A complicada transição para o futuro NetZero
Falta de pressa das empresas de óleo e gás suscita debate sobre como alcançar uma economia neutra em carbono
A complicada transição para o futuro NetZero
A questão é de uma complexidade ímpar e tem incitado investidores ativistas a aumentar a pressão sobre as maiores companhias de petróleo e gás. | Imagem: freepik

Tanto a ciência quanto a natureza dão sinais claros de que a crise climática não é um problema do futuro, mas do agora. De acordo com levantamento da World Meteorological Organization (WMO) e do UN Office for Disaster Risk Reduction (UNDRR), o aumento das temperaturas no planeta foi responsável por 50% dos desastres naturais e 74% das perdas econômicas reportadas entre 1970 e 2019. Até mesmo órgãos com discursos mais conservadores, como a International Energy Agency (IEA), têm emitido alertas preocupantes sobre o tema. Um relatório publicado pela entidade em maio de 2021 afirmava que, para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2050, novos investimentos no setor de petróleo e gás deveriam ser interrompidos até o fim do ano passado — o que, é claro, não aconteceu. Para desespero da sociedade e dos ambientalistas, essa indústria tem, ao contrário, continuado a crescer em várias partes do mundo — inclusive, no Brasil.

A questão é de uma complexidade ímpar e tem incitado investidores ativistas a aumentar a pressão sobre as maiores companhias de petróleo e gás. Em dezembro, antes mesmo da assembleia geral anual de 2022, os acionistas da petroleira americana ExxonMobil decidiram que a empresa deveria reforçar sua estratégia de transição energética, para zerar as emissões de CO2 de suas atividades até 2050. O plano inclui publicar metas de médio e longo prazo para redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) das operações, eletrificação (com o uso de fontes renováveis), fim da queima e liberação atmosférica de metano e uso de tecnologias de captura e armazenamento de CO2. A Exxon é um dos casos emblemáticos de petroleiras que foram encurraladas pelos investidores recentemente. Mas outras gigantes do setor vêm enfrentando situações similares, entre elas a Chevron e a Shell.

Presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Eberaldo de Almeida considera que petroleiras e ativistas estão do mesmo lado no que diz respeito à preocupação com a crise climática. Ele observa, contudo, que há um descompasso entre a velocidade das mudanças almejadas por cientistas e investidores versus a velocidade com que a indústria consegue colocá-las em prática sem desequilibrar a economia. “É preciso analisar o cenário com calma. Sem combustíveis fósseis não conseguiremos fazer a transição para uma economia zero carbono, pois não será possível produzir painéis solares e outros equipamentos. Também não conseguiremos garantir a segurança energética da população, o que é uma questão fundamental. E vale mencionar que cerca de 50% da tecnologia necessária para atingir a neutralidade de carbono ainda está em desenvolvimento ou nem começou a ser desenvolvida”, destaca Almeida. Ele participou ao lado de Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina, e Leonardo Trevisan, professor de geoeconomia internacional da ESPM, do encontro “A corrida contra o tempo do setor de óleo e gás”, promovido na Conexão Capital.

Embora os países ainda sejam bastante dependentes dos combustíveis fósseis, fato é que a indústria de petróleo e gás precisa se reinventar para que o mundo cumpra as metas de mudanças climáticas. Segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) as atividades do setor correspondem a 9% do total de emissões anuais de gases de efeito estufa (GEE). Já a queima de combustíveis fósseis produzidos pelo segmento gera 33% das emissões globais.

Zugman, diretor da 350.org, reconhece que as empresas de petróleo e gás deram passos importantes nos últimos anos, ao começarem a fazer investimentos mais robustos em projetos de eficiência energética. Mas ainda faltam, em sua visão, dois ingredientes fundamentais para que o engajamento contra a crise climática seja verdadeiro: pressa e compromisso para planejar e realizar as mudanças necessárias. “Tudo parece ser ‘postergado’ para 2050. Não vou ser demagogo e dizer que a partir de hoje o petróleo não pode mais ser explorado, porque temos que pensar na inflação e no impacto socioeconômico disso”, frisa Zugman. “Mas o problema é que os investimentos para exploração de novas áreas de combustíveis fósseis continuam, e não vejo metas claras e urgentes por parte das empresas para mudar esse cenário. O que temos são discursos bonitos e promessas de neutralidade que não esmiuçam os detalhes sobre o quê e como isso será feito. Na minha visão, o setor de petróleo e gás não está correndo, mas apenas caminhando”, critica o diretor da ONG.

Zerando as emissões líquidas

A transição energética talvez seja um dos maiores desafios de longo prazo que os países terão de enfrentar. Embora em 2021 o investimento na indústria de petróleo e gás tenha caído para 350 bilhões de dólares — patamar recomendado pela ONU para que não ocorram quedas acentuadas na produção que desestabilizem as economias —, o investimento global em fontes renováveis ainda está longe da meta estipulada pela organização. Ele deveria ser de 3,4 trilhões de dólares por ano, mas atualmente gira em torno de 1 trilhão de dólares.

Por isso, na opinião de Almeida, do IBP, os governos não devem se focar nas próximas décadas apenas na redução das emissões de gases do efeito estufa. É preciso que desenvolvam formas de alcançar a neutralidade das emissões líquidas de carbono. Isso é especialmente importante para países com matrizes energéticas baseadas em combustíveis fósseis, com destaque para a China (67%), índia (77%) e Estados Unidos (61,5%). Nesse contexto, uma alternativa que pode — e deve — ser mais utilizada pelos setores público e privado é a negociação de créditos de carbono, tanto no mercado regulado como no voluntário. “Obviamente, a indústria de petróleo e gás deve aprimorar os seus processos e investir em eficiência energética por meio de tecnologia. Mas as emissões que não podem ser reduzidas entrarão na compensação”, afirma.

Uma empresa com iniciativas em curso nessa frente é a Karoon, petroleira australiana que atua no campo de Baúna, ativo da Bacia de Santos. Para compensar cerca de 60% das emissões de escopos 1 e 2¹, a Karoon vai adquirir 480 mil créditos de carbono, volume que se soma aos 19,8 mil créditos obtidos em novembro de 2021. São os primeiros passos da empresa para zerar as suas emissões líquidas até 2035.

O lugar do Brasil na transição energética

Quando o assunto são os setores de origem de emissões de carbono, o Brasil é um ponto fora da curva. Segundo a OCDE, 76% das emissões mundiais vêm da queima de combustíveis fósseis pelo setor de energia elétrica, enquanto o uso da terra, desflorestamento e atividade agropecuária respondem por 15%. No Brasil, entretanto, o último grupo é responsável por 73% dos gases emitidos na atmosfera, e o setor de energia elétrica, por 18%.

“Não estou eximindo a responsabilidade do setor de óleo e gás, porque 18% é uma parcela significativa. Mas não estamos na mesma situação do resto do mundo. A matriz elétrica do Brasil é diferenciada”, destaca Almeida, do IBP. De fato, 85% da energia elétrica produzida no País vem de fontes renováveis, com destaque para as usinas hidrelétricas. E como a meta Net Zero estabelecida pela ONU define que os países devem chegar a 88% de fontes renováveis até 2050, o caminho a ser percorrido pelo Brasil é relativamente curto em comparação com outras nações. “Para diminuir as emissões nacionais, precisamos focar em ações de reflorestamento, de combate ao desmatamento e às queimadas e incentivar os mercados de créditos de carbono”, afirma Almeida.

No País, o IBP tem papel central na condução da transição energética. Segundo o presidente do instituto, além de coordenar o desenvolvimento de um inventário de emissões do setor no Brasil, o instituto conta com um grupo de cientistas que contribui com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e utiliza simuladores para estudar a composição ideal de fontes energéticas no País, a fim de limitar o impacto ambiental do segmento nos próximos anos.

Os esforços são indubitavelmente importantes, mas Zugman observa que um problema vem sendo negligenciado: os contínuos subsídios e incentivos do governo brasileiro à indústria de óleo e gás. Segundo levantamento da 350.org, 120 bilhões de reais saíram dos cofres públicos com essa finalidade em 2021. A agenda de leilões de blocos de petróleo também continua a todo o vapor, mesmo em áreas de preservação. “O Brasil tem o pré-sal, com um potencial gigantesco, mas está começando a abrir novas fronteiras exploratórias, entre elas algumas áreas próximas ao Parque Nacional de Fernando de Noronha e à foz do Rio Amazonas”, comenta Zugman. “Somos uma potência em fontes renováveis, mas continuamos a ir atrás de petróleo.”

Dado esse panorama, ele defende que sejam aproveitados os ativos que já estão sendo explorados hoje pela indústria e que os setores público e privado invistam em avanços mais contundentes em eficiência energética. “Os investidores e as próprias empresas estão ignorando o risco de buscar novos campos de exploração que só começarão a operar no fim dessa década. Esses ativos podem se tornar stranded assets (ativos encalhados) e gerar prejuízos altíssimos”, alerta. Um cenário temeroso para as empresas envolvidas, mas fundamental para a sustentabilidade do planeta.


¹  emissões que são resultado direto das operações da própria empresa (escopo 1) e emissões provenientes da energia elétrica adquirida para uso da própria companhia (escopo 2).

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