A pandemia do novo coronavírus deve empurrar o Brasil para a maior recessão de sua história em 2020. O mercado projeta uma queda de 6,51% do PIB deste ano, e as empresas continuam em busca de financiamento para preservar caixa, honrar compromissos e reestruturar negócios. Em um primeiro momento, a corrida foi em direção a soluções imediatas, representadas principalmente por linhas de crédito. Agora, três meses após o início da pandemia, especialistas recomendam que as empresas voltem os olhares para as captações de longo prazo, como as oferecidas via private equity.
A aposta nesse tipo de investimento privado, calcado na aquisição de participações em empresas fechadas, como propulsor da recuperação dos negócios foi defendida na última edição das Lives Capitais, encontro promovido pela CAPITAL ABERTO na terça-feira 16 de junho. Participaram da conversa Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), Cristiano Lauretti, sócio da gestora Kinea Investimentos, e Luciana Antonini Ribeiro, sócia-fundadora da gestora EB Capital e colunista da revista.
Um dos desafios é a ainda incipiente cultura de investimento em private equity no Brasil quando se compara esse segmento ao crédito concedido por bancos e à emissão de ações, por exemplo. Segundo a compilação mais recente da Abvcap, feita com dados de 2018, o investimento em private equity no País correspondia a 0,2% do PIB — relação bastante inferior à registrada no Reino Unido (2,07%) e nos Estados Unidos (1,83%).
Na avaliação de Minardi, os efeitos econômicos da pandemia de covid-19 tornaram mais evidente a importância do investimento corporativo privado quando se pensa no longo prazo. “Linhas de crédito bancário são mecanismos que vencem em meses, não configuram uma estrutura de capital sustentável para um processo de crescimento e reestruturação a longo prazo. Já o private equity oferece tanto o financiamento de forma sustentável quanto a maturidade de estrutura necessária para auxiliar o empreendedor nesse processo”, afirma. Diferentemente de um credor, o investidor de private equity entra no negócio como sócio, disposto a compartilhar os riscos do empreendimento por um longo período, geralmente entre cinco e dez anos.
Lauretti observa que o investimento em private equity é, além de mais estruturado, resiliente. “Uma análise de crises passadas mostra um desempenho consistentemente melhor do private equity quando comparado à renda variável nessas situações”, destaca. Ressalvando o fato de a crise atual ter características inéditas, o sócio da Kinea diz que o investimento privado tem potencial para repetir as boas métricas do passado. “Ninguém estava preparado para o que estamos vivendo. Mas, por mais que a retomada pós-pandemia seja incerta, o histórico das crises anteriores indica manutenção da boa performance.”
Dificuldade na saída via bolsa
A resiliência inerente ao private equity, no entanto, não foi suficiente para eliminar as consequências deletérias da pandemia, principalmente no início da crise. Como é habitual nesse segmento, muitos fundos e investidores contavam com a bolsa de valores como porta de saída para seus negócios — ou seja, esperavam que a empresa investida abrisse capital para poderem vender suas participações com lucro. Pois a pandemia fechou essa porta. “Tínhamos previsto ao menos um IPO [oferta pública inicial de ações] para cada dia de abril, expectativa que evaporou de uma hora para a outra”, relata o presidente da Abvcap. Não havia mesmo clima para novatas no mercado brasileiro: entre janeiro e março de 2020 o Ibovespa acumulou perda de 36,86%, a pior queda trimestral da história. O índice chegou a um piso de 63.569 pontos.
Passados alguns meses, a impressão geral no mercado de capitais é de que a retomada já começou. As bolsas internacionais têm reagido com menos volatilidade às pressões da pandemia, e o Ibovespa aproveitou o embalo para avançar rapidamente entre maio e junho, recuperando a marca dos 95 mil pontos. Na última semana, o índice acumulou alta de 4%, impulsionado pela baixa consistente na Selic — que, com o corte de 3% para 2,25% ao ano determinado pelo Banco Central, renova sua mínima histórica. Com juros tão baixos, os investidores precisam buscar mais risco para garantir retornos melhores que os da renda fixa, o que têm chances de encontrar no mercado acionário.
“O que observamos é um mercado de negociação recuperado, que está pronto para voltar a receber aberturas de capital tanto de grandes empresas investidas de private equity quanto de pequenos e médios negócios”, avalia a sócia-fundadora da EB Capital, gestora especializada em middle market. Ribeiro afirma que a tendência de listagem de negócios menores, que se desenhava em 2019, também deve retornar aos poucos no pós-pandemia.
A opinião é compartilhada por Lauretti, que enxerga nos IPOs uma janela aberta também para os grandes investidores institucionais — eles respondem por metade do capital investido em private equity no País, segundo dados da Abvcap. “Juros em baixa reforçam a busca por investimento em economia real. Nessa conjuntura, faz muito sentido ter um sócio para se dividir risco. É uma oportunidade principalmente para investidores institucionais como fundos de pensão, que podem se tornar parceiros de equity de um bom negócio com potencial de crescimento”, ressalta.
Investidor estrangeiro se afasta
Pouco vale o otimismo com a retomada dos mercados, entretanto, se o investidor estrangeiro continuar afastado pela imagem que o Brasil tem construído aos olhos de fora. Balanço de 2018 da Abvcap indica que, dos 153,7 bilhões de reais alocados em private equity no Brasil, 66% vinham do bolso de investidores externos. Logo, a possível saída desses aportes é vista com preocupação pelos gestores. “A imagem que estamos mostrando ao mundo é péssima, sobretudo pelo grande número de casos de covid-19 no País. Em reuniões para apresentação de resultados, é recorrente passarmos mais tempo explicando medidas de controle da pandemia por aqui do que falando efetivamente da situação das empresas”, comenta Lauretti.
A situação é ainda mais complicada para gestores cujos fundos dependem do câmbio. É o caso de Minardi que, além de presidir a Abvcap, atua na gestora global Warburg Pincus. “A imagem não ajuda, mas o que mais prejudica o investidor estrangeiro é o retorno. Com a desvalorização do real, os fundos denominados em dólar vão ter a performance muito prejudicada ao longo dos próximos cinco anos”, explica.
Caminhos para o futuro do private equity
Ainda que os desafios estejam à altura da crise que já se instalou e de suas implicações, na opinião de Minardi, Lauretti e Ribeiro a relevância e o bom histórico do Brasil no setor de private equity devem ser suficientes para a superação das adversidades. “Mesmo com toda a instabilidade atual, é possível conquistar o interesse tanto do investidor estrangeiro quanto do institucional quando se tem bons projetos”, defende a sócia da EB Capital.
Por bons projetos Ribeiro entende o que classifica como “negócios transformacionais”. Trata-se de iniciativas que resolvem lacunas estruturais do País e que, por isso, são imunes à natureza cíclica da economia. “É o caso, por exemplo, da conectividade. Cerca de metade dos brasileiros não tem acesso à tecnologia de banda larga. Num momento em que passamos a depender tanto do digital, o acesso à internet se torna uma necessidade ainda maior”, sublinha. Também tendem a ter essa imunidade setores como e-commerce, logística, pagamentos, educação a distância e saúde, cuja demanda aumentou sensivelmente por causa do isolamento social imposto pela pandemia.
Ribeiro reforça, ainda, que a atual circunstância enseja a participação do private equity como aliado na retomada da economia, na “direção correta”. “É cada vez maior a pressão dos investidores pela adoção de um viés sustentável, que abarque todos os stakeholders, e o movimento se consolidou com a pandemia do novo coronavírus. Diante desse cenário, o private equity como indústria deve refletir sobre como pretende colaborar com a transformação em direção a um novo capitalismo”, completa.
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