O início da noite do dia 28 de outubro de 2018 vai ser lembrado por muitos anos. Assim como o apito final de uma grande decisão futebolística, que tanto move paixões entre os brasileiros, o resultado do segundo turno da eleição presidencial era aguardado ansiosamente — pelas duas “torcidas”. Em campo, candidatos com visões distintas e capacidade de levar os mercados para direções completamente opostas. Com a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), visto pelo mercado financeiro como o mais identificado com pautas liberais como a abertura comercial e as reformas, a expectativa — ao menos no curto prazo — é de que a bolsa brasileira siga trajetória de valorização. Os investidores tentam antecipar o tão aguardado movimento de recuperação da economia que seria catapultado pela agenda econômica conduzida pelo guru econômico do novo presidente, o ex-banqueiro Paulo Guedes.
Assumidamente leigo em temas econômicos, Bolsonaro pretende entregar a Guedes o comando do futuro superministério da Economia, que agregará Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio Exterior, transformando o economista num dos homens mais poderosos do País, mesmo sem nunca ter atuado em qualquer governo. Ele fundou o banco de investimentos Pactual e foi um dos formuladores da organização de ensino Insper. “Bolsonaro ganhou mais crédito com sua escolha para ministro da Economia. Os discursos de Guedes estão alinhados com uma abordagem mais pró-empresa e favorável ao mercado”, afirma Frederico Sampaio, diretor de investimentos da Franklin Templeton Emerging Markets Equity Brazil. “Guedes falou sobre a necessidade de privatizar, reduzir agressivamente o déficit fiscal e melhorar a eficiência da economia. Esse é o tipo de mensagem que o mercado queria ouvir”, acrescenta.
Como num casamento, Bolsonaro e Guedes trocaram alianças. Pretendem, de mãos dadas, seguir em duas frentes: encontrar soluções para fazer o Brasil voltar a crescer e aprovar uma série de medidas impopulares no Congresso Nacional. A velocidade e a assertividade das medidas serão essenciais para garantir que a lua de mel pós-eleições se perpetue. “O governo tem de 6 a 12 meses para se provar ao mercado. Se daqui um ano as coisas não estiverem encaminhadas para a reforma da Previdência, pode haver uma reversão no ânimo dos investidores”, avalia o economista-chefe do Grupo Confidence, Robério Costa.
Para não perder tempo, Guedes já articula a tentativa de retorno da proposta de reforma previdenciária elaborada pelo governo de Michel Temer (MDB) ao Congresso Nacional, para que o texto seja aprovado ainda neste ano. “Do ponto de vista econômico, quanto mais rápido melhor”, declarou. “Nós estamos atrasados. Essa reforma deveria ter sido feita lá atrás.”
Além da aprovação da reforma da Previdência, tema indigesto que pode retornar à pauta em meio à renovação de 52% dos deputados no Congresso (o maior percentual em 20 anos) — o que aumenta a incógnita sobre o desfecho da votação —, manter a PEC do Teto dos Gastos e a reforma trabalhista são essenciais para a manutenção do bom humor do mercado. Parte da reação positiva na bolsa e no câmbio à derrocada de Fernando Haddad (PT) decorre do fato de que o candidato de esquerda manifestava-se contrário a essas medidas. “Toda a resposta está no quadro fiscal brasileiro, que vai definir se teremos anos mais prósperos ou não”, observa o gestor da LIS Capital, Tito Ávila.
Oportunidades
Enquanto o governo Bolsonaro tem a chancela do mercado, mantém-se a safra de oportunidades. O Ibovespa saltou dos 74.686 pontos no dia 13 de setembro — quando as pesquisas apontavam a derrota ou empate técnico do então candidato do PSL em praticamente todos os cenários de segundo turno — para recordes 88.419 pontos em 1º de novembro — uma valorização de 18,4%. Se considerada a cotação do real em relação ao dólar, a escalada é ainda maior: 33,1%. No mesmo período, a moeda americana recuou de 4,19 reais para 3,69 reais, o que representa uma depreciação de 11,9%. “Há muito valor a ser extraído dos ativos, de forma geral. Essa é uma festa de longo prazo e não é preciso se desesperar”, comenta o gestor da GTI André Gordon. Para ele, em razão do cenário de incertezas eleitorais, o índice da bolsa brasileira perdeu muitas oportunidades de crescimento, ao não acompanhar o mercado acionário americano, que se valorizou após a posse de Donald Trump.
“O mercado deve dar o benefício da dúvida para Bolsonaro, antevendo um governo reformista e liberal, o que poderia levar a bolsa a 90-100 mil pontos até o fim do ano”, escreveram analistas da XP Investimentos, em relatório sobre os cenários pós-eleições. De acordo com eles, caso as reformas se materializem ao longo de 2019, o Ibovespa pode atingir entre 120 e 130 mil pontos; ao passo que se elas não ocorrerem, ficaria entre 75 e 85 mil pontos.
Em um cenário de volta de crescimento, câmbio apreciado e juros baixos, as prioridades da XP para investimento em ações são B2W e Lojas Americanas (varejo), Gol (aviação), Bradesco e Banco do Brasil (bancos), Usiminas (siderurgia) e Localiza (locadora de veículos). Para o gestor de recursos da LIS Capital, boas oportunidades estão em empresas do ramo da construção civil e de imóveis comerciais, além das varejistas. Na GTI, algumas oportunidades indicadas podem vir de Copel (energia), Sabesp (saneamento), Alliar (saúde), Guararapes (varejo), Sonae Sierra e BR Malls (shopping centers).
Obstáculos
Na avaliação geral, o discurso do futuro governo está afinado com o do mercado, mas a sintonia precisa ir além, migrando para a economia real, sobretudo na geração de postos de trabalho, motor que reaquece o consumo e a produção. De acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, a taxa de desemprego em setembro deste ano era de 11,9%, uma melhora frente ao pior momento observado nos últimos anos, de 13,7% em março de 2017, mas muito longe do chamado “pleno emprego”. Como comparação, essa taxa era de 6,2% em dezembro de 2013.
Crítico da “agenda liberal” de Guedes, o economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda avalia o que está sendo proposto como “mais do mesmo”. “Querem fazer o ajuste fiscal para depois retomar a confiança e com isso a economia voltar a crescer, gerando empregos. Esse caminho já foi testado por vários personagens, inclusive pelo ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, Joaquim Levy, e não se viabilizou”, observa. Na visão do professor, a questão fiscal só se resolverá de fato quando houver uma retomada da economia, com a volta da produção, do consumo e dos investimentos. “Ninguém toma decisões nessas esferas só porque adquire mais confiança na economia. E com base no que já foi dito até agora, não vejo no plano de governo de Bolsonaro uma retomada do emprego e da renda”, diz. Neste momento, avalia, seria imprescindível que o Estado participasse na recuperação da demanda, contrapondo-se à restrição de gastos das empresas e famílias.
Enquanto uma solução para a retomada da economia não emerge, o País continua a ser assombrado pelo fantasma que é o crescimento da dívida bruta — ela chega a 5,22 trilhões de reais, representando 77,3% do PIB. Em dezembro de 2013, esse índice era de 51,5% do PIB. “Passamos por uma eleição em que não se debateu propostas e agora nos deparamos com uma questão fiscal gravíssima, com a dívida bruta podendo chegar aos 80%, 90% do PIB. E como vamos resolver esse problema?”, questiona o coordenador do centro de finanças da FGV William Eid, reforçando que se essa situação não for contornada, novos rebaixamentos das notas do País por agências de classificação de risco podem ocorrer. “O mercado está superavaliando o fenômeno Bolsonaro. Criou-se uma euforia com a possibilidade de sua eleição, mas, com o que foi sinalizado até agora, ela não deve perdurar”, sentencia Lacerda.
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