta de entrada para o Vale do Ribeira finalmente fazer funcionar a sua vocação e sua população entrar em negócios legais.

CAPITAL ABERTO: E como está o projeto agora?

David Canassa: Esse projeto deu origem ao Reservas Votorantim. Nos três municípios onde se localiza o Legado das Águas [Piraí, Miracatu e Juquiá] já estão estruturadas todas as necessidades legais para que eles façam parte dos fundos de participação de turismo. Dois deles já conseguiram o título de município de interesse turístico e já recebem receita. Criamos um plano regional, com diversos municípios, em que o Legado das Águas é o catalisador de uma rede de desenvolvimento de turismo regional. O viveiro está todo reconfigurado e produzimos 64 mil mudas este ano. A questão da reserva legal foi finalmente votada no Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguimos começar os primeiros negócios de compensação de reserva florestal via servidão. Isso deu tão certo que, há dois anos, a CBA, uma outra empresa do grupo, nos contratou para fazer um segundo Legado — o Legado Verdes do Cerrado. Ele tem um adicional muito interessante: lá, dos 32 mil hectares, 5 mil eram de eucalipto. Para acelerar o plano de negócios, estamos convertendo eucalipto em soja, pois o eucalipto não dá dinheiro lá. Essa soja ainda não é orgânica, mas estamos trabalhando com as melhores práticas e tendo resultados fenomenais, com produtividade de 46 safras por hectare em uma área de primeiro ano e de 56 safras em uma de segundo ano.

Danielle Carrera: Há barreiras para criar oportunidades e fazer dinheiro. Hoje em dia, temos muita pressa de fazer dinheiro. Da forma que o mercado financeiro opera atualmente, os resultados vêm sempre muito rápido — de três em três meses, de seis em seis meses — e ninguém consegue pensar a longo prazo. Acredito que alguns investidores do setor têm a consciência de que esse modelo de negócios dependente da expansão da terra não é sustentável. O planeta tem limites. Então, se não existirem mais terras daqui 20 anos, como uma empresa crescerá? Como um fundo de pensão investirá em uma empresa sem potencial de crescimento?

Rebeca Lima: Falamos aqui que há interesse de investidores e empresas, na posição de clientes, para esses riscos serem mitigados ou convertidos em oportunidades. David, como está o cenário em termos de incentivos para superar todas essas barreiras, buscando essa tão sonhada economia florestal?

David Canassa: Não existem muitos incentivos, na verdade. Por exemplo: nós conseguimos, no Reservas Votorantim, um financiamento do Inova Sustentabilidade pelo BNDES. Contudo, esse é um financiamento que precisa ser reembolsado e precisamos gerar caixa para pagá-lo quando chegar a hora. Os juros são bem baixos devido ao aspecto de sustentabilidade? Sim, mas o tamanho do desafio e do risco é enorme. Se não fosse o Grupo Votorantim dando a carta de garantia ao banco, não teríamos conseguido. Como outras empresas menores fazem isso? Infelizmente, existe uma polarização na questão ambiental, com os agricultores de um lado, os ambientalistas de outro e a floresta no meio. Precisamos começar a pensar como facilitar a valorização da floresta, como gerar dinheiro de verdade a partir dela.

CAPITAL ABERTO: Nesse “jogo” de polarização também entram outras questões para agregar valor à essa cadeia. Existe uma legislação ambiental em vigor no Brasil, mas cada país possui a sua e, quando falamos de uma economia globalizada e com multinacionais, são diversos fatores que geram esse valor. O Brasil tem a meta de desmatamento legal zero até 2030, mas é o suficiente apenas cumprir com isso? Essa é uma questão que atualmente depende menos de leis e mais de iniciativas próprias.

Fabíola Zerbine: Temos o fortalecimento das leis de proteção, preservação e conservação, dos compromissos voluntários e, desde 2010 — com a resolução assinada pelo Consumers Good Forum [que estabelece que as empresas não devem promover desmatamento em sua cadeia de fornecimento a partir de 2020] —, tivemos uma série de outros compromissos assumidos. Houve um aumento exponencial não somente de compromissos individuais das empresas globais, mas também iniciativas como a New York Declaration e o Manifesto do Cerrado. Há um aumento da consciência, da cobrança e da pressão global para que o combate à ilegalidade de fato aconteça, e isso ocorre devido a uma leitura social de risco versus oportunidade. Existe um consenso social de que o risco de reprodução da vida está crescendo. Temos um risco ambiental real, um risco hídrico real e a indústria de alimentos sabe disso. O fundo de pensão, que tem uma perspectiva de longo prazo, também sabe disso. Precisamos mudar o mindset de nossas operações, e a floresta precisa deixar de representar mais um custo do que uma oportunidade.

Christopher Wells: Mesmo se todas as empresas europeias fizessem tudo certo, deixando de comprar de quem desmata, isso não resolveria o problema. A Europa só compra 20% das exportações brasileiras. O nosso mercado é a China. Sabemos que usar o argumento ocidental de que é importante preservar não vai funcionar com o governo chinês. Porém, usar o argumento de segurança alimentar muda o cenário. Uma das coisas que deve existir é um diálogo entre os dois governos sobre a relação entre a produção de alimento do Brasil, que tem a China como principal consumidor, e a preocupação ambiental com o local onde se cultiva esse alimento.

Danielle Carrera: Acho que precisamos mudar um pouco o discurso do impacto para o da dependência. Falando sobre a relação entre desmatamento e água, por exemplo, não há um setor da economia brasileira que não precise de água. Temos que passar essa mensagem de que precisamos da natureza, pois ela é matéria-prima para qualquer setor de qualquer economia. Não é uma questão apenas de impacto, mas também de sobrevivência.

CAPITAL ABERTO: Algumas empresas estão vendo que, dentro dessa cadeia global, um maior valor é agregado se fizerem mais do que está previsto em lei. Por outro lado, ainda há essa ideia de que a floresta em pé gera um custo maior. Quais riscos vocês veem nessa equação?

André Guimarães: Acredito que esteja na hora de começarmos a olhar o fim do desmatamento como uma oportunidade. Existem 70 milhões de hectares na Amazônia — o equivalente a três estados de São Paulo — que são as chamadas áreas não designadas. Isso é um bem público que não foi apropriado pelo Estado brasileiro. Metade do desmatamento amazônico, ou até mais, está acontecendo aí. Isso representa um prejuízo enorme para o nosso país, gerando violência no campo, perda de oportunidade de negócios, risco para os investidores, prejuízo para os empresários e calamidade social em todas as dimensões imagináveis. Quando vamos começar a nos indignar, enquanto sociedade, com o estrago que está sendo feito a um bem público brasileiro? Enquanto não se coloca um limite, há a ideia de que todos os recursos são abundantes. Essa questão do desmatamento ilegal zero até 2030 é um absurdo. Como é possível projetar 12 anos para frente o cumprimento de uma lei de hoje? Isso não é uma crítica ao governo, mas à aceitação da nossa sociedade. Ao aceitar isso, adiamos o momento em que vamos começar a colocar um limite no processo de desmatamento; limite este que vai gerar oportunidades, dar clareza quanto aos riscos e, eventualmente, atrair investimentos, produção e gerar sustentabilidade ao Brasil. Temos a obrigação de mostrar para o mundo como se fazer isso, não ficar esperando a lei e a pressão do mercado.

Danielle Carrera: Acredito que o risco reputacional está relacionado a isso. Existem 4 milhões de vegetarianos na Inglaterra por causa do desmatamento ligado à pecuária. Aquela sociedade já está pensando em proteger a floresta, já a vê como um bem. Isso precisa chegar aqui, mas reconheço que é um desafio, pois o Brasil é um país pobre. O que vai ser dado em troca para as pessoas deixarem de converter a terra? Contudo, concordo que se a população se tornasse mais “polícia”, o desmatamento seria bem menor.

Rebeca Lima: No CDP, temos uma iniciativa parcialmente financiada pelo governo da Noruega. Neste ano, estávamos em uma discussão com o nosso financiador e ele ressaltou que os fornecedores não associam sua prática necessariamente com a coisa certa a ser feita. Disse que a questão da interdependência não pareceu muito clara para eles. Como enraizamos essa mudança no indivíduo? Como disseminamos esse mindset em todos os níveis, desde os pequenos até os grandes? Ainda é algo que estou digerindo.

David Canassa: Do ponto de vista da sociedade civil, quando as leis estabelecidas são claras, os custos também são. A ilegalidade faz baixar o custo e mata o negócio legal. Quem vai conseguir fazer um projeto de aproveitamento de madeira florestal dentro da Amazônia de uma maneira decente? Não há como competir com esse custo ilegal. A meta é 2030, mas a nossa angústia é: onde está o plano para chegar lá? Existe um caminho a ser seguido, mas, hoje, estamos sem plano algum. Esse plano precisa ser traçado, e a sociedade e as empresas precisam participar ativamente.

André Guimarães: Vou dar dois exemplos rápidos de mudanças de valores. Na cidade em que vivo, Brasília, havia um enorme índice de acidentes de trânsito há 15 anos. Perdi 15 colegas. Era uma cidade violentíssima, com avenidas largas e sem limites de velocidade, e morria gente a toda hora. O governador da época, Cristovam Buarque, fez uma campanha sobre parar na faixa de pedestre. Foram colocados polícias militares segurando buquês de rosas em todas as faixas de pedestre. Ela durou seis meses e, depois disso, os níveis de acidentes caíram drasticamente. Houve uma mudança profunda de valores. O outro exemplo é a crise hídrica do ano passado. Diferentemente de São Paulo, em Brasília houve uma grande reeducação da população do ponto de vista do consumo de água individual, fazendo com que ele caísse quase 40%. São bons exemplos de que como uma boa estratégia de comunicação, com dados bons e claros, muda o comportamento das pessoas. Talvez nós, ambientalistas, não estejamos nos comunicando bem com a sociedade. Talvez não estejamos conseguindo explicar que existem 70 milhões de hectares na Amazônia que são deles e, portanto, é interesse deles protegê-los. Precisamos fazer uma autocrítica. Não é só culpa dos outros.

CAPITAL ABERTO: A Amazônia, a sua preservação e o desmatamento têm sido um tema de certo tabu, especialmente neste período de eleição. Como vocês acompanham a evolução dessa discussão?

Carlos Ritti: O Brasil tem uma renda per capita média muito próxima à mundial, em torno de 7 mil dólares por ano. Isso o torna o único nessa condição a desmatar da forma que o faz. São 7 mil km² de floresta destruídos na Amazônia, em média, nos últimos anos; juntando com o Cerrado, esse número chega a 15 mil km² por ano. Temos estimativas que variam entre 60 e 100 milhões de hectares de áreas de pastagens abandonadas, degradadas ou com baixa produtividade. O desmatamento também está associado a um grau altíssimo de violência. Historicamente, o Brasil é o país que mais mata ativistas ambientais em todo o planeta: 57 pessoas foram assassinadas no ano passado, o que representa 30% do número mundial. Aquilo que acontece na política torna o nosso desafio ainda maior. Recentemente, um trabalho publicado por pesquisadores brasileiros na revista Nature demonstrou que a barganha política entre o governo Temer e a bancada ruralista ameaça a capacidade do Brasil de cumprir as metas do Acordo de Paris. Ao final da COP 21, em que foi aprovado o acordo, um CEO de uma grande empresa disse que “a responsabilidade de cada CEO passa a ser qual é a parte que me cabe na meta que meu país assumiu, qual é a responsabilidade que vai se impor à minha empresa e qual é minha estratégia de descarbonização.” No Brasil, cada empresa tem a oportunidade de ter sua própria estratégia de descarbonização e de eliminação do desmatamento. Quando olhamos a floresta e a agricultura, muitas vezes estamos olhando duas paisagens, dois usos da terra que competem entre si. Porém, a floresta preservada garante água para a agricultura, e as boas práticas na agricultura reduzem a pressão sobre a floresta.

Lorraine Smith: É fácil dizer, mas muito difícil fazer; por isso, é necessário admitir que o problema está conosco — não apenas individualmente, mas também na indústria da sustentabilidade. A maioria de nós está em projetos, iniciativas e mesmo em organizações que são como as empresas antigas, com governança, conselho etc. É muito complicado que cada um mude, mas o que eu posso fazer, enquanto indivíduo, para imaginar o futuro que eu quero? Posso imaginar uma floresta que não apenas tem valor, mas que existe e faz parte da vida. Como eu posso, enquanto profissional, entender os chamados princípios da vida? Sabemos ou não que a floresta está desaparecendo? Como um investidor de uma empresa, que toma decisões e precisa de dados, pode mudar a sua prática? Acho que a narrativa deve ser positiva, entendendo os desafios, mas também imaginando o que é possível.


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