Longe do fim
Os muitos obstáculos que a Petrobras precisa superar para voltar a crescer
Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Em menos de dez anos, os acionistas da Petrobras passaram da euforia à desolação. Se, em 2007, comemoravam a descoberta de reservas gigantescas de petróleo na camada pré-sal do campo de Tupi, na Bacia de Santos, em 2014 contorciam-se diante da sujeira trazida à tona pela primeira fase da Operação Lava Jato. A revelação, pela Polícia Federal, de um esquema bilionário de corrupção dentro da companhia arrastou as ações da petroleira para o fundo do poço. Desde o início das investigações, em março de 2014, até 7 de dezembro passado, as ações ordinárias recuaram 32% e as preferenciais, 44%. Com isso, o valor de mercado da Petrobras desabou de R$ 199,74 bilhões para R$ 103,50 bilhões, segundo a Economatica. Uma série de medidas foi tomada para tirar a petroleira do atoleiro, inclusive a troca da presidência. No lugar de Graça Foster, censurada por fazer vista grossa à roubalheira, entrou Aldemir Bendine, antes CEO do Banco do Brasil. Depois dela, vários outros diretores foram substituídos. O conselho passou por mudanças, com membros ligados ao governo dando lugar a profissionais do mercado financeiro e do setor de petróleo. Os primeiros resultados da nova configuração foram animadores: a companhia anunciou planos para vender ativos, reduzir a alavancagem e melhorar a governança. Porém, o calvário da petroleira ainda está longe do fim.

A companhia luta para reduzir seu endividamento, alavancado por investimentos — muitos deles questionáveis — feitos nos últimos anos. Um claro exemplo de como administrava mal o dinheiro é a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Quando a Petrobras iniciou o projeto daquela que seria a primeira refinaria construída pela companhia após 30 anos, em 2005, a expectativa inicial era de um gasto de US$ 2,4 bilhões. No entanto, o empreendimento, que conta apenas com um dos dois conjuntos de refino finalizado e em funcionamento, já sugou pelo menos sete vezes mais (US$ 18,5 bilhões) do caixa da Petrobras.

Por essas e outras, no fim de setembro de 2015 a dívida bruta da companhia alcançava a cifra de R$ 506,5 bilhões (o equivalente a US$ 127,5 bilhões), com mais da metade desse montante (R$ 265,3 bilhões) vencendo até 2019. De acordo com a Economatica, a Petrobras é hoje, entre as companhias de capital aberto das Américas, a segunda mais endividada. Perde apenas para a General Electric, cuja dívida bruta alcança US$ 226,5 bilhões.

Diante da alta alavancagem, os analistas do HSBC Luiz Carvalho, Filipe Gouveia e Francisco Navarrete avaliam ser “longo o caminho para a redenção” da Petrobras. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda (potencial de geração de caixa) da petroleira terminou setembro do ano passado em 5,24 vezes, ante 4,77 vezes no fim de 2014. O principal responsável por esse estouro foi a taxa de câmbio. No fim do terceiro trimestre, o dólar valia R$ 3,97, frente à cotação de R$ 2,66 no encerramento de 2014. Essa variação resultou num crescimento, no período, de 49% da dívida líquida da Petrobras denominada em moeda americana, que atingiu R$ 376,6 bilhões. No boletim Focus publicado no último dia 7 de dezembro, a previsão dos economistas era de que o dólar encerrasse 2015 a R$ 3,91. “Considerando o atual cenário do câmbio, a Petrobras continuará com uma dívida elevada”, avalia o analista do Santander Gustavo Allevato.

Para piorar, a perda do grau de investimento da Petrobras no ano passado, primeiro pela Moody’s e depois pela Standard & Poor’s, puxa para cima os custos de refinanciamento das dívidas com vencimento de curto prazo. “Esse cenário leva a empresa a buscar financiamentos alternativos, por exemplo, com os chineses, que não seguem as regras de rating das agências americanas”, diz uma fonte próxima à companhia, que preferiu não se identificar. “Só que aí não tem bondade. Os chineses são pragmáticos e cobram juros maiores”, afirma. Em outubro, a Petrobras tomou um empréstimo de US$ 2 bilhões, com vencimento em dez anos, com o Industrial and Commercial Bank of China Leasing. Outros US$ 5 bilhões, por exemplo, foram contratados com o China Development Bank Corporation.

Vendedores demais

O aperto não deu chance de escolha à companhia: era preciso aprovar a venda de ativos para abastecer o caixa. A entrada de dinheiro evitaria captações às pressas, com custos elevados e impacto negativo sobre o endividamento. Foi nesse contexto que o conselho de administração da Petrobras deu aval à venda da BR Distribuidora — ainda sem comprador definido — e de uma participação na Gaspetro (de 49%) para a subsidiária brasileira da japonesa Mitsui, por R$ 1,9 bilhão. Outros ativos também devem ser vendidos, diante da intenção da petroleira de arrecadar US$ 15,1 bilhões até o encerramento de 2016. A imprensa especula que a companhia possa se desfazer também, em parte ou integralmente, da Petrobras Biocombustíveis, além de campos de petróleo, rede de gasodutos e térmicas.

A piora do mercado de petróleo e a pressa da companhia em fazer caixa, no entanto, são inimigas na busca por compradores dispostos a pagar bons preços. Em artigo publicado no site Diálogo Petroleiro, em dezembro, o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli afirma que há muita oferta de ativo de petróleo no mercado por causa da queda no preço da commodity e que esta não é a melhor hora para se estar na posição de vendedor. Para provar sua tese, ele cita diversas empresas internacionais com planos de desinvestimento. Dentre elas, a francesa Total, que planeja abocanhar US$ 10 bilhões até 2017 com a venda de ativos, e a americana Chevron, cuja meta é ganhar US$ 15 bilhões até o fim do próximo ano ao se desfazer de licenças exploratórias na Austrália e de ativos na América do Norte, na Europa e na África. Exxon e Statoil também têm sido bastante ativas na oferta de ativos ao mercado, continua Gabrielli — assim como a Shell e a Repsol, que, após as aquisições de BG e Talisman, respectivamente, estão colocando à venda empresas menos atraentes dos seus portfólios. Diante dessas circunstâncias internacionais, o ex-presidente da petroleira indaga: “Como é que a Petrobras vai conseguir vender ativos de US$ 15 bilhões até 2016 e mais US$ 32 bilhões até 2019?”

A pergunta é pertinente, e a Petrobras sabe que não pode contar apenas com a venda de ativos para afrouxar a corda que a estrangula. Por isso, diante dos percalços financeiros, também recalibrou as metas de produção. Antes de o escândalo de corrupção emergir, o objetivo era chegar a 2020 produzindo 4,2 milhões de barris de petróleo ao dia (bpd), sem contabilizar gás natural. Em 29 de junho do ano passado, esse número foi reduzido para 2,8 milhões de bpd, quantidade mais condizente com a atual conjuntura econômica e o momento de fragilidade da empresa. “A prioridade será produzir o que for possível, respeitando as limitações financeiras da companhia”, ressalta Walter Mendes, conselheiro de administração da Petrobras. Em dezembro de 2015, a petroleira produzia cerca de 2,1 milhões de bpd, quantidade que deve subir para 2,2 milhões neste ano.

E não foram só as metas de produção que sofreram ajustes. Quando traçou o Plano de Negócios e Gestão (PNG) para os anos de 2014 a 2018, no qual estabeleceu US$ 220,6 bilhões em investimentos, a Petrobras usou como premissas o preço do barril de petróleo entre US$ 105 e US$ 95 e uma taxa de câmbio de US$ 2,23 a US$ 1,92. Entretanto, no fim de junho de 2015, quando reviu o plano, esses valores eram bem diferentes: o preço do barril girava em torno dos US$ 61 e a taxa de câmbio se aproximava dos US$ 3,10. Estabeleceu, então, investimentos relativamente bem mais módicos, de US$ 130,3 bilhões entre 2015 e 2019, concentrados no segmento de exploração e produção — o menor nível desde o cronograma lançado para o período de 2008 a 2012, no valor de US$ 112,4 bilhões. O balanço dos nove primeiros meses de 2015 evidencia o pé no freio. No período, os investimentos somaram R$ 55,4 bilhões, enquanto o Ebitda ajustado atingiu R$ 56,7 bilhões. Como comparação, no mesmo intervalo de 2014, esses valores somaram, respectivamente, R$ 62,5 bilhões e R$ 39,08 bilhões.

O corte de investimentos veio acompanhado de um maior escrutínio sobre os fornecedores. Depois que a Lava Jato escancarou um esquema de cartel envolvendo contratos da Petrobras, a companhia iniciou um processo de análise de idoneidade e governança de seus fornecedores. Resultado: 32 empresas foram excluídas do cadastro de prestadores de serviços da Petrobras e estão impedidas de participar de novas rodadas de contratos, conforme declarou, no início de dezembro, o diretor de governança, risco e conformidade da petroleira, João Elek. A medida faz sentido diante do estrago que o escândalo de corrupção causou na imagem e no balanço da companhia. Na demonstração financeira de 2014, a Petrobras registrou uma baixa de R$ 50,8 bilhões em seus ativos imobilizados. Desse total, R$ 6,2 bilhões foram admitidos como prática de corrupção. O restante foi resultado de ajuste decorrente de má gestão e de mudanças nas condições de mercado. A consequência foi um prejuízo de R$ 21,5 bilhões, em 2014, na última linha do balanço, o maior apurado por companhias abertas no Brasil desde 1986, quando a consultoria Economatica começou a contabilizar esses números.

Alguns órgãos calculam que o valor perdido pela Petrobras com corrupção seja muito maior. Em 12 de novembro, a Polícia Federal divulgou um laudo pericial indicando pagamentos indevidos feitos pela petroleira no montante de R$ 42 bilhões, entre 2004 e 2014, para 27 empresas investigadas pela Lava Jato. Já no início de dezembro de 2015, o Tribunal de Contas da União apontou, em relatório que seria enviado para análise do Ministério Público Federal e da Controladoria Geral da União, que contratos realizados pela petroleira entre 2002 e 2015 tiveram sobrepreços de R$ 29 bilhões.

Lucro na berlinda

Como consequência do resultado líquido negativo em 2014, a distribuição de dividendos foi suspensa em 2015. E, para este ano, as perspectivas também não são animadoras para os acionistas. Após o prejuízo de R$ 3,759 bilhões registrado entre julho e setembro, o lucro líquido acumulado nos nove primeiros meses de 2015 reduziu-se para R$ 2,102 bilhões. A diminuição deixou o mercado em alerta, já que a retração do preço do petróleo e a valorização do dólar, fatores que colaboraram para o resultado negativo, persistem. “Apesar de esperarmos resultados operacionais razoáveis no quarto trimestre, com a ajuda do aumento dos preços da gasolina e do diesel, provisões e despesas adicionais de poços secos costumam ser maiores no último trimestre. Isso pode causar mais uma queda no lucro líquido, prejudicando os resultados consolidados de 2015”, opina Allevato, do Santander.

O governo autorizou, em setembro passado, uma rodada de aumento dos combustíveis, que resultou em reajuste de 6% da gasolina e de 4% do diesel. Em novembro de 2014, esses produtos já haviam subido, respectivamente, 3% e 5%. A Petrobras pressiona o governo para uma nova correção dos preços, mas o Planalto se mantém relutante, por causa do impacto que o aumento provocará na inflação. Embora o receio seja compreensível (a inflação fechou 2015 na casa dos 10%), a avaliação de pessoas próximas à Petrobras é de que a empresa não conseguirá elevar a geração de caixa e, consequentemente, reduzir o endividamento, sem uma nova alta nos preços dos derivados de petróleo. De acordo com o conselheiro Mendes, a contribuição que a petroleira poderia dar ao controle da inflação já foi feita ao longo dos últimos anos. “Essa é uma deturpação que nunca deveria ter acontecido”, diz.

Mas não é só a receita com a venda de combustíveis que precisa melhorar — a obtida com exportações também. Entre janeiro e setembro de 2015, os embarques de barris ao dia de petróleo e derivados da Petrobras cresceram 29% sobre igual intervalo de 2014. Contudo, apesar desse aumento e da valorização do dólar, houve retração de 33% no valor exportado no período, para US$ 6,811 bilhões, em decorrência da queda no preço da commodity no mercado internacional, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). E a situação deve continuar complicada, diante da decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em dezembro do ano passado, de não fixar um teto de produção, o que ajudaria a reduzir a oferta do produto no mercado internacional. Entre março de 2014 (quando começaram as investigações da Lava Jato) e 7 de dezembro de 2015, o preço da principal referência internacional do petróleo (Brent) recuou da faixa de US$ 111,50 para US$ 40. Em dezembro de 2014, a Petrobras informou que o ponto de equilíbrio (break even) para a produção do pré-sal brasileiro era o preço a US$ 45 por barril. “A disputa entre os árabes e os produtores americanos deve continuar forte, aumentando a oferta e reduzindo os preços do petróleo”, afirma o consultor da área de petróleo e diretor da Expetro Jean-Paul Prates.

Informações falsas?

O horizonte está nublado, mas pode escurecer ainda mais se a Petrobras for obrigada a indenizar investidores que a processam por se sentirem enganados. Em setembro de 2010, a empresa levantou cerca de R$ 120 bilhões numa oferta de ações para financiar investimentos no pré-sal.
O dinheiro arrecadado, porém, foi usado para vários outros fins. Os recursos teriam não só capitalizado projetos onerosos e que, em alguns casos, foram cancelados após investimentos iniciais (como a Refinaria Premium I, no Maranhão, e a Premium II, no Ceará, que juntas geraram baixa contábil de R$ 2,7 bilhões), como também servido para pagar propina e sustentar a empresa em meio à decisão do governo de controlar os preços dos combustíveis. Como consequência disso, diversos investidores abriram processos contra a empresa na Justiça americana. Eles foram unificados e hoje formam uma única ação coletiva (class action). A Corte Federal para o Distrito Sul de Nova York designou, como autor líder da ação, o fundo de pensão inglês Universities Superannuation Scheme Limited.

De acordo com as notas explicativas do informe trimestral de resultados (ITR) da Petrobras, os argumentos que pesam contra a companhia são de que, por meio de fatos relevantes, comunicados e outras informações arquivadas na Securities and Exchange Commission (SEC), teria reportado informações “materialmente falsas e cometido omissões capazes de induzir os investidores a erro”. O julgamento da class action está previsto para setembro deste ano, com duração máxima de oito semanas. A Petrobras informou no ITR que “não é capaz de estimar com confiança a potencial perda nesses litígios”, mas está ciente de que, caso a decisão seja desfavorável ou se houver um acordo, poderá desembolsar “valores substanciais”, com um efeito material adverso sobre as finanças, os resultados e o fluxo de caixa consolidados. Informações publicadas na imprensa internacional especulam que a indenização aos investidores poderia chegar, na pior das hipóteses, à casa do bilhão de dólares.

Mudanças regulatórias

O esforço da companhia para colocar a casa em ordem é válido, mas dificilmente terá êxito completo sem ajuda da União. Um alívio poderia vir da revisão do modelo de partilha do pré-sal. Ele estabelece uma participação mínima obrigatória da Petrobras de 30% nos consórcios de exploração do petróleo da camada pré-sal; os outros 70% vão a leilão. A exigência onera a petroleira ao exigir sua presença em todos os certames, inclusive nos de pouco interesse comercial, num momento em que não dispõe de recursos. Uma sinalização de que o governo pode dar sua benção à alteração do modelo ocorreu em outubro, quando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou, num evento no Marrocos, que “pode rever isso”, dando “mais liberdade” às empresas na exploração do pré-sal. Além de beneficiar a Petrobras, o fim da obrigatoriedade da petroleira de operar todas as áreas do pré-sal criaria oportunidades para os participantes do setor, afirma o diretor geral da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fernández.

Criada para desenvolver o mercado brasileiro, a política de conteúdo nacional, se revista, também pode ajudar na recuperação da petroleira. A medida obriga a empresa a contratar percentuais mínimos de serviços e equipamentos da indústria brasileira. “Isso acabou criando um obstáculo para a Petrobras fazer investimentos de forma eficiente, já que os preços da indústria nacional são mais altos e as entregas acontecem com expressivos atrasos em relação ao que é produzido lá fora”, diz Mendes. Diante disso, o governo estuda alterar essa política ainda em 2016.
As mudanças são importantes, mas um final feliz para a Petrobras depende muito mais, agora, de alterações no preço do petróleo e na taxa de câmbio. Enquanto o valor do barril continuar baixo e o dólar valorizado, é pouco provável que a petroleira consiga se livrar do alto endividamento e voltar a crescer. As medidas que vem tomando para gerar caixa podem alargar o laço. Seu pescoço, entretanto, continua na mira.


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