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Bolha no Oriente
Por que os analistas estão tranquilos diante do desaparecimento de US$ 3 trilhões da Bolsa de Xangai

bolha-no-orienteJúpiter é enorme, cerca de 318 vezes maior que a Terra. Nosso planeta caberia em uma pequena região jupteriana, chamada de mancha vermelha. Entretanto, comparado com a via láctea, o planeta é nada. É menos de um grão de areia. A Bolsa de Xangai, na China, desabou 30% entre 12 de junho e 9 de julho, e estima-se que mais de US$ 3 trilhões tenham evaporado com essa rápida queda. Antes de se apavorar com esses dados, é bom lembrar de Júpiter: cifras grandiosas podem não ser tão significativas quando colocadas em perspectiva. O estouro da bolha chinesa foi espetacular, principalmente se transpusermos aqueles números para o mercado brasileiro. Analisada em seu contexto, contudo, a bolha serviu mais para expor as fragilidades do mercado chinês do que para estremecer os mercados globais.

Para relativizar a queda: se você tivesse investido R$ 100 no índice da Bolsa de Xangai em 5 de janeiro deste ano, teria, em 12 de junho, R$ 152 no bolso. Se tivesse aplicado o mesmo valor em 1º de junho do ano passado, estaria mais feliz ainda: eles teriam se transformado em R$ 250. Por fim, se tivesse investido R$ 100 na mesma época e vendido as ações em 9 de julho, quando o índice chegou ao ponto mínimo depois da alta vertiginosa dos seis primeiros meses do ano, tampouco estaria triste: teria R$ 182. Apenas a título de comparação: R$ 100 investidos em junho de 2014 no Ibovespa teriam virado R$ 108 em 8 de julho — o dia 9, quando as bolsas atingiram o ponto mínimo, foi feriado no Brasil, mas nos dias anteriores, o mercado mundial já sentia os efeitos da instabilidade chinesa. Na bolsa de Shenzhen, que desabou 40% nos 27 dias de queda, a situação teria sido semelhante.

Ou seja, a menos que o investidor tenha dado o azar de comprar na alta e vender na baixa com dinheiro emprestado, não há tantos motivos para espernear. Ainda assim, o rompimento da bolha evidenciou certo descontrole na maior economia mundial. E, atrás dele, uma fórmula com intervenção do governo, falta de opção de investimentos, bolha imobiliária e um conjunto robusto de reformas financeiras.

Poupança sem opções
Vale entender as finanças de um chinês médio. De acordo com dados do Banco Mundial, a cada 100 yuans que ele ganha, poupa 50. As teses para explicar o fenômeno são muitas. Vão dos aspectos culturais — os chineses são muito preocupados com os custos de planos de saúde, educação e aposentadoria, por isso economizam — até as anomalias demográficas — existe cerca de um quinto a mais de homens do que mulheres na China, por isso eles acumulam riqueza para se diferenciar aos olhos das cobiçadas esposas. Sejam quais forem as razões, o chinês tem pouco o que fazer com esse dinheiro: o país não tem uma indústria de fundos desenvolvida, e a poupança rende menos de 0,4% ao ano, segundo levantamento feito pelo site Deposits.org.

Para dinamizar o mercado de capitais da China, o governo quer criar um ambiente de renda fixa, tanto para crédito corporativo como para dívidas do país e de municípios. Um relatório do Goldman Sachs publicado em junho aponta que, apesar de ser o terceiro maior emissor de títulos governamentais, a China ainda tem uma dívida estatal pequena em relação ao PIB — menos de 23% em 2014. Além disso, a maior parte dos títulos, públicos e privados, fica na carteira dos bancos. “Há três destinos possíveis para a poupança de um chinês: uma conta bancária que quase não paga juros, comprar imóveis ou investir em ações”, explica Jan Dehn, diretor do departamento de pesquisa da gestora de investimentos Ashmore, especializada em mercados emergentes.

Se a conta bancária é garantia de dinheiro corroído pela inflação, o jeito é apelar para os imóveis — afinal, nada mais real. Só que na China não é bem assim, ao menos não mais. É difícil encontrar dados oficiais sobre o setor, mas cálculos do jornal britânico Financial Times, baseados numa série de números do governo chinês, apontaram que o preço dos imóveis na China havia caído 4,3% entre dezembro de 2013 e o mesmo mês de 2014. Um relato curioso, de agosto do ano passado, chegou ao site MarketWatch: compradores de imóveis na planta protestaram na rua contra as incorporadoras porque elas diminuíram o preço dos apartamentos adquiridos em 25%, em apenas cinco dias.

Com os imóveis cada vez mais desinteressantes, o jeito foi olhar para a terceira opção, o mercado de ações. E ele estava lá, radiante e cheio de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs). De acordo com dados da PwC, foram 124 ofertas em 2014, considerando apenas as bolsas de Xangai e Shenzhen, e 187 na primeira metade deste ano — era a bolsa chinesa retomando níveis vistos em 2010, quando 349 companhias se listaram. Durante todo ano de 2013, os IPOs nas duas bolsas foram suspensos por causa da reforma das regras de listagem, publicada no fim daquele ano. Além de exigir mais transparência das companhias e prever punições para quem não informasse apropriadamente os fatores de risco, o regulador facilitou e acelerou o acesso à bolsa. Antes, os IPOs tinham que ser aprovados pela autoridade, que julgava se a companhia tinha condições de ser lucrativa além de verificar se cumpria as regras. O processo era demorado, abrindo espaço para a corrupção.

A criação de regras de IPO mais fáceis, a necessidade de capital pelas empresas e o desejo dos investidores por retornos maiores formaram o cenário de euforia. E os 6,6% de chineses com investimento na bolsa (pode parecer pouco, mas são 90 milhões de pessoas) viram fortes incentivos para negociar no mercado de ações. O desespero pelos papéis foi tal que algumas empresas chegaram a valorizar quase 300% no primeiro mês após a abertura de capital. Não satisfeitos em investir o que tinham, muitos chegaram a pegar emprestado. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, os chineses tomaram US$ 348 bilhões entre junho de 2014 e junho de 2015.

Teve dedo do governo aí também: antes de 2010, os chamados empréstimos de margem sequer eram autorizados, embora acontecessem informalmente. Ao longo dos últimos cinco anos, corretoras não só foram autorizadas a emprestar, como estimuladas pelo governo a fazê-lo.Chegou ao ponto de as pessoas precisarem vender suas ações para pagar de volta os empréstimos. Esse foi o alfinete que furou a bolha. “A correção do mercado foi motivada, principalmente, por dinheiro de investidores individuais, políticas do governo e liquidez não apoiada em fundamentos”, resume a gestora sul-coreana Mirae em seu relatório de julho.

Caçadores de bolhas
Um grande contingente de investidores individuais operando a curto prazo tem potencial para inflar uma bolha de proporções razoáveis. Principalmente quando o mercado não possui aquele tipo de investidor que ajuda a segurar as pontas, tem mais conhecimento para medir risco e pensa a longo prazo: o institucional. Um estudo da International Organization of Securities Commissions (Iosco) de 2012 dá uma ideia da situação: em 2010, as pessoas físicas eram responsáveis por 86% do volume negociado em bolsa de valores no país, enquanto os institucionais locais correspondiam por 13%, e os institucionais estrangeiros, 1% — para referência, em 2010 os números brasileiros eram 28%, 37% e 35%, respectivamente. “O varejo tende a ir atrás de bolhas. É preciso uma base maior de institucionais para frear esse impulso,” diz Jan Dehn.

O pesquisador da Ashmore vê o episódio muito mais como uma dor do crescimento do que como um sinal de que as coisas podem desandar na China. “O governo está liberalizando muita coisa que precisava ser liberalizada. Essas reações são naturais,” diz ele. Dehn vai além e diz que, quando implementadas, as reformas podem evitar a repetição de um episódio como esse. O governo chinês está finalmente permitindo que estrangeiros invistam no país, empresários locais busquem crédito fora de seu território e investidores domésticos comprem ativos de outras nações.

O primeiro passo foi um acordo para permitir que investidores da China pudessem comprar ações da bolsa de Hong Kong e vice-versa. Mas o governo já anunciou que, nos próximos anos, fará uma liberalização “radical” dos fluxos de capital. O relatório Bringing down the Great Wall? Global implications of capital account liberalisation in China, publicado no fim de 2013 pelo Bank of England, dava uma ideia do que isso pode significar: se em 2012 os chineses investiam em apenas 5% dos recursos mundiais, a estimativa era de que em 2025 essa porcentagem poderia subir para 30%. Na prática, isso significa que chineses terão um leque muito maior de opções para investir e que estrangeiros acessarão com facilidade o mercado chinês, ajudando a resolver o problema da falta de investidores institucionais. O governo também está permitindo o desenvolvimento de uma indústria de fundos, antes travada pelo fechamento ao capital internacional, e a popularização do mercado de renda fixa — tanto corporativa como pública — está igualmente na agenda, por meio de propaganda oficial e reformas que facilitam a distribuição desses produtos.

Dia seguinte
O estouro da bolha assustou os desatentos, mas a maioria dos especialistas que acompanha o gigante asiático de perto deu de ombros. Mark Mobius, gestor da Franklin Templeton e guru dos mercados emergentes, por exemplo, escreveu em seu blog já esperar uma correção do tipo e afirmou que, no longo prazo, “a história dos investimentos da China continua interessante”.

Em contrapartida, as medidas do governo para suavizar o efeito da bolha podem gerar outra, ainda maior.
O analista financeiro Jesse Colombo escreveu em sua coluna na Forbes que as atitudes pesadas do Estado para combater um mal não tão grande podem deixar todo mundo acomodado, criando um ambiente de “moral hazard” — termo usado para designar o sentimento cômodo de esperar ser socorrido pelo governo no futuro e, assim, correr riscos elevados demais. Além de considerar a criação de um fundo para estabilizar o mercado de ações diante de crises como essas, o governo tomou atitudes radicais: fechou a torneira dos IPOs, impedindo temporariamente a realização de ofertas a partir de 4 de julho; flexibilizou as regras para os empréstimos de margem, permitindo imóveis como garantia; encorajou corretoras a comprar ações com dinheiro emprestado do banco estatal; proibiu acionistas com posições relevantes e executivos de negociarem suas ações por seis meses; e, ainda por cima, tornou público que a polícia estaria investigando negociações “maliciosas” de posição vendida, um recado entendido como ameaça de prisão a quem estivesse apostando na baixa.

Acenos ao livre mercado em uma economia que, apesar da grandiosidade, sempre foi fechada e pouco transparente embasam a crença de muitos gestores: a tal da bolha não significou nada. O problema é quando esses sinais são intercalados com intervenções pesadas e autoritárias. Imprevisibilidade, como se sabe, é o que investidores de longo prazo mais temem.

Ilustração: Grau 180.com.


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