O tombo da educação
Companhias do setor se ressentem de um modelo arriscadamente escorado no Fies

o-tombo-da-educação1O dia 8 de junho de 2015 ficará na memória de estudantes, acionistas e executivos de companhias de ensino superior privado. A data marcou o fim da insegurança em relação à liberação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para novos contratos no segundo semestre deste ano. O orçamento do programa para 2015 era de R$ 2,5 bilhões. Em junho, porém, de acordo com o Ministério da Educação, a verba já havia acabado. A notícia deixou o segmento em polvorosa, com medo de, dadas as dificuldades orçamentárias do governo, não haver recursos para novos financiamentos. Passado o susto, os bons ventos voltaram a soprar para o segmento na bolsa de valores. De 8 de junho a 20 de junho, os papéis de Kroton, Anima e Ser Educacional subiram, respectivamente, 4,55%, 6,40%,7,26% e 9,62%.

O episódio escancara a influência do Fies sobre os negócios das companhias abertas de educação. Grande impulsionador dessas empresas até bem pouco tempo atrás, o fundo é hoje seu calcanhar de Aquiles. De dezembro de 2014 para cá, o valor de mercado dessas universidades derreteu R$ 8,6 bilhões, ou seja, 21,9%, devido a mudanças no programa de financiamento estudantil. Não é para menos, dada a representatividade do Fies para essas companhias.
Para se ter uma ideia, na Kroton e na Estácio, os valores provenientes do fundo corresponderam a 41% e 40% das receitas líquidas de R$ 1,29 milhões e de R$ 722,3 milhões do primeiro trimestre de 2015.

A existência do programa teve a funcionalidade de estimular o setor. Isso ocorreu principalmente ao final do governo Lula, quando houve redução da taxa de juros ao aluno de 7,5% para 3,4% ao ano, ampliação do prazo de pagamento e possibilidade de o estudante solicitar o financiamento em qualquer período do ano. “Essas condições foram fundamentais para que as universidades tivessem confiança e abrissem as vagas”, recorda André Machado, investidor e professor do Instituto BM&FBovespa.Entre 2010 e 2014 foram firmados 1,9 milhão de contratos.

O número é significativamente superior ao contabilizado desde a criação do programa em 1999 até antes dos incentivos: 564 mil. Além das taxas subsidiadas, o estudante tem 18 meses de carência para recompor seu orçamento. Encerrado este período, o saldo devedor do estudante será parcelado em até três vezes o período do curso. Antes das mudanças do Fies, este prazo era acrescido de 12 meses. O incentivo à expansão das faculdades privadas no País se associava a uma bandeira política. Alinhava-se à campanha do governo federal para inclusão de jovens das classes C e D no ensino superior, uma das plataformas de campanha do Partido dos Trabalhadores (PT). Como consequência, até dezembro de 2014, as companhias abertas de educação viveram tempos de bonança e encheram os bolsos de seus investidores. Para citar alguns exemplos, quem tinha ações da Kroton obteve o fantástico ganho de 1.024% entre meados de 2011 e fim de 2014. Já os investidores dos papéis da Estácio viram suas ações subir de R$ 5 em setembro de 2012 para o pico de R$ 30 em julho de 2014 — uma valorização de 482%.

Mudança de ventos
Em dezembro de 2014, o tempo virou. Quem acreditou que o governo, mesmo com a corda no pescoço, não ousaria mexer nos incentivos do setor de educação quebrou as pernas. Nos dias 26 e 29, o Ministério da Educação (MEC) publicou no Diário Oficial as Portarias Normativas 21, 22 e 23, estipulando regras mais rígidas para a concessão do Fies. A iniciativa desagradou as universidades privadas, receosas do impacto das medidas na captação de alunos. Para ter acesso ao benefício, o estudante passou a precisar de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e nota diferente de zero na redação. Pelos cálculos do Sindicato das Empresas Mantendoras do Ensino Superior (Semesp), o impacto das novas regras é significativo e deve reduzir o potencial de alunos aptos a utilizar o Fies em 70%. “78% dos alunos matriculados com Fies têm até 1,5 salário mínimo de renda per capita e, com base nos microdados do Enem de 2012, sabemos que, nessa faixa de renda, aproximadamente 40% não obteve nota mínima de 450 pontos”, ressalta Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

Em março, um novo golpe envolvendo o fundo de financiamento estudantil alvejou essas companhias: o Ministério da Educação atrasou os pagamentos devidos às faculdades e universidades com alunos suportados pelo programa.
As companhias entraram na Justiça contra o governo para as transferências serem regularizadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o que ocorreu no primeiro semestre, mas sem o pagamento de juros.
O fundo paga as instituições com títulos públicos recomprados pelo governo, e em 2015 a data da primeira recompra estava marcada para 27 de fevereiro, mas não foi respeitada. Outra má notícia foi a redução de recompras por ano, de 12 para 8. Todos os fatores associados tiveram forte impacto no caixa das empresas. No primeiro trimestre de 2015, a Kroton reportou fluxo de caixa negativo de R$ 123,6 milhões. Já na Estácio, esse número ficou no vermelho em R$ 92,5 milhões. Na Anima e na Ser Educacional, os desencaixes foram de, respectivamente, R$ 17,1 milhões e R$ 27,5 milhões.

Numa tentativa de sanear o desfalque, a Estácio, já no fim de 2014, emitiu R$ 300 milhões em debêntures. Três meses depois, tomou um empréstimo no Itaú de R$ 200 milhões. “O impacto da Portaria 23 em nosso capital de giro e a decisão estratégica de continuar nossa expansão geraram a necessidade dessa operação complementar”, explica o presidente do grupo, Rogério Melzi.

o-tombo-da-educaçãoEm busca de alternativas
Diante da falta de recursos do governo, é esperada queda na renovação de contratos do Fies, feita em base semestral. Para conter a evasão de alunos, as instituições de ensino inovam. A Kroton criou o Parcelamento Especial Privado no primeiro trimestre de 2015, que já atraiu 22,8 mil estudantes. O programa autoriza o pagamento de apenas 10% do valor de cada mensalidade durante 12 meses do contrato, sem a cobrança de juros sobre o montante residual, de 90%. Após o fim do ano, o estudante terá como opções contratar o Fies, caso esteja disponível, tornar-se um aluno pagante ou aderir a um programa de financiamento que ainda está em fase de elaboração pela instituição. “A Kroton estuda ofertar produtos próprios de crédito privado em 2016. A premissa básica é contar com um parceiro responsável pelo funding, mitigando os riscos para a companhia”, adianta Carlos Lazar, diretor de relações com investidores.

A estratégia da Estácio, da Anima e da Ser Educacional para conter a evasão foi firmar uma parceria com a Ideal Invest, num financiamento batizado de PraValer. Ele permite ao aluno pagar 50% das mensalidades ao longo do curso e a outra metade após a formatura, sem a cobrança de juros. Os resultados divulgados pela Estácio e Anima com a iniciativa ainda são tímidos; cada uma obteve cerca de 2 mil adesões, número dentro das expectativas da Estácio. A Anima optou por não se manifestar. “A competição com o Fies impedia o crescimento do crédito estudantil privado. Agora, com as restrições, vemos o PraValer buscando crescimento, porém, existe um período de adaptação do consumidor”, analisam Guilherme Moura Brasil e Juliana Heimbeck, analistas do Banco Fator.

Ainda um bom negócio
A criação de alternativas de financiamento trouxe algum ânimo para o setor. Para os analistas do Fator, a crise também teve o lado positivo de conduzir as instituições a um modelo mais sustentável do negócio, além de direcionar os recursos públicos a alunos com reais dificuldades financeiras. Eles se fundamentam num estudo de Samuel Pessôa, no qual o economista da Fundação Getúlio Vargas revelou que apenas 30% dos estudantes financiados pelo Fies precisam dos recursos públicos para ingressar no ensino superior.

Por isso, apesar das incertezas, os analistas do Fator recomendam a compra de ações do segmento de educação. Entre os pontos positivos do setor, citam a baixa quantidade de brasileiros no ensino superior e a pulverização do segmento, o que abre espaço para os grandes players se consolidarem. Além disso, a despeito de as margens dessas companhias sofrerem com a pressão da evasão e da inadimplência, existem ganhos de escala à vista. Eles devem vir do crescimento do ensino a distância e de ações pontuais capazes de gerar bons resultados, como as sinergias possivelmente capturadas com a fusão de Kroton e Anhanguera, e o crescimento da Estácio na região Nordeste.
A exceção da recomendação de compra é para as ações da Anima, que receberam a orientação de “manutenção”. “Além de ser muito dependente do Fies, a companhia tem um ticket médio (valor médio das mensalidades) superior”.

O investidor André Machado é menos otimista com as ações das empresas de educação. “Sempre que compro um desses papéis fico apreensivo, pois qualquer notícia ou movimento errático do MEC pode resultar em um belo prejuízo”, diz. O tombo das empresas educacionais mostra que, em tempos de escassez, ninguém está imune à crise.

Ilustração: Grau 180.com.


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