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O atraso da Oi
No calvário da telefônica, investir em modernização tornou-se tão imprescindível quanto cortar custos
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Diz o dicionário Houaiss da língua portuguesa que a interjeição “oi” representa uma saudação — a inflexão e a expressão corporal é que emitem os sinais da carga emocional que se pretende dar à palavra, mas ela normalmente aparece em situações informais de aproximação. Os falantes do idioma usam “oi” também para indicar não terem entendido algo que foi dito e, com uma entonação mais veemente, para mostrar espanto (“oi?!”). Pois foi pensando no primeiro desses usos que, em 2007, as empresas do grupo Telemar adotaram a marca Oi. Fazia todo sentido naquela época, quando as teles iniciaram uma acirrada disputa pelo estrato mais jovem de consumidores, movimento intensificado com a explosão dos smartphones e do consequente uso de dados móveis. A história da companhia, entretanto, acabou encaixando-se curiosamente no segundo uso do termo, o que exprime desentendimento. Foi sob a égide da confusão que ela nasceu, cresceu, endividou-se perigosamente, quase morreu e tenta agora encontrar, pela via da recuperação judicial (RJ), uma porta de saída para seu calvário.

Hoje, afirmam especialistas em telecomunicações, a recuperação judicial (RJ) é a tábua de salvação para a empresa escapar da arapuca representada por sua gigantesca dívida declarada de 64 bilhões de reais — quase três vezes seu faturamento líquido anual, que gira em torno de 25 bilhões de reais. A companhia opera em todo o País, onde já instalou 363 mil quilômetros de cabos de fibra ótica de longa distância, mas precisa ampliar com urgência seus investimentos para corrigir defasagens tecnológicas mortais na concorrência pelo consumidor de banda larga, considerado o futuro das telecomunicações.

A Oi é daquelas empresas de vulto. Tem cerca de 15 mil empregados diretos (130 mil considerando também os indiretos) e respeitáveis 70 milhões de clientes. Mas como tamanho não é garantia de bons resultados, a companhia viu a cor azul no balanço pela última vez em 2013, quando seu lucro alcançou 1,49 bilhão de reais. De 2014 até setembro de 2017, acumulou prejuízo de 21,3 bilhões de reais. Como consequência, seu valor de mercado desmoronou. A ação PN, que valia 11,49 reais no fim de abril de 2012, despencou para 80 centavos em 22 de junho de 2016, dois dias após a Oi haver protocolado o pedido de RJ. Após o plano de recuperação ser aprovado pelos credores, em 20 de dezembro de 2017, a cotação dos papéis subiu e, em meados de fevereiro, se sustentava em torno de 3,50 reais — a alta sinaliza que os investidores ainda não perderam toda a confiança na companhia, apesar do histórico conturbado e do fato de a batalha da RJ estar ainda no começo.

Percalços desde o início

A Oi nasceu Tele Norte Leste, em julho de 1998, empresa de telefonia fixa que era um filhote agigantado do processo de privatização da Telebrás. Depois virou Telemar, sob inspiração do extenso litoral dos 13 estados atendidos pela empresa na sua origem — do Rio de Janeiro em direção ao norte —, aos quais se somavam os sem-mar Minas Gerais, Amazonas e Roraima. O enorme território cativo da Telemar, no entanto, tinha uma armadilha: o atendimento obrigatório ao extenso interior das regiões mais pobres do País.

Não por acaso, a companhia teve o menor ágio do leilão entre as empresas desmembradas do sistema Telebrás — apenas 1% acima do preço mínimo de 3,4 bilhões de reais. Soube-se pouco depois, no rumoroso caso envolvendo “grampos” telefônicos no BNDES, que o consórcio vencedor, liderado pela Andrade Gutierrez e pelo grupo La Fonte (do cearense Carlos Jereissati), não era o favorito para a compra da empresa, e sim o consórcio encabeçado pelo grupo Opportunity (do baiano Daniel Dantas), que acabou ficando com a Tele Centro-Sul (que abrangia, em telefonia fixa, o restante do País, exceto São Paulo), posteriormente Brasil Telecom (BrT). Temendo que o consórcio comprador da Tele Norte Leste não tivesse capacidade financeira para saldar seus compromissos e tocar a empresa, o BNDES, coordenador da privatização, impôs ao grupo sua entrada na sociedade, com 25% do capital votante. Acompanhando a revolução das telecomunicações no País, a antiga Tele Norte Leste foi se agigantando ao longo do tempo — precisava investir em novas tecnologias para enfrentar a concorrência.

Recuperação judicial é a tábua de salvação para a empresa escapar da arapuca em que se meteu

Em abril de 2008, após um arrastado e novelesco processo de negociação, a Oi anunciou a compra da BrT, por 5,86 bilhões de reais. Passou a ter a concessão de todo o Brasil, com a exceção de São Paulo, estado onde a empresa poderia apenas operar com telefonia celular, sob regime de autorização. Em seguida veio com a aproximação, a associação e a posterior fusão da Oi com a Portugal Telecom (PT), entre 2010 e 2013, que criava uma multinacional, a CorpCo. Uma novela luso-brasileira sem final feliz, cheia de desencontros. O maior de todos foi a descoberta, após o acordo da fusão, de que a PT havia emprestado na surdina 897 milhões de euros à Rioforte, holding de negócios não financeiros do grupo português Espírito Santo, um dos acionistas da tele portuguesa. Em dificuldade financeira, a Rioforte entrou em falência e deu calote na dívida. Com isso, a Oi, já bastante alavancada, viu sua dívida líquida aumentar perto de 50% em poucos meses — de R$ 30,2 bilhões, no primeiro trimestre de 2014, para R$ 46,2 bilhões, no segundo trimestre do mesmo ano.

Foi algumas semanas antes da capitulação que Tanure, conhecido por investir em empresas encrencadas, constituiu seu portfólio de ações da Oi por meio do fundo Société Mondiale (em janeiro, o veículo detinha 4,54% do capital). Atualmente, o empresário, em conjunto com a Pharol (ex-Portugal Telecom, detentora de 22,24% do capital votante) e outros acionistas de menor porte, querem provar que a Justiça não poderia ter colocado, no processo de aprovação do plano, a Lei de Recuperação Judicial à frente da Lei das S.As.

A reclamação desses investidores baseia-se no fato de o juiz Fernando Viana, da 7ª vara empresarial do Rio de Janeiro, ter aprovado o plano sem anuência do conselho de administração e considerado desnecessária a realização de uma assembleia geral de sócios para ratificar itens do documento que, por lei, deveriam ser deliberados pelos acionistas, como a eleição de conselheiros de administração (o plano prevê a criação de um board transitório, já em funcionamento — ele é formado de três novos membros indicados por credores e seis que já integravam o colegiado) e a realização de um aumento de capital. Diante disso, a Pharol tenta reverter na justiça a aprovação do plano. Em resposta às reclamações, a Oi afirmou que plano de RJ “está respaldado e seguro em decisões judiciais” e ressaltou que o documento foi aprovado por ampla maioria na assembleia de credores (aprovação de 100% na classe trabalhista; 100% na classe garantia real; 72,17% na classe quirografários; e 99,8% na classe microempresas).

Um dos credores que não aprovou os termos é a Anatel. A agência tem créditos de 11,1 bilhões de reais contra a Oi, decorrentes de multas operacionais, e entende que eles não se enquadram nas categorias de créditos discutidas na assembleia que chancelou o plano de RJ.

À venda

Controvérsias jurídicas à parte, o fato é que parte do mercado reagiu bem à notícia de aprovação do plano. “O juiz Fernando Viana fez um trabalho extraordinário para tentar salvar uma empresa importante para o País”, afirma o consultor em telecomunicações Ricardo Tavares, presidente da consultoria internacional Techpolis. Para ele, a ação do juiz enfureceu os acionistas que esperavam uma repetição, na Oi, do histórico tradicional dos processos de falência no Brasil — em que, segundo ele, “os acionistas responsáveis pela falência são os mesmos que apresentam a proposta de reestruturação, naturalmente em benefício próprio”. Tavares ressalta que nos Estados Unidos são os donos da dívida que assumem o controle da empresa, como deve acontecer com a Oi.

O aumento de 2 bilhões de reais em investimentos previsto para o triênio 2018-2020 deve ser apenas o ponto de partida para recolocar a companhia nos trilhos

A reação positiva do consultor não é caso isolado. Na semana seguinte à aprovação pela Justiça do plano de RJ, ocorrida no dia 8 de janeiro, a consultoria londrina New Street Research, especializada no setor de alta tecnologia, divulgou relatório recomendando a compra de ações da Oi a partir do acordo feito com os credores para aprovação do plano de RJ. Considerou, ainda, a força da empresa em telefonia fixa e a possibilidade de recuperação do seu atraso em LTE (sigla em inglês para long term evolution, tecnologia avançada em banda larga) com investimentos que venham a se ampliar.

O plano de RJ da Oi tem dois anos para acontecer. Por determinação da Justiça, a atual diretoria da empresa, encabeçada pelo ex-diretor Jurídico Eurico Teles, que assumiu em novembro de 2017, tem um ano de estabilidade. Nesse período, espera-se que até 75% dos créditos sejam transformados em ações (70% é a conta tida como mais realista), fazendo com que a dívida seja reduzida para aproximadamente 21 bilhões de reais — palatável, portanto, ao nível de geração de caixa. Está previsto ainda um aporte de capital de 4 bilhões de reais em dinheiro novo, a ser destinado a investimentos, que passariam de 5 bilhões para 7 bilhões de reais ao ano, especialmente em modernização tecnológica, entre 2018 e 2020.

Na manhã do dia em que os credores aprovaram a RJ, a Oi divulgou um comunicado com os principais pontos do plano e uma afirmação emblemática do presidente: a empresa estaria aberta a ser comprada por um investidor estratégico. Entre os acionistas contrariados, a fala foi interpretada como uma abertura ao fatiamento da empresa. Mas Tavares, da Techpolis, tem outra visão. “Não creio que essa seja a intenção dos novos controladores. Uma opção é eles melhorarem a performance e vender a companhia para um grupo internacional experiente”, sugere Tavares. O comprador dos sonhos é a China Telecom, que teria chegado a mostrar algum interesse. A TIM indicou que está no páreo, a depender do que acontecerá mais à frente. Cedo para falar em comprador, cedo para falar em modelo de venda. Mas na Oi já se cogita a alienação de ativos imobiliários espalhados pelo Brasil como forma de viabilizar investimentos.

Concorrência

Assim como Tavares, outros especialistas de peso ouvidos pela capital aberto afirmam que a aprovação do plano de RJ abriu uma saída para a recuperação em vez de liquidação da Oi. Entretanto, todos eles advertem que o aumento de 2 bilhões de reais em investimentos previsto para o triênio 2018-2020 deve ser apenas o ponto de partida para recolocar a companhia nos trilhos. “A Oi vai precisar pelo menos retomar o padrão de investimentos entre 7 bilhões e 8 bilhões de reais nos próximos sete a oito anos”, calcula Eduardo Tude, presidente da Teleco, uma das mais respeitadas consultorias brasileiras em telecomunicações.

“As concorrentes investiram e tomaram mercado. É difícil dizer se a Oi vai conseguir recuperar terreno”

E o desafio não será apenas captar esse dinheiro. “Os recursos precisam ser muito bem investidos, de forma que a Oi demonstre compromisso com a recuperação”, adverte Tude, acrescentando que o aumento dos investimentos terá que ser tão arduamente perseguido quanto o cortes de custos. De acordo com ele, embora a Oi tenha como pontos fortes a sua enorme base de clientes e capilaridade, somente com muito esforço de modernização poderá recuperar o mercado que foi perdido. “As concorrentes investiram muito e tomaram mercado. É difícil dizer se a Oi vai conseguir recuperar terreno”, pondera Arthur Barrionuevo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV).

Na avaliação do Barrionuevo, o cenário mais factível para a Oi nos próximos dois anos, e que já poderá ser considerado um avanço, será a manutenção da sua atual base de clientes. O fato de a empresa não ter participado do leilão da frequência de 700 megahertz (MHz) da banda larga realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em setembro de 2014 a coloca em posição de desvantagem para recuperar sua capacidade de competição nos grandes centros.

Uma volta por cima da Oi também depende do desfecho do Projeto de Lei da Câmara 79 (PLC 79) — ele gera impactos para o setor como um todo, mas atinge especialmente a operadora. À espera de aprovação no Senado, ele modifica, entre outros itens, o regime de outorga do direito de exploração dos serviços de telecomunicações, de concessão para autorização. Com isso, a telefonia fixa, por exemplo, deixa de ser um serviço público concedido e passa a ser um serviço privado, no qual as operadoras têm liberdade para definir as tarifas de seus serviços e escolher as áreas prioritárias de investimentos. A mudança faria com que a Oi, que se queixa de atender áreas não rentáveis e gastar 300 milhões de reais por ano com a manutenção de telefones públicos praticamente sem uso (parte das suas multas com a Anatel está relacionada a falhas nesses serviços), deixasse de ter essas obrigações. O projeto chegou a ser enviado para sanção presidencial, mas a sua tramitação foi questionada por senadores de oposição sob a alegação de que o então presidente da casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), queimou etapas obrigatórias. O PLC 79 voltou então ao Senado, e os analistas consideram muito difícil seu encaminhamento por causa do período de eleições. Sem sinais de alívio, por enquanto, aos acionistas da problemática Oi.


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