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Guerra na Ucrânia expõe o dinheiro negligente
Empresas e investidores enfrentam as consequências de terem tapado olhos para os disparates de Vladimir Putin
Guerra na Ucrânia expõe negligência do mercado
Entre os maiores detentores de títulos de dívida da Rússia estão fundos de investimento geridos por Allianz, BlackRock | Imagem: freepik

A invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro, estarreceu o mundo. Nos mercados financeiro e de capitais, o episódio adicionou camadas de complexidade à já delicada tarefa dos bancos centrais de controlar a inflação. Fundos de investimentos bilionários foram congelados, deixando investidores à deriva, e companhias abertas internacionais tampouco escaparam dos bombardeios. Sanções impostas à Rússia, que proíbem desde transações financeiras a exportações, obrigaram gigantes como Dell Technologies, Apple, Exxon Mobil e Ford a interromperem suas operações no país. Sem uma perspectiva clara de quando o conflito poderá acabar, gestores de recursos e empresas agora são obrigados a dar o braço a torcer: eles minimizaram os riscos de investir numa nação governada por um presidente autoritário como Vladimir Putin.

Erro de cálculo

A representatividade da Rússia no grupo de mercados emergentes diminuiu na última década, devido à migração dos fluxos de capital para a Ásia. Mas, para alguns dos maiores fundos de investimento do mundo, o mercado russo permaneceu popular graças ao crescimento de uma classe média abastada, às finanças estatais sólidas e ao valor atraente dos ativos. Recentemente, com o aumento dos preços das commodities, os ativos russos tornaram-se ainda uma proteção contra pressões inflacionárias.

Dados do banco central do país mostram que a soma do capital estrangeiro investido na Rússia, tanto em ações como em títulos de dívida, gira em torno de 150 bilhões de dólares. Atualmente, entre os maiores detentores de títulos de dívida da Rússia estão fundos de investimento geridos por Allianz, BlackRock, Capital Asset Management, Western Asset Management e Vanguard. Juntas, essas gestoras têm 7,4 bilhões de dólares alocados nesse tipo de ativo. E mesmo diante das ameaças de Putin à Ucrânia, grande parte delas manteve suas apostas nesses papéis. “A verdade é que ninguém esperava ver mísseis de guerra lançados na Europa em 2022”, afirmou Dominic Armstrong, chefe executivo da Horatius Advisory, ao Financial Times.

Os investidores de ações também foram pegos de surpresa. Um dos maiores da categoria, o Invesco Developing Markets Fund, tinha 9% de seus 43 bilhões de dólares alocados em ações de companhias russas no fim de 2021. Em janeiro, mesmo com o termômetro esquentando no leste europeu, o gestor do fundo, Justin Leverenz, descartou o perigo dos efeitos da guerra no preço dos ativos e argumentou que as ações russas eram uma “aposta barata e simétrica”. O Calpers, maior fundo de pensão dos Estados Unidos, igualmente se equivocou em suas análises: para melhorar as chances de retorno, aumentou sua exposição em mercados emergentes em novembro passado e ultrapassou a marca de 900 milhões de dólares em ações russas.

Nem é preciso dizer que os erros de ambos vêm custando caro aos cotistas. Após a eclosão do conflito, o mercado acionário de Moscou registrou a maior queda de sua história. O índice RTS, baseado em dólar, caiu 38% na quinta-feira, 24. No dia seguinte, houve uma recuperação parcial, mas o indicador continua instável, à medida que novas sanções são impostas à Rússia por potências ocidentais. Pesquisadores, no entanto, classificam as represálias como “cosméticas”, pois poupam o setor energético do país, do qual parte da Europa é fortemente dependente.

Ainda assim, seus efeitos colaterais estão longe de serem desprezíveis. A expulsão de bancos da Rússia do sistema Swift, que padroniza as informações financeiras mundiais e permite a transferência de dinheiro entre instituições bancárias em todo o mundo, impede os investidores de negociar ativos russos, tanto no mercado externo quanto no interno.

Diante dessa amarra, até o dia 2 de março, pelo menos 22 assets, com cerca de 4,42 bilhões de dólares alocados em fundos com foco na Rússia, anunciaram o congelamento de resgates. Entre elas estão BlackRock, JP Morgan, BNP Paribas, Franklin Templeton, Amundi e UBS. Até agora, os investidores não têm previsão de quando poderão recuperar o capital.

E as más notícias não param de chegar. Na última quinta-feira 3, tanto a Fitch quanto a Moody’s rebaixaram a nota de crédito soberano da Rússia para o território de lixo (“junk”), destacando sérias dúvidas quanto à capacidade de Moscou de honrar suas obrigações após a imposição de penalidades econômicas e financeiras ao país. Em comunicado, a Fitch afirmou que as sanções ocidentais, além de terem impulsionado uma forte desvalorização do rublo, “aumentaram marcadamente o risco de uma ampla perda de confiança doméstica, provocando saídas de depósitos bancários e dolarização”. Para ambas as agências de classificação de risco, as sanções aos bancos russos provavelmente serão ampliadas.

Evitar a política?

À medida que as perdas e consequências econômicas do conflito se multiplicam, agentes do mercado são obrigados a admitir que, ao fazerem negócios com o País, ignoraram riscos evidentes. Apesar das atitudes condenáveis do governo Putin em diversas searas, desde a perseguição criminosa a adversários políticos até ações militares em suas fronteiras, bancos de investimento, gestoras de recursos e grandes empresas internacionais não deixaram de se relacionar com Moscou. A eclosão do conflito na Ucrânia foi, para eles, um choque de realidade. E agora a manutenção de laços com o País se torna a cada dia mais insustentável.

Inicialmente, o Norges Bank Investment Management (NBIM), maior fundo soberano do mundo, mostrou-se relutante em liquidar 3 bilhões de dólares em ativos russos após a eclosão da guerra. “O mercado de ações de Moscou despencou nos últimos dias; se vendermos as ações agora, os oligarcas russos poderão comprá-las a custos baixíssimos”, defendeu Nicolai Tangen, diretor executivo do fundo, que tem 1,3 trilhão de dólares sob gestão. O governo norueguês, entretanto, rechaçou a possibilidade de manter investimentos no país, afirmando que o ataque russo à Ucrânia “desafia normas, valores e princípios de sociedades democráticas”. Após o posicionamento do governo, o NBIM anunciou o congelamento do fundo e o início da liquidação dos ativos.

A BP, multinacional britânica de petróleo e gás, também decidiu retirar investimentos da Rússia. A empresa faz negócios no país há três décadas e detém uma participação de 19,75% na gigante russa Rosneft. Durante anos a BP resistiu à pressão de investidores que condenavam os passivos de sustentabilidade da Rosneft. Mas o motivo da permanência era óbvio: cerca de um terço da produção da gigante britânica é proveniente da empresa.

Durante a anexação da Crimeia em 2014, grandes exploradoras de combustíveis fósseis na Rússia buscaram dissociar suas operações no país das ações militares de Moscou, defendendo que negócios e política não se misturam. Em fevereiro deste ano, o CEO da BP, Bernard Looney, ainda argumentava que a empresa poderia “evitar a política” na Rússia — posição que se mostrou uma utopia no último dia 24.

A BP ainda não disse como planeja se desfazer de sua participação na Rosneft, que resultará num impacto de até 25 bilhões de dólares nos resultados do próximo trimestre. O anúncio foi seguido por Shell e Equinor, que decidiram encerrar joint ventures em território russo e abandonar a maior parte de suas operações no país. A expectativa é que outros grandes players do setor de petróleo e gás sigam o exemplo.

Mais um teste para o ESG

A guerra entre Rússia e Ucrânia também desmascarou incoerências dentro da indústria ESG, teoricamente comprometida com o cumprimento e a disseminação de princípios ambientais, sociais e de governança. De acordo com levantamento feito pela Morningstar Inc., cerca de 14% dos fundos com perfil ESG estão diretamente expostos à Rússia, tendo investimentos em gigantes de petróleo e gás como Rosneft, Gazprom e Lukoil.

“Assim como as pessoas não queriam seu dinheiro investido na África do Sul durante o apartheid, você acha que elas vão querer ter seu dinheiro investido na Rússia considerando a brutal invasão e a subjugação da Ucrânia?”, questiona Fiona Hill, integrante do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos durante os governos Bush, Obama e Trump. “As empresas ocidentais, os planos de pensão e os fundos mútuos que investem na Rússia deveriam se retirar do país”, ressalta.

A provocação feita por Hill vem em boa hora. Talvez com as imagens das barbáries causadas pela guerra frescas em suas mentes, investidores e empresas coloquem a mão na consciência e reflitam. Outros momentos da história já mostraram que não vale a pena manter laços com um governo autoritário e acusado de violações flagrantes aos direitos humanos.

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