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Inteligência artificial: da ficção à economia real
Destino de vultosos investimentos, tecnologia já é usada por bancos, gestoras de recursos e plataformas de crédito
, Inteligência artificial: da ficção à economia real, Capital Aberto

Ilustração: Rodrigo Auada

Os seres humanos já há milênios sonham em tomar emprestado (ou roubar?) poderes dos deuses para construir “seres” à sua imagem e semelhança. Da mitologia grega, por exemplo, veio a inspiração de figuras como Talos, gigante de bronze criado pelo deus da metalurgia Hefesto. A criatura rondava a ilha de Creta para protegê-la de embarcações inimigas. Passaram-se dezenas de séculos até que, nos anos 1950, esses sonhos, divagações e abstrações se tornaram palpáveis. Aquela década foi marcada por invenções como as leis da robótica de Isaac Asimov e o teste de Alan Turing. O modelo criado pelo matemático britânico era capaz de avaliar a capacidade de máquinas para vencerem o “jogo da imitação”, numa mimetização perfeita do raciocínio humano. Não sem motivo, foi nesses meados do século 20 que o termo inteligência artificial (IA) foi usado pela primeira vez, em conferência organizada pelo cientista da computação americano John McCarty, considerado um dos seus progenitores. Mas foi no fim dos anos 1990 que o poderio dos robôs ganhou notoriedade, quando o Deep Blue, da IBM, venceu o então campeão mundial de xadrez, o azerbaijano Garry Kasparov.

A partir dos anos 2000, a IA passou a viver seus momentos mais decisivos. Isso porque a análise eficiente de quantidades massivas de dados a resgatou dos roteiros de ficção científica para oferecê-la às empresas, capazes de dar a ela uma real aplicação. Mas não se trata apenas de processamento de dados: o que chama a atenção é o fato de os cientistas terem chegado à conclusão de que as máquinas são capazes de aprender quando têm acesso a uma grande quantidade de dados (machine learning). Se há conexão rápida de internet, elas podem processar linguagens e, no limite, tomar decisões. “No estágio atual, a inteligência artificial ainda não toma decisões complexas, mas isso já pode ser mais comum a partir de 2025”, estima Ricardo Santana, sócio da KPMG e um dos coordenadores do Centro de Excelência Lighthouse, parceria entre Google, IBM e Microsoft para fomento a iniciativas de inovação.

A IA também deixou de ser exclusividade das empresas de alta tecnologia: hoje está no cotidiano dos negócios da economia real. Especificamente nos mercados financeiro e de capitais, as máquinas inteligentes descomplicam processos e ajudam os humanos a tomarem decisões mais assertivas. A gestora de recursos britânica Man AHL, por exemplo, usa machine learning para identificar estratégias de investimento e encontrar o preço mais vantajoso para compra ou venda de seus ativos. No Brasil, a gestora de recursos Visia adota a tecnologia para identificar ineficiências de mercado e, assim, executar ordens de compra; já a Seival Investimentos encontrou na inteligência artificial uma forma de identificar comportamentos repetitivos de mercado encobertos nas flutuações diárias de preços. Com base nas tendências verificadas, os sistemas da asset geram sinais de compra ou de venda, iniciando a operação.

Os bancos também já aproveitam os benefícios da tecnologia. J.P. Morgan, Bank of America e Morgan Stanley usam serviços de análise de dados e processamento de linguagem da startup britânica Kensho, pertencente à S&P Global, para obter respostas para questões financeiras complexas — clientes com acesso a sua base, por exemplo, utilizaram as informações disponíveis para prever com rapidez a queda da libra após o Brexit, em 2016. A S&P Global pagou pela Kensho cerca de 550 milhões de dólares.

E os usos da IA não param por aí. A fintech brasileira Rebel, por exemplo, adota a tecnologia para cruzar cerca de 2 mil variáveis, como renda mensal, hábitos de compra, padrões de comportamento e alavancagem financeira, e assim oferecer uma proposta de crédito. Nos EUA, a startup Underwrite.ai oferece solução parecida para estabelecimentos dedicados a ofertar empréstimos. A empresa analisa milhares de dados de diferentes birôs de crédito para avaliar o risco de cada cliente — principalmente pessoas físicas e pequenos empreendedores. Outra seara em que a IA se destaca é a de aconselhamento a investidores. Por meio da tecnologia, a startup brasileira Warren identifica perfis e objetivos de investimento e faz recomendações para os investidores — para até 100 mil reais investidos, o custo de gestão de portfólio é de 0,5% ao ano.

À sua disposição

Em contraste com os robôs que trabalham nos bastidores do sistema financeiro, os assistentes virtuais, frequentemente acionados por reconhecimento de voz, são as inovações mais visíveis do campo de IA. E se na década de 1960 filmes futuristas apresentavam os nossos tempos tomados de robôs capazes de atender às vontades do ser humano, o que há de mais próximo desse cenário é a emergência desses assistentes.

Muito embora a Siri, da Apple, por enquanto não seja lá muito inteligente em algo que não envolva ajudas prosaicas — como escolher o que vestir com base na previsão do tempo e buscar uma rota de volta para casa —, os assistentes têm se saído bem em dar uma força à tão atarefada humanidade pós-moderna. Amy e Andrew, assistentes criados pela startup x.ai, dão conta, por exemplo, de adicionar compromissos à agenda, fazer reservas diversas e garantir que todos os participantes de reuniões de trabalho compareçam e recebam os documentos relacionados à pauta.

 

 

Também a partir da análise de linguagem, mas sem se comunicar diretamente com os usuários, a startup brasileira Atlas Governance, que tem foco na otimização dos conselhos de administração, oferece um sistema capaz de ler milhares de documentos para encontrar o que o usuário busca (ainda que ele não tenha usado a mesma palavra-chave, o sistema entende uma ampla gama de sinônimos e flexões verbais). Escritórios de advocacia, como o Urbano Vitalino Advogados, têm apoio de assistentes de IA na busca de informações e na elaboração de peças processuais. O objetivo é ganhar precisão e rapidez. As empresas de varejo também descobriram o potencial da ferramenta. No Magazine Luiza, a Lu está sempre pronta para atender o consumidor; já na Leroy Merlin, essa função fica por conta da Lia, só para citar alguns exemplos.


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Filhos do Watson

A disseminação desses robôs é, em grande medida, resultado de plataformas como a Watson, que reúne uma série de serviços de IA desenvolvidos pela IBM direcionados a empresas — ela ganhou atenção ao vencer, em 2011, o show de perguntas e respostas Jeopardy!, no ar na TV americana. É o sistema usado por boa parte das inovações nesse campo, já que reúne uma série de finalidades que podem ser adaptadas ao perfil de cada negócio — evidentemente, outros gigantes de tecnologia, como Google e Microsoft, também contam com as próprias plataformas.

No Brasil, a grande vedete desenvolvida na plataforma Watson é a BIA, a inteligência artificial do Bradesco, que desde o ano passado está disponível para os cerca de 60 milhões de clientes do banco em todo o País. A BIA começou a ser gerada alguns anos antes disso, com os funcionários das agências recebendo seu apoio para tirar dúvidas dos clientes — a ideia era que, quando ela fosse plenamente eficiente na solução de dúvidas, fosse estendida ao público. Agora, ela já fala diretamente com clientes e tem precisão de cerca de 90% nas respostas. Para chegar até ali, o primeiro passo foi, em 2014, o treinamento da plataforma para entender e falar português — o que, até então, ela não fazia. A empreitada foi tão complexa que o sistema foi usado como chamariz da IBM em campanha publicitária veiculada nos Estados Unidos sobre sua tecnologia de IA. Em março, o banco anunciou que a BIA havia batido a marca de 100 milhões de interações desde 2016.

Usando sistemas preexistentes ou desenvolvendo adaptações próprias para seus negócios, as companhias têm investido pesado para incorporar a tecnologia. Conforme estudo publicado pela PwC em 2017, a expectativa é de que os investimentos das empresas para a aquisição de ferramentas de IA cresçam 38% ao ano até 2022, atingindo a marca de 79,2 bilhões de dólares — em 2018, esse número foi de cerca de 20 bilhões de dólares.  Lideram os investimentos na tecnologia, os setores de varejo, com o desenvolvimento de assistentes virtuais, e bancário, com automatização de processos.

Outras soluções com forte aposta são direcionadas ao setor da saúde. O Grupo Fleury, por exemplo, lançou, em 2018, um exame de sequenciamento de DNA que usa IA (também da IBM) para detectar alterações genômicas de um indivíduo e coletar dados extraídos da literatura para auxiliar os médicos a identificar medicamentos e ensaios clínicos relevantes. O exame, capaz de analisar até 366 genes (o ser humano tem cerca de 20 mil), é direcionado a pacientes oncológicos que já não respondem ao tratamento padrão. Atento ao potencial da IA de revolucionar o setor, o Google, adquiriu, em 2014, por 400 milhões de dólares, a startup britânica DeepMind, que, dentre outras finalidades, interpreta a digitalização de olhos para recomendar tratamentos a cerca de 50 doenças que acometem o órgão.

QI limitado

Apesar de tantas inovações do maravilhoso mundo de IA, um adendo é necessário. Na maior parte do tempo, essa tecnologia não está tentando substituir a capacidade de discernimento dos humanos. Os sistemas de inteligência artificial costumam ter modus operandi limitado — eles são frequentemente muito bons em executar determinada função, e só. Embora o desempenho da IA cresça a passos largos — movimento que não deve desacelerar, dado que a capacidade de processamento de dados dos computadores dobra a cada 18 meses, conforme prevê a lei de Moore —, é importante não se empolgar demais em relação ao alcance de seu potencial de aprendizado e autonomia. Para se ter uma ideia, o QI de uma criança de seis anos gira em torno de 55,5 pontos, acima da pontuação de assistentes virtuais como o do Google (47,28), da Microsoft (31,98) e da Apple (23,94), conforme levantamento de pesquisadores chineses, divulgado no ano passado.

Os impactos e riscos da disseminação da inteligência artificial para a vida prática também merecem ser analisados com cuidado. A partir de uma das formas mais comuns de IA, o deep learning — espécie de rede neural em que camadas de aprendizado são sobrepostas para um fim específico —, a Uber (além de Apple, Tesla e Google) desenvolve carros autônomos, que basicamente dirigem sozinhos. A ideia parecia promissora até um pedestre ser atropelado por um carro em teste, no ano passado, na cidade americana de Tempe, no Arizona. O episódio gerou questionamentos sobre responsabilização no caso de esses carros passarem a povoar as cidades. Isso porque, a partir de determinado ponto, o robô ganha certa autonomia — sua atuação passa a ser baseada nos conhecimentos adquiridos conforme seu tempo de vida, não agindo mais conforme o programado inicialmente pelo seu fabricante.

Há ainda um outro problema: a IA muitas vezes pode acabar aprendendo com a ignorância humana. Em 2016, a Microsoft lançou a robô Tay, como um experimento sobre compreensão de conversas. A meta era que ela se parecesse com uma adolescente comum, interagindo sob o perfil @tayandyou em redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e Snapchat a partir de conteúdo sob curadoria de profissionais da empresa de tecnologia e das conversas com usuários — o discurso de Tay seria um reflexo do que fosse transmitido a ela. O resultado: em menos de 24 horas, Tay passou a reproduzir discursos de ódio — chegou a elogiar o nazista Adolf Hitler e a chamar o ex-presidente americano Barack Obama de macaco. Os disparates, ironicamente, são frutos da falta de discernimento humano, e não do robô.


Nas mãos de poucos

Embora a inteligência artificial esteja presente em diferentes setores e, literalmente, ao alcance dos nossos dedos, a tecnologia está concentrada em poucas companhias — na prática, logo que uma startup desenvolve um uso de IA com resultados minimamente relevantes é adquirida por uma grande empresa do ramo de tecnologia. Entre 2013 e 2017, conforme estudo da CB Insights, houve um aumento significativo nas aquisições de startups com foco em IA — somente entre 2016 e 2017, houve crescimento de 44% nesse tipo de operação no mundo todo. A corrida é encabeçada pelo Google, que adquiriu 14 empresas no período, seguida por Apple, Microsoft, Intel, Facebook, Twitter, Salesforce e Amazon.

A Siri, por exemplo, foi gestada em uma startup comprada pela Apple em 2010. Mas antes de fecharem acordos milionários de venda ou incorporação, as empresas de IA frequentemente recebem recursos de fundos de venture capital — 42% delas tinham esse tipo de investidor como sócio, conforme o levantamento da CB Insights. Um player importante nesse nicho é o Google, com o seu fundo de investimento Google Ventures. No último ano, a companhia investiu em 27 empresas de IA. Um sinal de que as bigtechs não querem perder o controle de uma das mais promissoras inovações do momento.


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