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Venda de legal claims é opção para empresas reforçarem caixa
Ambiente de juros baixos aumenta o interesse dos investidores por créditos originários de disputas judiciais
Venda de legal claims é opção para empresas reforçarem caixa

Ilustração: Rodrigo Auada

Quando as empresas precisam levantar recursos para arcar com obrigações financeiras ou realizar investimentos, pelo menos três caminhos são considerados: recorrer a empréstimo bancário, emitir ações ou títulos de dívida e vender ativos, como unidades de produção e bens imóveis. Mas nos últimos anos uma outra forma de aumentar a liquidez vem ganhando espaço. Trata-se da venda de créditos contidos em processos judiciais. Essa foi uma das estratégias adotadas, por exemplo, pela OAS, companhia de infraestrutura que entrou em recuperação judicial após envolvimento nas investigações de corrupção da Operação Lava Jato. Além de renegociar o perfil da dívida com os credores e transferir para eles seu principal ativo — a participação de 24,4% na Invepar, empresa que detém as concessões do aeroporto de Guarulhos e do Metrô Rio—, a OAS vendeu créditos a receber decorrentes de ações judiciais e pleitos administrativos para garantir recursos e honrar compromissos.

“Olhamos a carteira da OAS e vimos que a empresa tinha vários processos judiciais contra órgãos públicos que poderiam virar dinheiro, então fizemos uma oferta por eles no contexto da recuperação judicial”, relata Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, uma das líderes na compra desses créditos no Brasil e maior player independente desse mercado. O primeiro leilão de ativos judiciais da OAS, no começo do ano passado, rendeu à empresa cerca de 80 milhões de reais. “Como somos também credores da companhia, recebemos de volta parte do que pagamos pelos direitos judiciais”, explica Ferreira. A Jive se tornou credora da OAS em 2018, ao comprar créditos de bancos contra a empresa.



Apesar de veterana nesse mercado, a Jive não está sozinha. Bancos como o BTG, gestoras como a Jus Capital e a Quadra Capital e empresas de assessoria financeira como a Makalu Partners, além de uma série de escritórios de advocacia, atuam na negociação de litígios ou de “legal claims” (ações judiciais em inglês). O mercado não é exatamente novo no Brasil — operações vêm sendo realizadas há pelo menos dez anos. Mas o número e a variedade das transações, assim como a quantidade de agentes atuando no setor, cresceram de forma expressiva, principalmente nos últimos três anos, por causa do cenário de juros a cada dia mais baixos. “Com a Selic no menor patamar histórico, os investidores estão em busca de retornos maiores, e ativos judiciais proporcionam isso”, afirma Luiz Prado, sócio da Makalu, que assessora principalmente as empresas vendedoras dos créditos e que desde 2016 tem uma área voltada a ativos exóticos, categoria na qual se encaixam os créditos judiciais.

Enquanto a Selic está em 4,5% ao ano, fundos que investem em créditos judiciais oferecem aos investidores retornos na casa dos dois dígitos. Outro atrativo para os investidores é o fato de esse mercado não ter uma relação direta com a economia. Ou seja, oscilações na atividade do País não têm impacto direto sobre a rentabilidade das carteiras. “Isso é bom porque dá resiliência aos portfólios”, ressalta Ferreira, da Jive.

Antecipar recursos

Para as empresas autoras das ações judiciais, a vantagem de vender os créditos está no recebimento antecipado (embora com um grande deságio) de um valor que só alcançariam depois de anos, muitas vezes décadas, de disputa na Justiça. Mas não é só isso. Também há questões tributárias a serem consideradas, de acordo com Cristian Lara, sócio e fundador da Strategi Capital, empresa de investimento independente especializada em investimentos alternativos. “Após a sentença final de um processo judicial, a empresa credora precisa reconhecer parte do crédito no balanço e pagar imposto sobre isso, apesar de ainda não ter recebido efetivamente o dinheiro.”

As transações podem ter diferentes estruturas e atrair, inclusive, empresas saudáveis financeiramente. É possível, por exemplo, criar operações em que, apesar de vender o crédito com desconto, a empresa autora da ação judicial garante uma participação no dinheiro a ser recuperado lá na frente. Esse foi o modelo escolhido pela Cosan, companhia que atua nas áreas de agronegócio, energia e logística. Em setembro de 2019, a empresa vendeu por 400 milhões de reais direitos creditórios contra a União, sucessora do Instituto Brasileiro de Açúcar e Álcool em ações por danos passados decorrentes da fixação de preços do açúcar e do álcool abaixo do custo de produção. O comprador foi um fundo de investimento gerido pela Jus Capital. Pela estrutura do negócio, a Cosan ainda terá direito a um valor adicional, atrelado ao prazo do efetivo pagamento pelo governo.

Há também potencial para as empresas usarem ativos judiciais como garantia a empréstimos bancários ou operações no mercado de capitais, afirma André Mileski, advogado sócio do Lefosse, escritório que atua nesse mercado de litígios judiciais há cerca de dez anos e montou no ano passado uma área especializada nesses créditos. A Quatá, empresa do grupo produtor de açúcar e etanol Zilor, anunciou em outubro passado uma emissão de 700 milhões de reais em certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) que teve como garantia créditos contra a União similares aos vendidos pela Cosan. Foi uma das primeiras operações do tipo no setor.


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Vasculhando os balanços

Empresas especializadas na compra de créditos judiciais, como a Jive e a Strategi, vasculham os balanços corporativos em busca das disputas provisionadas e dos autores das ações. Ao identificar os ativos, analisam o processo judicial e também a solvência do devedor. “O que é necessário entender é se a disputa envolve um direito bom ou não, qual o prazo estimado para recuperação do crédito e quanto será possível recuperar”, explica Maria Tereza Tedde de Moraes Cavalcante, advogada sócia do Silveira, Tannous, Tedde Advogados, que geralmente assessora fundos de investimento interessados nos ativos. A partir daí, as empresas negociam com os autores das ações judiciais a compra dos direitos creditórios e depois atuam para recuperar o valor envolvido, acompanhando mais de perto os processos, rastreando bens dos devedores que podem ser dados em pagamento ou negociando um acordo com eles.

Os compradores finais são investidores profissionais nacionais e estrangeiros. Alguns preferem comprar créditos apenas quando já há uma decisão judicial final (os chamados casos transitados em julgado) e está faltando apenas a liquidação da sentença, que calcula o valor líquido a ser pago. Outros aceitam casos mais arriscados, em que ainda não há um direito definido. Claro que quanto maior o risco, maior o deságio exigido na compra do ativo e mais atraente o retorno caso o crédito seja recuperado. “Já vi compras com desconto de 99% no valor de face do ativo e também já vi com deságio de 40%. O mais provável é que fique acima de 70%”, diz Cavalcante. Em alguns casos, a Strategi ainda atua como financiadora de parte do litígio e vira sócia do cliente no ativo.

Precatórios em foco

Os maiores volumes de litígios negociados se referem a disputas em que o réu é um ente público — União, estados ou municípios —, que resultam nos chamados precatórios ou pré-precatórios (anteriores à sentença). Esse tipo de crédito atrai grande interesse de investidores estrangeiros. “Se envolve o governo federal, o investidor enxerga como risco soberano e se sente mais confortável para comprar”, afirma Sérgio Machado, advogado sócio do Lefosse. “Os brasileiros estão cada vez mais interessados nesses créditos, mas a maioria que atendemos ainda é estrangeira, acostumada com operações parecidas em outros países.”

As ações contra o governo costumam estar relacionadas a questões tributárias, que atingem todo um setor ou vários setores da economia. Segundo Machado, uma das teses mais antigas e a que gerou o maior volume de venda de créditos judiciais no País até agora é a do setor de açúcar e álcool, por danos decorrentes da fixação de preços. As ações começaram a ser ajuizadas na década de 1980. “O valor total de créditos dessa tese é avaliado entre 60 bilhões e 70 bilhões de reais, sendo que em dez anos cerca de 20 bilhões de reais já foram negociados”, diz Prado, da Makalu.

Com grande potencial de negócios, há a tese judicial mais recente sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu o mérito, mas ainda deve se manifestar neste ano sobre aspectos do efeito da decisão. As negociações de créditos dessa tese começaram em 2018 e já envolveram valor de face em torno de 10 bilhões de reais, segundo cálculos da Makalu. A Strategi Capital é uma das que já apostaram nesses ativos, de acordo com Lara. As estimativas mais conservadoras são de que a decisão do STF deve gerar um volume de crédito superior a 100 bilhões de reais.



Solvência do devedor

A análise feita para a compra dos créditos judiciais públicos é um pouco diferente da que envolve as transações privadas. No caso em que o devedor é o governo, é necessário olhar o estoque de créditos a pagar e se há atrasos nesses desembolsos. A União está pagando em dia todos os precatórios. Já alguns estados, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, têm longas filas de precatórios a serem pagos. “Dependendo do ente público, um credor pode demorar 10, 15 anos para receber depois de já ter encerrado o processo judicial e ter o precatório nas mãos”, afirma Cavalcante, do Silveira, Tannous, Tedde Advogados.

Se o devedor é privado, faz parte da due diligence a análise do patrimônio da empresa, para saber se ela terá condições de fazer o pagamento. Apesar de os créditos públicos serem maioria em volume, os privados têm apresentado grande crescimento. Para recuperar esses créditos entram em ação os investigadores, verdadeiros caçadores de bens que possam ser usados para quitar a dívida. “Temos toda uma estrutura para fazer a investigação do devedor e negociar com ele”, afirma Ferreira, da Jive.

Apesar de o mercado de litígios ser relativamente novo no Brasil, alguns investidores já conseguiram ver o retorno de suas aplicações. O primeiro fundo da Jive, que começou em 2015 e deve ser liquidado em 2021, captou 500 milhões de reais dos investidores e já devolveu 687 milhões de reais, tendo ainda 280 milhões de reais internamente para trabalhar, segundo Ferreira. “Nosso primeiro fundo tem rendimento acumulado de 22% ao ano, e o segundo, que captou 1,75 bilhão de reais, já rende 20,9%, percentual que ainda deve aumentar ao longo do ciclo de vida do produto.”

O terceiro fundo já está a caminho e deve ter praticamente o dobro do volume do anterior: de 3 bilhões a 3,5 bilhões de reais. Pelo modelo de negócios da Jive, primeiro acontece a captação de recursos dos investidores e depois a busca dos créditos para composição da carteira. A ideia é sempre diversificar no tipo e número de créditos, para não haver uma concentração de risco. Há também casos de investidores que já realizaram lucro operando no mercado secundário, apesar desse ainda ser bastante incipiente, diz Machado, do Lefosse. “Eles venderam o crédito antes da recuperação.” Fato é que o mercado de legal claims tem tudo a ver com o novo cenário de juros estruturalmente baixos no Brasil. Sem as facilidades da Selic nas alturas, vale cada vez mais o esforço para encontrar investimentos pouco ortodoxos que possam acenar com retornos auspiciosos.


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