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Fim do desperdício de alimentos vira negócio
Grandes empresas e startups trabalham para reaproveitar insumos e reorganizar cadeias de produção e distribuição
Fim do desperdício de alimentos vira negócio
Garantir a redução de descarte excessivo e desnecessário é fundamental para reduzir a fome no mundo, o desperdício de recursos e o aquecimento global | Imagem: freepik

Há cerca de cinco anos, na Dinamarca, país que está sempre na vanguarda quando se trata de inovações sustentáveis, foi inaugurado um supermercado totalmente fora dos padrões. Nas gôndolas e prateleiras, apenas mercadorias com prazo de validade vencido, mas ainda seguras para o consumo, e produtos in natura “feios” — plenos de vitalidade e nutrientes, mas sem valor comercial por causa de uma questão meramente estética. A ideia, depois replicada em outros países, representa um dos braços de uma atividade que já vem sendo considerada um setor econômico, e que está em ebulição: os negócios voltados à redução do ainda absurdo montante de comida desperdiçada no mundo todos os anos. 

Ao lado do varejo, compõem esse novo segmento indústrias que reaproveitam matérias-primas que seriam descartadas, startups criadoras de soluções logísticas para conectar produtores e consumidores e agricultores interessados em tornar sua produção mais ambientalmente correta. Todas pontas que precisam de financiamento e que, em alguns casos, já têm contado com aportes de companhias tradicionais e de investidores de impacto ou com recorte ESG. O propósito básico desses negócios é reduzir — ou, utopicamente, eliminar — o descarte de alimentos que poderiam ser consumidos. 

1,3 bilhão de toneladas no lixo 

De acordo com o World Food Programme das Nações Unidas, aproximadamente um terço da comida produzida no mundo é desperdiçada todos os anos, o que equivale a 1,3 bilhão de toneladas ou, em termos financeiros, a astronômicos 1 trilhão de dólares. Apenas nos Estados Unidos, 35% dos alimentos ou não são vendidos ou não são consumidos, uma montanha de 408 bilhões de dólares (o mesmo que 2% do PIB do país), segundo dados compilados pela ReFED, organização sem fins lucrativos que milita na redução do desperdício. 

Se os argumentos econômicos não são suficientes para convencer alguém da relevância da questão, pode funcionar lembrar que, ao mesmo tempo, uma a cada três pessoas passa fome ou sofre com algum tipo de desnutrição no mundo — e, evidentemente, não por falta de oferta. No Brasil, a crise da pandemia, agravada pela inflação em alta, gera tristes episódios de desespero de pessoas famintas que se veem todos os dias nos noticiários. 

Emergência climática 

No combate à emergência climática, garantir essa redução de descarte excessivo e desnecessário é igualmente fundamental, à medida que boa parte do desperdício ocorre ainda no campo. É mais comum do que se imagina agricultores simplesmente deixarem apodrecer nas lavouras frutas, legumes e verduras que, por algum motivo, não passariam pelo controle de “qualidade” (na maior parte das vezes, baseado apenas na aparência dos produtos) dos compradores. O problema é que a decomposição dessa matéria orgânica nessas condições emite enormes quantidades de metano, um gás de efeito estufa ainda mais potente que o dióxido de carbono. 

Ainda sob a perspectiva ambiental, faz pouco ou nenhum sentido usar terra, água, fertilizantes e agrotóxicos (subprodutos de combustíveis fósseis, vale lembrar), investir em transporte e distribuição de mercadorias que, se não vendidas, vão parar em aterros sanitários ou lixões (gerando mais metano na atmosfera). Para voltar ao exemplo dos Estados Unidos, o desperdício de alimentos corresponde a 4% das emissões de gases de efeito estufa do país. Um verdadeiro tiro no pé. 

Em busca de escala e recursos 

Embora no mainstream da indústria de alimentos e das redes de varejo essa discussão ainda não tenha alcançado a intensidade necessária, há muitas empresas pensando em soluções para interromper essa dinâmica nefasta e em maneiras de fazê-las ganhar escala. Essa é a base das operações de numerosas pequenas indústrias que operam com reaproveitamento, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.  

Várias boas ideias têm proliferado nessa área. Até 2019, a ReFED já havia mapeado cerca de 70 empresas e organizações que, com algum alcance, colocavam no mercado produtos feitos com base em matérias-primas que normalmente seriam descartadas. A Wtermln Wtr engarrafa suco de melancias que, por não atenderem a padrões do varejo, seriam degradadas na plantação; a RenewalMill produz farinhas usando como insumo subprodutos da fabricação de leites vegetais; a Sir Kensington’s oferece “maionese” de aquafaba, a água do cozimento do grão-de-bico que a indústria usa para produzir homus e falafel; a White Moustache desenvolveu um probiótico partindo do soro que sobra da desidratação de iogurte para fabricação de iogurte grego. 

A lista de soluções inovadoras e criativas é imensa, e conta também com algumas iniciativas no Brasil, como as selecionadas para um programa de aceleração de startups patrocinado pelo Instituto BRF e desenvolvido em parceria com a aceleradora de impacto Quintessa. Diferentemente do que acontece no exterior, onde as ideias estão mais ligadas à indústria, por aqui têm destaque os negócios que tentam melhorar as relações entre as cadeias produtiva e de distribuição. 

A Connecting Food, por exemplo, faz gestão de alimentos que perderam seu valor de mercado, mas que ainda podem ser doados. Ela atende em torno de 400 lojas da rede Pão de Açúcar. Cabe ressaltar que, do ponto de vista exclusivamente dos custos, muitas vezes vale mais a pena para o varejo descartar alimentos do que selecionar o que poderia ter um destino mais digno, ético e correto que o aterro. É nessa lacuna que atuam iniciativas como a da startup. Outras operações selecionadas para o programa da BRF (o Ecco Comunidades) são a Why Waste (que ajuda o varejo a reduzir perdas ocasionadas por validade com orientação de dados), a ManejeBem (que oferece assistência técnica voltada à redução de desperdício para pequenos produtores rurais) e a Eats for You (market place de refeições caseiras). Embora essas startups existam, no caso do setor de alimentos elas precisam ser mais numerosas. A BRF recebeu 59 inscrições na chamada para a aceleração, mas em outros segmentos os interessados chegam às centenas. 

Como em qualquer outra atividade econômica, financiamento é essencial para a redução do desperdício de comida. A RedFED estima que sejam necessários aportes anuais de 14 bilhões de dólares — sendo 7,1 bilhões de empresas, 1,4 bilhão de venture capital e 1,1 bilhão do private equity, só para citar as fontes principais — para que ideias e soluções criativas e disruptivas nessa área  prosperem e se perpetuem. Para isso, no entanto, elas terão que crescer junto com o conceito de investimento de impacto e com as demandas ESG. Ou seja, em escala industrial, e não a passos de formiguinha. 

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