A pandemia ainda não terminou, mas já parece claro que os sustos, as dores e os aprendizados dos últimos 11 meses vão forçar uma reestruturação do mercado global de investimentos a partir de 2021. Diante das incertezas quanto à dinâmica das vacinas e da realidade de economias depauperadas pelas paralisações impostas pelo novo coronavírus, vai sobrar para todo mundo: de companhias emissoras de valores mobiliários a gestoras de recursos, passando por fundos de pensão e reguladores.
A disseminação descontrolada da doença causada pelo vírus, além de apresentar graves problemas com os quais os governos foram obrigados a lidar, serviu como alerta para questões ainda mais complexas relacionadas ao clima e às desigualdades sociais. Nessa dinâmica, é provável que nos próximos anos aumente de maneira significativa a demanda por investimentos em infraestrutura — inclusive de sistemas de saúde, cujas deficiências foram escancaradas durante a emergência sanitária — e em energias renováveis, tanto em países ricos quanto nos pobres e emergentes.
O fato de os governos, mesmo os negacionistas e resistentes, terem liberado montanhas de recursos para garantir um mínimo de atividade econômica nos períodos agudos da pandemia evidentemente deixou os tesouros nacionais limitados por questões orçamentárias. O funding, então, precisa vir de bolsos privados. Liquidez não falta no mundo (o chamado “capital não alocado”), mas pesquisas e especialistas já têm alertado que para esse novo mundo é necessário um novo modelo para a indústria global de investimentos.
Onda ESG
Um levantamento recente da PwC concluiu que o processo de recuperação pós-pandemia (seja lá quando for esse “pós”) vai empurrar uma reformulação da indústria de investimentos, que precisará contar com ferramentas para adaptar os fundos de crédito privado ao novo cenário mundial e com novas estratégias alternativas. Tudo para escoar o dinheiro para as áreas que realmente vão fazer a diferença para as sociedades nos próximos anos, especificamente infraestrutura e desenvolvimento sustentável.
O contexto vai forçar os agentes de mercado a encarar um descasamento que não se sustenta por muito tempo. Um exemplo: o levantamento da PwC verificou que três quartos dos investidores europeus se dizem dispostos a, num prazo de apenas dois anos, não mais alocar recursos em fundos que não incorporem os fatores ESG (sociais, ambientais e de governança). Parece bem em linha com o que acadêmicos e especialistas não cansam de comentar sobre essa segunda década do século. Pois bem. A mesma pesquisa mostrou que apenas 14% das gestoras de recursos europeias estão planejando deixar de lançar produtos não ESG. Há um evidente descompasso entre as demandas dos investidores e os planos de negócios das assets no mercado europeu, que sempre serve de farol para os demais quando se trata de ESG. Não é muito difícil imaginar quem vai vencer essa disputa, e é bem provável que os gestores tenham que se adaptar.
Diversidade
É pertinente associar a eclosão da pandemia a um problema ambiental, já que o vírus saltou de um animal silvestre para o homo sapiens por uma evidente exploração indevida da natureza. Mas igualmente relevantes são a gigantesca desigualdade social antes escondida em rincões de pobreza e a absurda disparidade entre gêneros e etnias quando se trata do mundo corporativo. Não à toa, esse é outro assunto da agenda 2021 da indústria de investimentos.
Num recente depoimento, o chefe da Securities and Exchange Comission (SEC), Jay Clayton, que está deixando o cargo, alertou para o péssimo trabalho das assets americanas nesse sentido. Faltam diversidade e inclusão, afirmou. E não só nas empresas em que investem. Um estudo da Harvard Business School concluiu que só 1,3% das assets do país (mercado de 69 trilhões de dólares) são de propriedade de mulheres ou de representantes de minorias. Num mundo pós-covid e com uma vice-presidente dos Estados Unidos negra vai ser difícil manter esse véu por muito tempo.
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