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O PIB ainda serve para medir a riqueza de um país? 
Deficiência na captação de aspectos socioeconômicos expõe descompasso entre a realidade e esse tradicional indicador 
O PIB ainda serve para medir a riqueza de um país?

PIB poderia servir como base para se identificar o ponto de recuperação dos países no pós-pandemia se incorporasse em suas variáveis o bem-estar da população | Imagem: Freepik

Parece claro que a pandemia de covid-19, independentemente de seu desfecho, tem magnitude suficiente para se alinhar aos grandes fatos históricos, na categoria das crises que definem o destino da humanidade. Olhando para o último século, esses pontos de virada foram representados, por exemplo, pela Grande Depressão dos anos 1930, pelo período pós-guerra e pela crise financeira de 2008, episódios que moldaram novas estruturas socioeconômicas. Em todos esses casos as economias conseguiram se recuperar em algum momento (embora com velocidades e intensidades muito variadas), como mostram as séries da referência-mor para esse tipo de avaliação: o Produto Interno Bruto (PIB), criado em meados do século 20. 

Testado e consolidado, o PIB agora poderia servir como base para se identificar o ponto de recuperação dos países no pós-pandemia, se não fosse por um detalhe: ele acaba não incorporando uma variável antes até dispensável, mas a cada dia mais relevante mundo afora, a de bem-estar das pessoas. Dizem os críticos que nada mais distante da realidade do que associar diretamente PIB per capita de um país à percepção de boa qualidade de vida. Ele seria uma medida fria para uma dinâmica que está constantemente em ebulição. 

Métrica mais abrangente 

A academia já tem se debruçado sobre a questão, para tentar encontrar maneiras mais holísticas do que o PIB — concentrado em produção de bens e serviços e em comércio exterior — para medir a temperatura das economias. A pertinência dessa orientação vem da constatação de que, numa longa série histórica, fica evidente a distância entre as curvas de crescimento de PIB e de melhora da sensação de bem-estar das populações. Vale lembrar que essa avaliação de condições de vida inclui educação, segurança, saúde, exercício de cidadania, habitação, equilíbrio entre vida pessoal e trabalho e conexões sociais, só para citar alguns aspectos. 

Em artigo publicado no portal FastCompanyBas von Bavel e Auke Rijpma, ambos da Universidade de Utrecht, na Holanda, destacam alguns achados de um trabalho que fizeram em conjunto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para o levantamento, foram consideradas informações de países de várias partes do mundo desde 1820 — o que garante uma base robusta de dados. Uma das conclusões é que de fato existe um hiato entre o crescimento do PIB e o bem-estar das populações, e isso vale tanto para países ricos (como Estados Unidos, França e Holanda) quanto para nações de renda média (casos de China, Rússia, Argentina e Turquia). 

Numa análise resumida, isso significa que uma maior produção de riquezas não necessariamente se traduz em melhora proporcional da qualidade de vida geral. A observação fica mais clara no caso dos países mais ricos. Segundo o estudo, depois que um certo nível de riqueza é atingido, o PIB acaba crescendo num ritmo mais acentuado do que o bem-estar. A correlação é um pouco diferente nos países de fora desse grupo: as curvas na China e na Argentina, por exemplo, ainda caminham relativamente próximas, mas já estariam mostrando sinais de descolamento. 

Crescimento x precarização do trabalho 

Os acadêmicos observam, em outras palavras, que parte dos frutos do crescimento expressivo das economias ao longo dos dois últimos séculos parece ter passado ao largo das populações. Uma situação corriqueira nesses últimos anos dá mais ou menos a medida dessa interpretação. Se, de um lado, plataformas de intermediação — notadamente a Uber e afins — geram bilhões em riqueza adicional captada pelo cálculo do PIB, ao mesmo tempo contribuem para o fortalecimento de um sistema que tende a gerar pouca segurança e satisfação para os trabalhadores — fenômeno que muitos classificam de precarização extrema do trabalho. 

E dá para ir além. O PIB também ignora o valor dos trabalhos domésticos não remunerados e dos cuidados com crianças e idosos dentro das famílias. E, por sua lógica exclusivamente calcada no mantra “produção, produção, produção”, pode computar como positiva para a riqueza de um país a destruição de uma floresta para a criação de gado de corte — ou seja, as perdas ambientais, foco dos debates nesta e nas próximas décadas, não entram na conta. 

A propósito, aqui valem dois parênteses. O primeiro é o crescente interesse de alguns governos pela alteração desse raciocínio que ainda baseia as métricas de riqueza em termos de produção. Um exemplo interessante vem do Reino Unido. Recentemente, o governo britânico encomendou um amplo estudo a um grupo de Universidade de Cambridge, coordenado pelo economista Parta Dasgupta. O resultado está no relatório “A economia da biodiversidade”, que nas suas 600 páginas sugere maneiras de se inserir as dinâmicas da natureza no cálculo do que se costuma chamar de riqueza das nações. Assim os ativos naturais poderiam de fato passar a ter relevância nas decisões econômicas em âmbito governamental. 

O segundo está relacionado à necessidade de uma reavaliação (desapaixonada) do papel do Estado nas economias. Como destacou em entrevista recente Luiz Orenstein1, sócio da gestora Dynamo, o Estado — bem ao contrário do que o senso comum pode sugerir — também pode ser gerador de valor, principalmente pela via da criação de políticas públicas capazes de alavancar as riquezas e de diminuir os abismos sociais. O que vale perfeitamente para o caso brasileiro, que em sua própria história acumulou políticas públicas com bons resultados, como a industrialização por substituição de importações, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), sem a qual, lembra Orenstein, o agronegócio nacional como se conhece hoje talvez nem existisse. 

Na hora em que a pandemia arrefecer na maior parte do mundo, os governos e formuladores de políticas inevitavelmente terão que recorrer a algum parâmetro para saber o grau de recuperação das suas respectivas economias. Mas talvez até lá esteja próxima do consenso a conclusão de que o PIB não serve para isso. Em especial por causa do risco de que a falta de uma lente adequada intensifique inquietações sociais com consequências imprevisíveis.  

 

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