A urgência da transição energética e da agenda ESG foram alvos de uma acalorada discussão entre Fama Investimentos e Atmos Capital, duas renomadas gestoras de recursos do Brasil. O imbróglio começou com a publicação de duas cartas por analistas da Atmos na última semana de março. A primeira fazia uma crítica ao “radicalismo” que permeia o universo ESG e o papel do investidor institucional ao se debruçar sobre esses princípios. Já a segunda discorria sobre os possíveis impactos negativos do desinvestimento em carvão. O conteúdo das cartas incentivou Fábio Alperowitch, CEO da Fama e defensor do investimento consciente, a escrever um artigo no Brazil Journal para rebater ideias manifestadas pela gestora de Bruno Levacov e Lucas Bielawski.
A Atmos, vale ressaltar, é uma das principais acionistas da empresa de energia Eneva, maior operadora privada de gás natural do Brasil. A companhia está sob escrutínio de investidores estrangeiros por causa de suas usinas movidas a carvão mineral — e esse parece ter sido o motivo que levou a gestora a escrever ambas as cartas. Na primeira, os analistas da Atmos defendem que, ao discutir o tema ESG, o mercado deve “fugir da armadilha de cair em estado eufórico”, para evitar parecer com “a geração que acreditou livrar o mundo das guerras com flores e solos de guitarra”. “Devemos respeitar a dificuldade intrínseca de um tema com dimensões infinitas”, escrevem.
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Em relação à Eneva, a gestora apresenta números levantados pela consultoria PSR para defender a sua posição na companhia de energia. “Ao invés de pressionar as boas empresas a vender seus ativos a carvão, deveríamos fazer o oposto: pressioná-las para mantê-los, mirando garantir uma rede de proteção funcional caso o sistema venha a escorregar”, defendem os analistas. A conclusão da Atmos é que não deve haver novos investimentos em usinas a carvão, mas que descomissionar operações do tipo no momento é economicamente inviável.
Segundo o estudo da PSR, o descomissionamento integral dos parques térmicos a carvão a partir de janeiro de 2022 sem o desenvolvimento de projetos de geração substitutos geraria uma redução de 34 milhões de toneladas de CO2 em quatro anos a um custo de 36 bilhões de reais. Isso significaria que cada tonelada de carbono custaria cerca de 1 mil reais — um “valor consideravelmente acima dos maiores preços de emissões (carbon tax) vigentes no mundo”, ressalta a Atmos.
Em sua resposta, publicada em 30 de março, Alperowitch faz um paralelo entre o discurso da Atmos e o artigo “Ten reasons not to abolish slavery”, que elenca argumentos para a manutenção da escravidão. O texto do historiador americano Robert Higgs, observa o gestor, nos lembra que narrativas que buscam justificar o injustificável não são uma novidade. “Nos parece óbvio e ululante que o caminho para a eliminação do carvão não virá desacompanhado de prantos daqueles que tem interesse econômico no assunto ou desinteresse no bem coletivo”, alfineta o CEO da Fama, enfatizando que “a manutenção do carvão é injustificável, intolerável e, na visão de muitos, criminosa”.
Diante das críticas de Alperowitch, a Atmos partiu para uma tréplica. Em seu texto, divulgado no dia 3 de abril, a asset afirmou que concorda que o combate à crise climática é fundamental, mas que o mundo está “cheio de pessoas bem-intencionadas que geram um custo enorme para a sociedade”. E que, no momento, conforme estudos elaborados pela PSR, o descomissionamento dos parques de carvão não seria uma boa alternativa para o Brasil pelo seu alto custo. “É nosso papel como agentes pragmáticos e desapaixonados incentivar os operadores competentes a manter seus ativos a carvão operando — e utilizar o fluxo de caixa gerado para ajudar na agenda transição energética”, destaca a gestora. Polêmico, o assunto ainda renderia muito discussão. Mas, no fim do artigo, a Atmos já avisa que, após a tréplica, vai se “recolher para dentro de casa”. Fica a dúvida se os argumentos da gestora convenceram Alperowitch.
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