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Acabou o glamour
Áreas de research sofrem com sobrecarga de trabalho e juniorização. E a culpa não é só da crise da bolsa
Acabou o glamour

Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

É tentador identificar uma relação de causa e efeito na flagrante correlação entre o declínio da bolsa brasileira e a redução dos departamentos de análise de ações de bancos e corretoras nos últimos anos. Essas áreas estariam hoje mais enxutas porque o mercado acionário perdeu atratividade e já não faria sentido manter tantos profissionais dedicados à cobertura de ações — da mesma forma como, no caminho contrário, o research ganhou vigor entre 2006 e 2008, período em que os IPOs pipocavam e o Ibovespa girava em torno dos 70 mil pontos. O raciocínio é, entretanto, simplório. Na visão de experientes profissionais do sell side (analistas de bancos e corretoras), de gestoras (buy side), de casas independentes e de relações com investidores (RI), a recente crise da bolsa apenas expôs as sequelas de um crescimento precipitado do segmento de análise.

“A atual conjuntura difícil explicita os problemas estruturais do research no Brasil”, afirma o diretor da SMC Capital, Sergio Goldman, com experiência de 25 anos como analista. Na avaliação dele, embora os departamentos de sell side tenham ganhado proeminência em tempos de bolsa em alta, permaneceram subestimados como área com potencial para geração de negócios. Normalmente, as recomendações feitas pelos analistas fazem parte de um pacote que as corretoras oferecem aos clientes, ao lado da intermediação de ordens, por exemplo. Com isso, viram um acessório — com o agravo de ser um item caro de se manter: a análise de ações requer profissionais dedicados e bem formados e uma estrutura de apoio robusta de terminais de cotações e notícias em tempo real. Essa estrutura ajuda a explicar o fato de o research ser um dos primeiros a sofrer diante de uma conjuntura desfavorável, como acontece agora. Recentemente, a corretora Fator encerrou as atividades da área de análise de ações para concentrar os investimentos na mesa de renda fixa.

“O mercado acionário amadureceu muito antes da hora, e mais rápido do que deveria. Nesse processo, acabou cheio de profissionais que, em vez de terem uma visão de executivos de negócios, são meros cumpridores de mandatos”, opina Valder Nogueira, head de equity research do Santander.

Sobrecarregados

Erguidas sobre alicerces frágeis, muitas áreas de análise sucumbiram ao vendaval que desola o mercado acionário — há três anos consecutivos o Ibovespa amarga quedas. Um levantamento feito pela central de inteligência de RI da bolsa verificou que, entre 2013 e 2015, aumentou em 25% o número de empresas cobertas, enquanto a quantidade de profissionais ativos no sell side caiu 10%. Combinados os números, chegou-se a uma conclusão preocupante: os analistas que continuam no mercado tinham nas costas em 2015 a reponsabilidade de cobertura de 33% mais companhias do que dois anos antes. Head de equity research do HSBC, Luciano Campos considera que o ideal é um analista acompanhar no máximo 15 empresas. “Infelizmente, vejo que hoje é comum haver profissionais encarregados de cobrir 30, 40 companhias. Nesses casos, o trabalho só pode ser de cobertura setorial ou de hedge”, observa.

Segundo a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), existem hoje 725 analistas credenciados para emissão de relatórios — o número geral não caiu, segundo o presidente da Apimec-SP, Ricardo Tadeu Martins, mas não é possível saber com precisão quantos estão de fato atuando na função. Quem vive o dia a dia do mercado assegura que muitos profissionais (alguns com experiência de décadas e carreira sólida na cobertura de determinado setor ou empresa) abandonaram a linha de frente. “A saída desses profissionais é uma grande perda em termos de capital intelectual para o mercado brasileiro”, comenta um profissional da área que, como muitos colegas, se afastou do research para avaliar novas perspectivas de estudo e carreira. “Vejo que muitos se cansaram das jornadas excessivas, das pressões crescentes e do trabalho subestimado”, relata.

Mudança regulatória tira sell side e companhias da zona de conforto

Embora por motivos diferentes daqueles identificados no Brasil, o sell side também atravessa um momento de mudanças na Europa. Segundo Robin Wrench, sócio da consultoria global de relações corporativas Brunswick, alterações regulatórias esperadas para os próximos anos no Reino Unido devem mexer com a dinâmica das áreas de análise, principalmente no que se refere ao chamado corporate access.

O acesso corporativo funciona da seguinte maneira: os gestores de fundos de ações (buy side) usam parte das taxas pagas pelos clientes para custear encontros com executivos de empresas. Quem faz essa ponte são as áreas de sell side dos bancos de investimento, que vendem o acesso às empresas por cifras elevadas. O regulador vê um conflito no uso desse dinheiro — as gestoras não deveriam usar as taxas pagas pelos cotistas nesse tipo de serviço (elas mesmas deveriam ir atrás das companhias). Por isso, pretende proibir a prática. “Com a nova regulação, os gestores de fundos terão que gastar as comissões de maneira justa e inteligente”, avalia Wrench.

Os departamentos de sell side e RI acompanham a mudança com preocupação. Essa situação tira da zona de conforto as áreas de análise, que não contarão mais com essa fonte de receita, e também as companhias, que talvez enfrentem uma redução do interesse dos investidores. Se antes elas podiam se dar ao luxo de esperar sentadas a visita do buy side, agora terão que pensar em formas de chegar até ele. (R.A.)

Novatos

A falta de analistas experientes contribui para uma “juniorização” do setor — situação na qual profissionais com pouco repertório aceitam assumir a tarefa de avaliar ações recebendo para isso um salário mais baixo. Esse cenário prejudica não só os investidores, que acabam recebendo análises superficiais dos ativos, mas também as companhias. Elas reclamam do fato de não conseguirem aprofundar o diálogo com quem emite opiniões sobre seu negócio — primeiro, pela falta de conhecimento dos analistas e, segundo, porque esses profissionais estão sempre apressados, por causa do excesso de trabalho.

“A análise de empresas não é uma ciência exata. A função exige muita experiência e só se consegue isso com a combinação de prática, estudo e reflexão. A qualidade do trabalho resulta fundamentalmente da qualidade das premissas inseridas nos modelos de valuation”, destaca a sócia diretora da Maple Consultoria, Ana Siqueira, que durante muitos anos analisou o setor de petróleo — por sinal, um dos que mais perderam analistas, conforme o estudo da BM&FBovespa.

No mercado, a discussão sobre a juniorização vem acompanhada de um debate sobre a falta de especialização. Por causa da sobrecarga de trabalho, hoje um mesmo profissional pode ser o responsável pela cobertura de setores tão distintos quanto educação e serviços financeiros. Para Nogueira, do Santander, o acompanhamento de segmentos não correlatos por um mesmo analista não é um problema se ele for capacitado. Essa abrangência, afirma, pode até contribuir para uma observação mais rica dos negócios — aqui vale uma analogia com um clínico geral que, ao ter uma visão mais ampla das doenças que afetam o corpo, pode identificar um problema que, eventualmente, passaria despercebido por um especialista.

Mas há situações nas quais a falta de especialização faz falta, como relata Thiago Rocha, diretor de RI da Senior Solution, empresa de serviços de tecnologia da informação para o sistema financeiro. “No nosso caso específico, sinto falta da especialização. Como somos uma empresa relativamente pequena, de um setor novo na bolsa e com poucas referências para comparação [Totvs e Linx, embora também sejam companhias listadas com atuação na área de TI, possuem características bem diferentes da Senior Solution], existe o risco de a análise desconsiderar sutilezas que fazem a diferença no negócio e a recomendação ser equivocada”, avalia.

Acabou o glamour

Olho no buy side

Um mercado de sell side enfraquecido transforma-se, ainda, em um desafio adicional para os departamentos de RI. Afinal, com menos analistas disponíveis, é preciso montar estratégias diferentes para disseminar as informações corporativas.

A saída pode estar na aproximação com os analistas buy side, que na atual dinâmica do mercado acabam não recebendo a mesma atenção que o sell side (profissionais de research que já atuaram dos dois lados observam que, na prática, é muito mais fácil ser atendido pelo RI de uma grande companhia quando se está do lado do sell). Essa solução parece óbvia quando se pensa que um dos objetivos principais do profissional de RI é disseminar a história da companhia para a ponta final, o investidor.

Diretor de RI da Odontoprev, José Roberto Pacheco elogia a qualidade do trabalho dos analistas do buy side, principalmente no exterior (onde está o maior número de acionistas da companhia). “Eles conhecem tudo dos modelos de negócios das empresas que cobrem. Também costumam demandar dos RIs mais informações estratégicas”, diz. Até conglomerados que, pelo tamanho e relevância, poderiam se preocupar menos em fomentar a cobertura de seus papéis procuram estreitar relações com o buy side. “Há 17 anos o Itaú integra o Dow Jones e está há dez na carteira do ISE [Índice de Sustentabilidade Empresarial da BM&FBovespa]. O banco tem larga atuação nas áreas de sustentabilidade, mas descobrimos, para nossa surpresa, que muitos analistas de buy side simplesmente não sabiam”, conta o diretor de RI do Itaú Unibanco, Geraldo Soares. “Decidimos, então, visitar fundos socialmente responsáveis para levar essa informação. Precisamos trabalhar também com o buy side porque ele faz o sell side falar sobre a companhia”, acrescenta.

Independentes

A situação complicada vivida pelos departamentos de sell side de bancos e corretoras abre espaço para que casas independentes de research se sobressaiam. Nelas, a análise não é um acessório, mas o carro-chefe. Uma empresa que vem ganhando proeminência neste segmento é a Empiricus. Criada em 2009, passou por reorganização societária, mudou o público-alvo (deixou de priorizar as corretoras como clientes para se concentrar na pessoa física) e vendeu, em 2013, metade do negócio para a americana Agora. “Fazemos uma cobertura setorial clássica, mas não engessada. Podemos mudar todo o enfoque de uma análise se surgirem novas ideias. Sem rodeios”, afirma um dos sócios, Felipe Miranda, profissional com passagem pela área de venda de derivativos do Deustche Bank.

Apoiada em um marketing agressivo (já ficou famoso o texto “O fim do Brasil”, no qual Miranda explicitou em meados de 2014 sua visão apocalíptica para o País), a Empiricus conseguiu chamar a atenção de pessoas físicas interessadas em investimentos. Elas têm acesso a conteúdo gratuito e podem comprar pacotes de análises — de ações e também de renda fixa e de fundos imobiliários, por exemplo. Segundo Miranda, são hoje 115 mil clientes dos serviços pagos. O modelo tem fãs e críticos, mas certamente não passa despercebido.

Com experiência de 15 anos no mercado financeiro, “sempre do lado do investidor”, Adeodato Volpi Netto diz só investir no que acredita. Foi essa a premissa fundamental para a estruturação da Eleven Financial Reaseach, casa independente de análises que está no mercado desde agosto de 2015. “Investimento não é apenas trading. É por limitar a ideia de investimento a vaivém de cotações, corretagens e taxas de administração que o research tradicional está em crise no Brasil”, afirma Netto, que toca o negócio ao lado de um time de profissionais com formações diversas. A Eleven oferece indicação de carteiras de investimento e diversos pacotes de análise de cenários e de empresas (faz até estudo sob demanda, de companhia específica, e cobre empresas que em geral não estão no radar do sell side). Também tem produtos de acesso livre e podcasts sobre o mercado que falam de economia com uma linguagem direta, sem jargões ou termos muito técnicos.

Ao oferecer aos investidores novos serviços, além de um gostinho da nova era de conteúdo direto e compartilhado, as casas de análise independentes conquistam clientes. Num lado da moeda a crise; no outro, a oportunidade.


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