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Alinhamento ideológico?
Conselhinho absolve União em caso de abuso de poder na Eletrobras
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A emblemática condenação da União por abuso de poder de controle na Eletrobras foi por água abaixo. No dia 28 de junho, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (conselhinho) reverteu uma decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em 2015, a autarquia havia determinado que a União pagasse multa de 500 mil reais — a punição máxima aplicável até então — por entender que o governo federal votou em situação de conflito de interesses em uma das assembleias da empresa de energia.

A reversão desagradou a CVM. Apesar de enfatizar o respeito à decisão do conselhinho — última instância para as pendengas administrativas que envolvem o sistema financeiro —, o regulador reafirmou seu posicionamento por meio de um comunicado ao mercado divulgado no mesmo dia 28. A manifestação pública e proativa é prova do desgosto da autarquia. É comum que o conselhinho reduza penas aplicadas ou até mesmo reforme decisões da CVM, mas é extraordinário que a autarquia dê tamanha visibilidade a esses episódios.

Interesse de quem?

Para entender a decisão da CVM no caso da Eletrobras, é preciso retroagir a 2012. Na época, as concessionárias de energia elétrica operavam em compasso de espera, uma vez que boa parte dos contratos de concessão do setor estava prestes a vencer sem que soubesse como funcionariam as renovações. Havia só uma certeza: as concessionárias que não aceitassem os termos das renovações e encerrassem os contratos seriam indenizadas pela União pelos investimentos feitos para assegurar a prestação do serviço e que ainda não estivessem totalmente depreciados ou amortizados. O que faltava era clareza sobre o método de fixação dos valores das indenizações.

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A Medida Provisória (MP) 579, editada em setembro de 2012, chegou para pôr fim às dúvidas. Estabeleceu a renovação antecipada das concessões, desde que as empresas aceitassem reduzir tarifas e renunciassem a direitos anteriores à norma — entre eles, o de questionar o valor da indenização. Na Eletrobras, a adesão à proposta do governo acabou aprovada em assembleia com os votos favoráveis de União (controladora da companhia), BNDES e BNDESPar. Os minoritários votaram contra, por entenderem, assim como outras empresas do setor, que as indenizações previstas pela MP 579 poderiam ser maiores se contestadas.

A CVM concordou com os minoritários. Na leitura da autarquia, a União editou um arcabouço que lhe favorecia, na medida em que seus concessionários abriam mão de contestar os valores das indenizações. Ao mesmo tempo, no papel de controladora da Eletrobras, aprovou a adesão ao normativo retirando a chance da companhia de buscar um benefício patrimonial. Por isso, em julgamento feito em junho de 2015, o colegiado da CVM condenou a União por infração ao artigo 115 da Lei das S.As.: o controlador votou, em conflito de interesses, na assembleia que aprovou a adesão da Eletrobras à MP 579. A multa aplicada ao governo federal reforçou o entendimento de que as sociedades de economia mista devem seguir a lei societária da mesma forma que as empresas privadas.

Voto a voto

Diante da importância e do ineditismo do caso, a CVM pela primeira vez usou a prerrogativa de fazer uma sustentação oral na abertura de um julgamento do conselhinho. Fernando Soares Vieira, superintendente de relações com empresas (SEP) e autor do termo de acusação, e Celso Rocha Serra Filho, procurador federal lotado na autarquia, foram a Brasília defender a manutenção da pena. O esforço mostrou-se insuficiente. Quatro integrantes do conselhinho votaram a favor da manutenção da pena aplicada pela CVM — Otto Eduardo Lobo (indicado pela Ancord), Carlos Portugal Gouvêa (indicado pela Anbima), Thiago Paiva Chaves (indicado pela CVM) e Alexandre Henrique Graziano (indicado pela Febraban). Outros quatro votaram contra — Flavio Maia (indicado pela Abrasca) e relator do caso, Sérgio Cipriano dos Santos (indicado pelo BC), Antonio Augusto de Sá Freire Filho e Ana Maria Melo Netto Oliveira (indicações do Ministério da Fazenda). Como Oliveira também é presidente do órgão, couberam a ela o desempate e o voto que, por fim, absolveu a União.

“A leitura dos votos evidenciou um alinhamento ideológico entre o empresariado tradicional, de um lado, e o governo federal, de outro”, disse uma fonte que acompanhou a seção pública de julgamento. Com exceção do relator Maia, todos os votos contrários à manutenção da pena partiram de membros indicados por órgãos do governo.

Em geral, os integrantes do conselhinho se apoiaram no artigo 238 da Lei das S.As. O dispositivo prevê que o controlador da sociedade de economia mista tem os mesmos deveres e responsabilidades daqueles que comandam empresas privadas, “mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.

Como a Eletrobras surgiu para viabilizar projetos de infraestrutura e distribuição de energia elétrica, os conselheiros favoráveis à absolvição da União entenderam que o governo federal apenas cumpriu o que manda a lei. Uma eventual abstenção seria considerada omissão quanto às responsabilidades de controladora. Para os conselheiros que queriam a manutenção da multa, o interesse público que norteia a sociedade de economia mista não deveria ser confundido com o interesse de um governo específico — a MP 579 foi editada pela ex-presidente Dilma Rousseff como parte de uma estratégia de redução de tarifas para combater a inflação; mas, após as eleições de 2014, com o governo sem condições de manter a alteração das regras, a conta foi repassada aos consumidores.

Para especialistas que acompanharam o caso, o desfecho foi o pior possível. O investidor tende a impor descontos às companhias controladas pelo Estado, por nelas enxergar mais riscos. Pelo mesmo motivo, as sociedades de economia mista tendem a enfrentar dificuldades para captar recursos no longo prazo, inclusive por meio de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs).

 

 


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