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Hora de regular os ICOs?
Especialistas discutem os dilemas por trás da criação de uma norma para essas ofertas
Hora de regular os ICOs?

Ilustração: Rodrigo Auada

As negociações com criptomoedas cresceram significativamente no mundo nos últimos anos. Mas o Brasil ainda está um passo atrás em volume de transações. Num ranking elaborado pelo Morgan Stanley neste ano, ocupa a sétima colocação em quantidade de corretoras de criptomoedas, mas em volume cai para 34º lugar, atrás até de um país minúsculo como Belize. As ofertas iniciais de criptomoedas (ICOs, na sigla em inglês) — uma febre em países como Suíça e Estônia — também penam para decolar no Brasil. O que explica esse cenário? Um marco regulatório poderia impulsionar essas emissões? Quais os desafios para a construção de uma regra que dê mais segurança jurídica a esse mercado? Essas e outras questões foram debatidas em Grupo de Discussão realizado pela Capital Aberto em agosto. Participaram do debate Byung Soo Hong, sócio fundador do BSH Law; André Carrera Fernandes, co-founder da Wuzu; Felippe Barretto, analista na CVM; Fernando Furlan, presidente da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB); Fernando Ulrich, economista-chefe de criptomoedas na XP Investimentos; Joaquim da Cunha Neto, diretor de inteligência financeira no COAF e Natália Garcia, diretora-jurídica na Foxbit.

Capital Aberto: Byung, qual a sua avaliação sobre a necessidade de regulação do mercado de criptoativos?

Byung Soo Hong: Esse é um mercado que hoje não anda junto à economia real e que tem várias peculiaridades. Os desafios são diversos: como captar o dinheiro? Como fechar o câmbio, operar, fazer a aquisição do ativo e realizar esse lucro? Qual é o efeito tributário? Todas essas perguntas precisam ser feitas numa operação envolvendo criptomoedas, ICOs. Em certas discussões com um viés mais ideológico, fala-se que a beleza desse mercado é a descentralização. Eu entendo que esse tema precisa de regulação para o seu desenvolvimento. México, Estados Unidos, Suíça, Japão e Coreia do Sul, por exemplo, têm regras para o funcionamento desses mercados.

Capital Aberto: Há uma cobrança do mercado por regulamentação pela CVM. Como está essa discussão hoje?

Felippe Barretto: O que nós temos na CVM é a aplicação de regras que valem para qualquer tipo de captação de recursos que acesse a poupança pública. A CVM, desde outubro do ano passado, quando se intensificou a febre de ICOs, sente a necessidade de explicar os riscos dessas ofertas para o mercado. Eu gosto de trazer para debate a decisão tomada pela CVM de regulamentar o fenômeno do equity crowdfunding, que antes era tratado como exceção à regra existente. Com a edição da Instrução 588, criamos uma maneira mais adequada de indivíduos poderem investir com segurança em startups. Esse ponto é importante por que mostra qual a tendência dentro da CVM. Para bitcoin e tokens, em geral, não há regra sendo gestada na CVM. Todas as manifestações até agora foram dentro do arcabouço que já existia.

Capital Aberto: O Furlan está à frente da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB), fundada recentemente e que reúne algumas fintechs e exchanges. Regular ou não regular, qual a sua opinião?

Fernando Furlan: Um dos objetivos da ABCB é fazer a interface entre o segmento e os reguladores. Sem dúvida alguma, a regulação é necessária, mas ela não pode engessar os mercados que estão começando a se desenvolver.

Capital Aberto: Essa regulação seria semelhante à regulação que hoje rege o mercado financeiro tradicional?

Fernando Furlan: No mercado financeiro nacional, há uma regulação bastante ampla e isso, obviamente, gera custos. O sistema financeiro, para oferecer todas as garantias, precisa cobrar tarifas mais altas, juros mais altos. É elitista. Tem uma gama muito grande de pessoas que não consegue utilizar o sistema. As tecnologias que suportam as criptomoedas têm potencial de inclusão financeira. No Brasil, nós estamos perdendo oportunidade de desenvolver certas áreas, como a capitalização de empresas, por meio das novas tecnologias baseadas na blockchain. Por isso, entendemos que alguma regulação seria positiva para dar segurança jurídica aos investidores brasileiros e às empresas que querem se capitalizar. Sem isso, muitas empresas brasileiras estão fazendo ICOs no exterior e captando dinheiro dos próprios brasileiros.

Capital Aberto: Qual seria a dosagem certa para essa regulamentação?

Fernando Ulrich: Considero que a autorregulação do mercado seria o arranjo mais propício. É preciso reconhecer que as criptomoedas envolvem uma tecnologia muito disruptiva e, por ora, não há um nivelamento de entendimento da tecnologia e de todas as suas facetas — ou seja, definições claras. O próprio Ethereum, que, quando começou, seria considerado um security [token considerado valor mobiliário], hoje é um utility token [token que representa direito a serviços].

Então, harmonizar definições é importante antes de darmos o passo do “vamos regular”. E essa não será uma tarefa fácil. Do ponto de vista de natureza econômica dos tokens, há os utilitários, que são ativos em si mesmos, são os próprios produtos. E o tokens representativos, que não têm valor por conta própria, porque representam uma ação ou um título. Um token representativo pode ser um valor mobiliário ou não. Então, a regulação mais benéfica seria aquela que provê esclarecimento e orientação para o setor. Parte disso já foi feito pelo Banco Central e pela CVM. Mas, em alguns casos, entramos em um limbo jurídico por causa da tecnologia, que é disruptiva.

Capital Aberto: Felipe, como a CVM analisa os tokens?

Felippe Barretto: A nossa fonte de inspiração vem da regra americana, que trata de investimentos ofertados publicamente [para saber se um ativo é valor mobiliário, a Securities and Exchange Commission (SEC) usa o teste Howey]. Recentemente, o regulador suíço divulgou um guia sobre como entender os diferentes tokens — utility, payment e asset — e trouxe definições inéditas. Interessante notar que, no grupo dos utilities, encontramos, em alguns casos, características similares com valores mobiliários, como direito à remuneração em forma de juros, participação acionária e direito a voto. Ou seja, temos um token híbrido. Nele, há uma natureza essencial de utility, mas as pessoas os compram com a finalidade de remuneração e, nesse caso, há aspectos de security.

 

Capital Aberto: Byung, como você vê essa diversidade de classificações na perspectiva do cliente?

Byung Soo Hong: Quando falamos de um token que lastreia um ativo financeiro, ele é que tem valor, e não o token em si. Nesse caso, o que importa são os detalhes do registro. Quando falamos de um token híbrido, existe um aspecto interpretativo do que é security e do que é utility. Se há um esforço específico do investidor, eu posso interpretar que aquilo não é uma security, isto é, um valor mobiliário. O esforço de classificação é importante para análise de cada situação e para que se verifique a necessidade de uma regulação.

Capital Aberto: Um exemplo de como a economia real briga com o segmento das moedas digitais é o encerramento, pelos bancos, de contas de exchanges e corretoras de bitcoins, com base no argumento da falta de transparência. Por mais que ainda não exista decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) vê essa questão?

Joaquim da Cunha Neto: O Coaf é uma unidade de inteligência financeira com o papel específico de receber comunicações de suspeitas de lavagem de dinheiro, analisá-las e disseminá-las para as autoridades competentes, quando necessário. É fundamental que, globalmente, se adote uma política mais ou menos convergente para a detecção desses crimes. As obrigações para fins de prevenção à lavagem de dinheiro são básicas: identificação de clientes, manutenção de registros e monitoramento de operações, para que, diante de situações suspeitas, as unidades de inteligência financeira sejam comunicadas. Quando um banco encerra a conta de uma exchange, ele está se baseando no princípio da abordagem baseada em risco. Ele tem no seu portfólio clientes com gradações diferentes de risco, sendo que cada instituição pode ter o seu modelo. É dentro desse contexto que a instituição toma a decisão de encerramento dessas contas. Obviamente há um questionamento judicial e, em certo momento, teremos uma definição sobre isso. A questão central é que precisamos de uma regulação, seja ela mais ou menos intrusiva, que dê sustentação para o mercado operar e para os órgãos reguladores assegurarem que esse mercado prospere sem fins criminosos.

Capital Aberto: Natalia, você trabalha na área jurídica da Foxbit, corretora de moedas digitais. Qual seria a regulamentação ideal para vocês?

Natalia Garcia: Em 2015, o mercado de criptomoedas no Brasil transacionou 43 milhões de reais e, em 2017, 8,5 bilhões de reais. É um aumento exponencial, por incrível que pareça, sem regulação. A Foxbit não defende que não haja regulação, porque, quando os valores negociados são muito grandes, isso pode afetar a economia popular e existe uma preocupação dos reguladores nesse sentido. A questão é como lidar com um ativo que, pela primeira vez, não tem fronteira. Essa é uma das pautas de discussão do G-20. No final de 2017, foi divulgado um relatório da União Europeia que mostra a porcentagem de criptoativos utilizados para lavagem de dinheiro — e o número era menor do que a porcentagem de fraudes com nota física. No Japão, uma jurisdição que já regula as criptomoedas, os próprios players criaram uma autorregulação que proíbe transações anônimas. Muito mais importante que esperar algo do regulador é o mercado se organizar para fazer a coisa certa. Há exemplos ao redor do mundo do que podemos aplicar no Brasil.

Fernando Ulrich: O ponto mais positivo da regulação seria tirar do setor essa aura de “mercado não regulado”, o que, especialmente para os leigos, gera uma percepção de que é um mercado que funciona à margem da lei. E não é o caso.

Felippe Barretto: Uma ideia que está sendo gestada na CVM é a realização de sandbox regulatório. Se essa iniciativa se concretizar, seria uma ótima ferramenta para não perdermos oportunidades. Os empreendedores poderiam testar seus projetos com a nossa orientação e sem medo de serem punidos. Não sei se todos sabem, mas existe Brasil uma bolsa de mercadorias que não é regulada pela CVM, porque o que é transacionado lá não são valores mobiliários — são grãos, café, cereais. Ou seja, apesar de se tratar de uma atividade de bolsa, ela está fora da competência da CVM. Mas nada impede de um dia isso mudar. A regra do que é ou não um valor mobiliário se transforma ao longo do tempo e, eventualmente, ela terá que ser ampliada.

 


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