As típicas e inevitáveis dores do amadurecimento parecem agora estar atingindo com maior intensidade o onipresente recorte ESG. Incoerências que há alguns anos poderiam passar despercebidas, encobertas pelo “desconto” do fator jovialidade, viraram alvo de escrutínio. Um desses paradoxos envolve o papel das instituições financeiras nessa dinâmica: seria razoável, do ponto de vista das práticas ESG, os bancos montarem e oferecerem aos clientes fundos de investimento com esse selo e, simultaneamente, continuarem financiando corporações que baseiam suas atividades na exploração de combustíveis fósseis (só para ficar no setor que carrega o maior simbolismo ambientalmente incorreto)?
Como observa o articulista Mike O’Sullivan em texto na revista Forbes, o ponto é saber como os investidores podem confiar na autenticidade das ofertas de investimentos ESG e de impacto se uma mesma instituição financeira pode ter uma face (a do asset management) que glorifica os esforços ESG das empresas como fator gerador de valor de longo prazo e outra (a de banking propriamente dito) que empresta dinheiro ou faz intermediação de captações de empresas duvidosas da perspectiva de impacto ambiental.
Essas perguntas, embora ainda não tenham força para modificar a situação, têm ganhado ressonância. Partindo do princípio majoritário (pelo menos no discurso) de que para a consolidação do ESG posturas éticas são imprescindíveis, parece evidente que a ideia de uma instituição financeira ter várias “caras” — uma associada a um marketing verde, que vende produtos de investimento calcados nos conceitos de sustentabilidade; outra com os cofres abertos para empresas que, com suas operações, contribuem para a deterioração do ambiente — é no mínimo desconfortável.
Financiamento trilionário
A realidade, no entanto, não costuma aceitar ingenuidade, e por ora as grandes instituições financeiras globais continuam operando numa toada bastante flexível quando se trata das novas demandas ESG. Recentemente, em carta endereçada aos acionistas, o CEO do J.P.Morgan Chase, Jamie Dimon, afirmou que, apesar da necessidade de adaptação às novas circunstâncias ambientais, abandonar repentinamente todo o setor de combustíveis fósseis não é viável. Ele defende a adoção de um gradualismo na retirada dos financiamentos a essa indústria, de forma que durante um bom tempo ainda os bancos continuariam canalizando recursos para essas companhias. Isso num mundo em que, num aparente despertar pós-choque da pandemia, o presidente dos Estados Unidos convoca uma cúpula de líderes para tratar de mudanças climáticas na qual anuncia o ousado compromisso de reduzir as emissões do país em pelo menos 50% até 2030.
Alguns números ajudam a dar uma dimensão à posição de Dimon. De acordo com levantamento da instituição Rainforest Action Network (“Banking on Climate Chaos”, com dados atualizados até 2020), desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, o J.P.Morgan destinou cerca de 317 bilhões de dólares para empresas do setor de combustíveis fósseis. Nesse quesito, o banco lidera o ranking das 12 instituições financeiras que mais financiaram essas atividades, correspondendo a 15,7% do total de 2,022 trilhões de dólares que facilitaram a exploração e a distribuição desse tipo de energia não renovável. Figuram no top 12, pela ordem, Citi, Wells Fargo, Bank of America, RBC, MUFG, Barclays, Mizuho, BNP Paribas, TD, ScotiaBank e Morgan Stanley. A lista mostra que o fenômeno não tem limitação geográfica.
Se por um lado financiam empresas de um setor que atua como persona non grata no mundo ESG, essas instituições financeiras invariavelmente têm sob seus guarda-chuvas gestoras que vendem fundos com esse selo de sustentabilidade. No Brasil, uma situação recente sugere que o movimento também acontece nos trópicos. Contando com a coordenação de XP, Itaú BBA, BTG Pactual e Credit Suisse, a 3R Petroleum fez uma bem-sucedida operação de follow-on (oferta subsequente de ações), pouco tempo depois de ter aberto o capital. Nada demais na operação em si, mas não se encaixa muito bem no estrito conceito ESG o fato de os coordenadores terem na praça produtos que preconizam boas práticas ambientais, sociais e de governança (uma breve consulta ao Google apresenta os vários novos fundos ESG dessas casas). Pode até haver divergências de pontos de vista, mas não dá para negar que a exploração de petróleo nada tem de sustentável.
O cenário, na verdade, obriga todos os agentes envolvidos — reguladores, empresas, gestores, investidores e ativistas — a encontrar um consenso a respeito da linha que separa as operações das instituições financeiras, seu core business, daquilo que oferecem por meio de seus braços de investimento. O que não dá para esconder é a fragilidade da ideia de que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Gradativamente, para usar a modulação de Dimon, do J.P.Morgan, as emergências relacionadas ao clima vão exigir que os bancos deixem de, na prática, jogar gasolina no incêndio.
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