O novo passo do gigante chinês
Como alterações na matriz econômica da China devem impactar o mundo e os investimentos
Como mudanças na matriz econômica da China devem impactar o mundo e os investimentos
Depois de décadas quase exclusivamente voltada às exportações, a China começa a se preocupar com a distribuição equilibrada de riquezas entre os centros urbanos e cidades litorâneas e as zonas rurais, a produção de energia, a demografia e a maior urbanização | Imagem: freepik

Em termos econômicos e geopolíticos, nada do que envolve os movimentos da China passa despercebido. Qualquer notícia, boato ou anúncio oficial do governo tem o poder de influenciar negócios e decisões de investimento mundo afora. Uma breve amostra ocorreu recentemente, com o impacto negativo — e imediato — sobre os mercados globais da informação de que a construtora chinesa Evergrande ameaçava não pagar juros de empréstimos. E essa dinâmica deve ficar ainda mais intensa nos próximos anos, à medida que avançar o processo de mudança de matriz econômica planejado e empreendido pelo governo de Xi Jinping. Iniciativa já captada pelos analistas, a transformação vai representar a substituição de um modelo calcado nas exportações (um olhar para fora) por outro, fundamentado no consumo interno. Como se poderia esperar de um passo tão importante de um gigante de 1,4 bilhão de pessoas, esse movimento vai oferecer ao mundo, e aos investidores, grandes desafios e oportunidades. 

Nesse contexto, é essencial que seja feita uma leitura clara do cenário; daí advém a primeira dificuldade. Dados e informações sobre o que efetivamente acontece na China ainda são bastante opacos para o resto do mundo, efeito colateral de um regime político que concentra (a cada dia mais) o poder nas mãos dos comandantes do partido comunista. Uma estratégia possível para se contornar o problema é observar as atitudes do governo em termos de regulamentação, e as mais recentes sugerem que a ideia de Xi Jinping é reforçar os controles (o país proibiu a mineração de criptomoedas, só para ficar num episódio). 

Transformações 

Em conjunto, os direcionamentos mostram aos analistas que a China está de fato em um amplo processo de transição. A atuação do governo no caso da Evergrande, por exemplo, pode dar pistas dessa rota. “As intervenções recentes do governo indicam mudanças mais profundas na economia”, observa Evandro Buccini, sócio e diretor de renda fixa e multimercados da Rio Bravo Investimentos. 

Depois de décadas quase exclusivamente voltada às exportações, tendo se transformado na fábrica do mundo, a China agora parece precisar dar conta de melhorar a qualidade de vida das pessoas, o que implica alterações substanciais em pontos como distribuição mais equilibrada de riquezas entre os centros urbanos e cidades litorâneas e as zonas rurais, produção de energia, demografia e maior urbanização. Tarefa nada trivial com uma população na casa do bilhão (e envelhecendo) e com questões sociais longe da pacificação. Além disso, na qualidade de um experimento inédito nessa escala, a mudança chinesa requer atenção constante também dos investidores. “O capitalismo de Estado chinês não está descrito nos livros, não tem precedentes na história. Mas, aparentemente, o governo sabe aonde quer chegar”, comenta Rodrigo Knudsen, portfolio manager da gestora digital Vitreo e professor da FK Partners. Não por acaso, em plenária do partido encerrada na semana passada foi aprovada uma resolução que consolida o poder do presidente Xi Jinping. A ocasião é emblemática, já que resoluções com esse peso só haviam sido adotadas duas outras vezes nos 100 anos do partido comunista chinês. 

Prosperidade comum 

Na avaliação de Rodrigo Barros, cofundador da Amago Capital, a ideia do chamado “plano de prosperidade comum” (que poderia ser traduzido como o olhar para dentro no lugar da política econômica predominantemente exportadora) não é surpreendente. Bem diferente disso, ele faria parte de um contínuo que já tem pelo menos 40 anos. “Deng Xiaoping [presidente da China de 1978 a 1992], ainda nos anos 1980, havia prometido distribuir riqueza das cidades litorâneas, as mais abertas para o mundo, para o interior. O que está acontecendo agora é a continuidade desse programa. Não é um susto, é parte de um processo”, pondera. Segundo ele, o governo identificou uma ameaça ao país que vai muito além das dificuldades pontuais de alguns setores, como o imobiliário: concluiu que o maior problema é o risco da armadilha da renda média. Na teoria econômica, essa armadilha corresponde à situação em que, depois de atingir uma certa renda, um país não consegue saltar para outro patamar (fica “preso”). Se a China cair nessa cilada, não terá como implementar a contento o plano de prosperidade comum. 

Outra questão diz respeito à demografia. Como resultado de décadas da política do filho único, a China tem uma população em envelhecimento (estima-se que daqui a 15 anos será tão idosa quanto a japonesa hoje, cuja mediana de idade é de 48 anos) e que tem ainda grandes contingentes vivendo nas áreas rurais, muitas delas remotas. Atualmente, cerca de 64% dos chineses vivem em centros urbanos — lembrando que, por ficarem em alojamentos durante os períodos de trabalho, milhões de chineses são considerados residentes do interior e não das cidades grandes, onde as fábricas estão instaladas. “Esses problemas estruturais motivam as reformas e os movimentos do governo chinês ao longo do tempo”, acrescenta. 

Inovação e capital privado 

Barros ressalta que especialistas veem na inovação e na abertura para o capital privado as chances para a China escapar da armadilha da renda média. Nesse sentido, tendem a crescer as oportunidades de investimentos, à medida que o governo chinês precisará tornar seu mercado mais amigável para o dinheiro privado que vem de fora. 

Boas opções para investimentos não devem faltar nessa corrida da China para reforçar o consumo interno. “Estamos acompanhando uma mudança no foco de crescimento do país, com expansão dos setores de bens de consumo e de serviços como os de educação, saúde e saneamento básico. Essas áreas tendem a representar oportunidades interessantes para os investidores”, afirma Rodrigo Araújo, especialista de fundos internacionais da XP. Cabe destacar que as decisões de investimento devem sempre considerar os riscos associados à alocação no mercado chinês (como as informações por vezes pouco precisas).  

Araújo observa ainda que as mudanças para melhorar a qualidade de vida dos chineses vão esbarrar na necessidade de ajustes na matriz energética, acrescentando fontes renováveis à tradicional energia obtida com a queima de carvão. Assim, ficam abertas as possibilidades de investimento em energia solar, eólica e hidrelétrica. Na visão de Barros, o governo chinês vai apostar firme no aumento do valor agregado da indústria, deixando de produzir mercadorias baratas (as quinquilharias que estão em qualquer lojinha do mundo) para concentrar os recursos e a mão de obra em itens como chips e equipamentos de telecomunicações (vide o caso da Huawei). Com essa estratégia, afirma, uma fatia maior da riqueza produzida na China vai ficar no próprio país, contribuindo para a elevação da renda da população e para o abastecimento do motor do consumo interno. “Do ponto de vista dos investidores, a tarefa é mapear as novas dinâmicas, para se posicionarem frente às mudanças”, completa Araújo. Afinal, quando se trata do poder de influência da China sobre os rumos da economia mundial, mais que comprovada na última metade de século, risco mesmo pode ser ficar de fora. 

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