Não é todos os dias que se vê o mais alto executivo de uma bolsa de valores de tênis e bermudão, na praia, pessoalmente abordando banhistas despreocupados para lhes apresentar, cheio de entusiasmo, a opção do investimento em ações. Ou discursando sobre as vantagens da renda variável para operários no chão da fábrica. Muito menos num País como o Brasil de 2002, com ganhos praticamente garantidos na renda fixa (juros básicos estratosféricos) e com quase zero tradição de alocar reservas financeiras fora da caderneta de poupança.
O personagem, Raymundo Magliano Filho, presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) por sete mandatos consecutivos, entre 2000 e 2008, e sua inusitada estratégia mão-na-massa conhecida como “Bovespa vai até você” são os pilares da conquista dos atuais 3,2 milhões de CPFs cadastrados na bolsa brasileira. Depois de Magliano, a bolsa deixou de ser acompanhada de termos como “jogatina”, “cassino”, “elite”. Foi essa figura simpática (e empática), simples e cativante que o mercado de capitais perdeu para a covid-19 neste mês de janeiro. Depois de cerca de 40 dias de internação, o asmático Magliano, aos 78 anos, entrou para a triste estatística da pandemia de Covid-19 no Brasil.
O sobrenome da família é indissociável do desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Raymundo Filho levou adiante a corretora de valores fundada pelo pai, dona do título número um da bolsa paulista, e comandou a instituição durante o reflorescimento das aberturas de capital e o intrincado processo de desmutualização que permitiu a fusão com a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e, posteriormente, a estruturação da atual B3.
À parte a competência na condução dos negócios, Magliano usou sua paixão pelos estudos de ciências humanas em geral — filosofia em particular — para espalhar conhecimentos imprescindíveis para a vida em sociedade. Fundou o Instituto Norberto Bobbio, disseminador da cultura dos direitos humanos e que considerava seu legado. Em conversas com amigos, conhecidos e jornalistas, raramente Magliano perdia a oportunidade de apresentar ideias do pensador italiano. E, como bem relatou a jornalista Marta Barcelos para esta CAPITAL ABERTO, sem nenhum sinal de pedantismo.
Tendo enxergado os benefícios — para as companhias, para os investidores e para o País — do aumento da poupança popular em ações, Magliano se mostrou um visionário, característica que também aparecia na sua defesa da democracia, dos direitos humanos e da necessidade da redução das vergonhosas desigualdades sociais que afligem o mundo. Livros preferidos? O Futuro da Democracia, de Bobbio, e A Condição Humana, da filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt. Livros de própria autoria? A Força das Ideias para um Capitalismo Sustentável e Um Caminho para o Brasil. Mesmo não sendo contemporâneos, todos abordam assuntos que hoje estão no topo da agenda.
Não deixa de ser irônico, portanto, que Magliano tenha partido em meio a uma emergência sanitária agravada por condições tão desiguais de vida em sociedade e pela inoperância de um governo que flerta com a ideia fixa de enterrar a democracia.
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