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Fenômeno “everything bubble” preocupa investidores
Alta da taxa de juros e aperto monetário aumentam as chances de diversas bolhas estourarem ao mesmo tempo
Everythinhg bubble: Alta da taxa de juros e aperto monetário aumentam as chances de diversas bolhas estourarem ao mesmo tempo
Muitos ativos financeiros já apresentam quedas expressivas, deflagrando um movimento que causa apreensão entre os investidores — Imagem: freepik

Os mercados financeiro e de capitais podem estar vivendo à sombra de uma bomba-relógio devastadora, e especialistas acreditam que ela está prestes a explodir. Na última década, a maior parte dos ativos registra altas significativas. Ações de empresas de tecnologia, por exemplo, se valorizaram cerca de 1.104% em 15 anos, segundo a Bloomberg. A Apple, que no fim dos anos 2000 era avaliada em 4,5 bilhões de dólares, hoje tem um valuation de 3 trilhões de dólares. Um único bitcoin, que em 2009 sequer dava para comprar uma pizza, hoje custa cerca de 46,5 mil dólares, alta de 16.140% em sete anos. Preocupante, esse fenômeno foi apelidado pelo mercado de “the everything bubble” ou “a bolha de tudo”, numa tradução livre. Embora alguns especialistas considerem a expressão exagerada — e outros sequer admitam que existam sinais de bolha —, fato é que muitos ativos financeiros já apresentam quedas expressivas, deflagrando um movimento que causa apreensão entre os investidores.

Os primeiros sinais de preocupação surgiram em fevereiro do último ano, quando os preços dos ativos começaram a despencar. De lá para cá, as quedas se aprofundaram, principalmente diante dos anúncios do Federal Reserve (Fed) — o último feito em janeiro deste ano —, de que vai antecipar a alta dos juros e diminuir de forma mais rápida a sua compra de títulos no mercado americano. As medidas visam frear a alta da inflação — um problema já considerado global — por meio da redução da disponibilidade de dinheiro e de crédito na economia. Nos últimos dois anos, para conter os estragos provocados pela pandemia de Covid-19, os bancos centrais lançaram programas multibilionários de compra de títulos. Boa parte desses recursos escoou para os mercados financeiros e de capitais e gerou uma liquidez excessiva, responsável pela alta dos ativos.

“Agora, a redução dessa liquidez fará com que tanto o prêmio de risco quanto as taxas de juros aumentem, o que continuará a gerar um impacto desproporcional sobre os preços dos ativos mais arriscados”, avalia Jay Hatfield, gerente de portfólio da Infrastructure Capital Advisors. Em entrevista à Bloomberg, ele afirmou que os criptoativos, por não possuírem valor intrínseco, devem ser especialmente afetados — o que já vem acontecendo. Somente na primeira semana de 2022, o bitcoin caiu cerca de 40%, após atingir um recorde de quase 69 mil dólares em novembro de 2021. Já a ether, segunda maior criptomoeda em valor de mercado, sofreu queda de 35% nesse mesmo período, ante o valor máximo de sua cotação em novembro.

Na visão de estrategistas do Bank of America, diversas bolhas já estão estourando simultaneamente, o que inclui commodities como o paládio, criptomoedas, ações de tecnologia e outros ativos de risco, como as meme stocks. Um exemplo de como os ativos de tecnologia vêm perdendo valor rapidamente é o ETF Disruptive Innovation, fundo do índice gerido pela Ark Investment Management focado em empresas de tecnologia disruptiva. Ele desvalorizou 46% no começo deste ano desde o seu pico em fevereiro de 2021, após sucessivas sinalizações de aperto monetário pelo Fed prejudicarem o preço de papéis de empresas predominantes no fundo — entre elas, a fabricante de carros elétricos e autônomos Tesla e a provedora de serviços de streaming Roku.

Diante desse cenário, o estrategista-chefe global do Morgan Stanley, Rushir Sharma, classifica o estouro das bolhas como uma tendência de 2022. Em sua opinião, elas se formaram não só nos universos das criptomoedas e das empresas de tecnologia sem lucro, mas também nos segmentos de fontes de energia limpa e de empresas de aquisição de propósito específico (Spacs). “Nos últimos 12 meses, esses ativos testemunharam quedas de 35% ou mais em relação a seus picos, uma linha além da qual as bolhas raramente se recuperam. Mas há esperança: na área de tecnologia, bolhas como essas geralmente deixam para trás alguns sobreviventes, potencialmente, gigantes”, observa.

O lado produtivo das bolhas

Não é só o termo “the everthing bubble” que ganha popularidade no mercado financeiro. Muito se tem falado também sobre a “Web3”, uma abreviatura de Web 3.0, que por sua vez é uma abreviatura para tudo que vai da blockchain e criptomoedas aos aplicativos de investimentos de varejo orientados por memes e metaverso. Disruptivas, essas novas tecnologias devem atrair ainda muitos investimentos e, consequentemente, especuladores, o que torna esses ativos extremamente propensos à formação de bolhas. Algumas delas, no entanto, podem ter um lado positivo, conforme defende a analista econômica Rana Foroohar.

Em sua coluna para o Financial Times, Foroohar, que é autora do livro Makers and takers: the rise of finance and the fall of American business, observa que a especulação é uma parte natural do desenvolvimento e da adoção de novas tecnologias transformadoras. Também pondera que, enquanto algumas bolhas são improdutivas, como a imobiliária, que foi a base da crise financeira de 2008, outras desvendam oportunidades. Dois exemplos: a bolha das ações da década de 1920, que desencadeou a Depressão, e ajudou a bancar e disseminar o rádio, o telefone, a aviação e a eletricidade, e a bolha das ponto.com, que abriu espaço para empresas como Amazon, Apple, Oracle e Microsoft se desenvolverem. “Essas ‘bolhas produtivas’ aparecem com efervescência, mas também criam valor de longo prazo em economias inteiras”, ressalta Foroohar. “A questão para os investidores hoje, especialmente enquanto os bancos centrais recuam na oferta de dinheiro fácil que possibilitou a mais recente era das avaliações vertiginosas de empresas de tecnologia, é o que sobrará quando a bolha Web3 eventualmente estourar. O que terá valor real e qual será o destino dos ex-queridinhos da Web 2.0?”

Cabe a cada investidor encontrar as respostas para essas perguntas, mas Foroohar tem alguns palpites. Segundo ela, os investidores deveriam prestar menos atenção no metaverso e mais nas empresas que usam o capital para construir os ativos tangíveis do futuro, a exemplo da Tesla, com os seus carros elétricos. A analista também se mostra otimista com as empresas que vêm explorando a internet das coisas, os grandes varejistas que usam a automação para assumir o controle de suas cadeias de abastecimento e as companhias que desenvolvem soluções para adoção do 5G, da inteligência artificial e das tecnologias limpas.

Se a formação — e o estouro — das bolhas é inevitável, o único conforto parece ser mesmo pensar que esses fenômenos podem gerar algo de produtivo para a economia. No mínimo, eles ajudarão os investidores na tarefa nem sempre óbvia de separar o joio do trigo.

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