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A polêmica em torno do voto negativo 
No caso de empresas sem controlador, mecanismo favorece oxigenação dos conselhos ou ameaça representatividade da base acionária?
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O voto negativo provoca um importante debate entre os participantes do mercado de capitais no Brasil, envolvendo desde interpretações de pontos da Lei das S.As. até implicações para a governança corporativa | Imagem: pch.vector – freepik

O mercado brasileiro ainda é predominantemente formado por companhias abertas com controlador definido. A tradição vem de décadas, o que na maioria das vezes facilita o entendimento e o consenso em torno de dinâmicas como as das eleições para assentos no conselho de administração. Pois no caso das empresas com capital pulverizado, em que não há um bloco controlador, muitas questões são relativamente novas e, por isso, suscitam acalorados debates. Uma delas surgiu recentemente com a proposta da Vale para, na reforma de seu estatuto social, incluir a previsão do chamado voto negativo para o pleito do board. 

Nesse mecanismo, bastante comum no mercado americano (repleto de corporations)os candidatos são escolhidos por votação individual em vez do modelo de composição em chapas habitual no BrasilEles podem receber votos favoráveis e contrários — mas se, por exemplo, um candidato tem mais votos negativos do que a favor de seu nome ele é barrado da disputa. Dada a característica de novidade, não foi surpreendente que logo surgissem defensores e críticos da ideia 

A pedido de Marcelo Gasparino, conselheiro independente da mineradora e contrário à adoção do mecanismo, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisou o voto negativo e se posicionou desfavorável à iniciativa. O entendimento parece ter motivado a Vale a retirar a proposta da reforma do estatuto social. 

Debate legal e de governança 

Independentemente da resolução da companhia, fato é que o voto negativo provoca um importante debate entre os participantes do mercado de capitais no Brasil, envolvendo desde interpretações de pontos da Lei das S.As. até implicações para a governança corporativa. “Mesmo que depois tenha sido retirada, a proposta da Vale serviu para trazer à tona uma discussão relevante sobre o sistema de votação para conselhos de administração no País. É verdade que o mercado nacional ainda tem muitas companhias com controlador definido, mas esse cenário está mudando”, pondera Pablo Renteria, sócio do Renteria Advogados e ex-diretor da CVM. 

Na avaliação de Renteria, não há incompatibilidade entre o instituto do voto negativo e o que estabelece a Lei das S.As. em seu artigo 129, que trata das deliberações das assembleias gerais de acionistas. “O voto negativo é expressão natural do princípio majoritário: como em qualquer votação, dá a possibilidade de voto a favor, contra ou de abstenção”, afirma, destacando que não conhece nenhuma jurisdição no exterior em que o mecanismo seja vedado. 

Já na avaliação do advogado Raphael Martins, sócio do Faoro & Fucci Advogadoso voto negativo numa eleição majoritária é incompatível com a Lei das S.A.s. “Me parece ser mais um dos novos ‘remédios’ usados por controladores descapitalizados para manter seu poder de controle mesmo tendo perdido essa condição. É uma importação parecida com as de superPNs e superONs, avalia, fazendo referência à questão dos direitos mais amplos de voto para determinados acionistas dentro de uma mesma categoria de ações.  

Importante ressaltar que a discussão em torno do voto negativo só faz sentido no ambiente das companhias com capital pulverizado. Isso porque apenas nessas situações uma eventual articulação de grupos de acionistas pode “anular” determinado candidato a conselheiro que não os agrade — quando há um controlador, o poder se suas ações é que acaba cravando as escolhas, mesmo que um grupo de minoritários tente fazer frente a essa circunstância.  

Disrupção? 

Na opinião de Martins, o perigo do voto negativo no contexto brasileiro é que ele sirva de instrumento para inviabilizar o nome de determinado candidato ao conselho de administração, o que feriria o pleno exercício do direito de indicação que cabe aos acionistas. Para ele, a instituição dessa possibilidade pode ser maléfica em termos de governança corporativa. “O voto contrário é um elemento de disrupção da representatividade dos conselhos de administração, órgão cuja composição deve refletir as vontades da base acionária.” 

Seguindo esse raciocínio, caso se permita que um grupo de acionistas articulados obstrua um candidato indicado por outros sócios que não tenham o mesmo poder de coordenação estaria perdida a noção de representatividade. “Mesmo que se considere o voto negativo legal, se estaria inserindo na lógica societária brasileira um péssimo instrumento”, acrescenta Martins. 


Confira o encontro “O voto contrário deveria ser adotado para a eleição de conselheiros?” 


Ao contrário, Renteria diz que esse mecanismo favorece a representatividade dos acionistas no conselhoà medida que aumenta as chances de eleição de candidatos de diferentes grupos. Além disso, afirma, acentua a pluralidade. “A vontade da maioria simplesmente não pode dar conta desse aspecto”, ressalta. “A virtude do voto negativo é o fato de dar mais poder para acionistas se oporem à eleição de candidatos que não lhes convêm.” 

Renteria lembra, ainda, que em termos de governança corporativa não existe uma fórmula que possa ser usada com eficácia semelhante por empresas de perfis e naturezas distintas. Embora concorde com esse ponto, Martins destaca a importância da harmonização e da equalização das diferenças entre os diferentes stakeholders — acionistas incluídos. E, nesse aspecto, ele defende que o voto negativo seria mais um ponto de desalinhamento. 

A questão central no caso brasileiro seria a possibilidade de grupos de interesses dentro do capital das companhias se articularem para fazer valer uma tese que os favoreça em detrimento de outros acionistas. O ponto é polêmico.  

Renteria não vê esse perigo. Segundo ele, uma pesquisa informal em atas de assembleias mostra que nas companhias sem controlador os encontros têm em torno de 80% de comparecimento. Com um baixo absenteísmo, portanto, ficaria muito difícil para grupos se articularem para, usando o voto negativo, fazerem prevalecer seus nomes no conselho. “Num cenário como esse, um grupo com 20% do capital, por exemplo, conseguiria barrar um candidato?”, questiona. Martins, em contraposição, afirma que não se pode ignorar que, no Brasil, grupos de acionistas não raramente conseguem se organizar para ampliar o próprio poder dentro de um conselho de administração. Entre prós e contras, fato é que a iniciativa da Vale pôs o assunto na agenda do mercadoe dela não deve sair tão cedo. 

 

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