Um mês para a estreia do Informe CBGC
Investidores e advogados dão dicas para a elaboração de um relatório verdadeiramente útil
Ilustração de documento com itens destacados com interrogação

Ilustração: Rodrigo Auada

Resta pouco tempo para as companhias abertas cujas ações integram o IBrX-100 e o Ibovespa enviarem à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o novo Informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa (Informe CBGC): em 31 de outubro termina o prazo para encaminhamento das informações ao regulador. Embora tenha sido longa a discussão que resultou na obrigatoriedade de entrega do informe, estabelecida na Instrução 586, o seu preenchimento ainda gera preocupação entre algumas companhias. Elas não precisam necessariamente seguir as diretrizes do CBGC espelhadas nos 31 itens do informe, mas precisam justificar suas respectivas escolhas e ações. Isso porque o documento foi estruturado com base no modelo “pratique ou explique”, internacionalmente adotado. “O problema é que, às vezes, explicar é mais difícil do que fazer”, comenta Carlos Motta, sócio do Tauil & Chequer Advogados.

Com seu caráter não normativo, o CBGC tem uma função de reforço da cultura de boas práticas de governança corporativa e da reputação da companhia. Trata-se de uma possibilidade de reflexão da empresa como um todo, na avaliação de Eduardo Figueiredo, gerente de investimentos da Aberdeen Standard Investments. Nair Saldanha, sócia do Madrona Advogados e vice-presidente da comissão jurídica da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), observa que o requerimento de mais informações é uma resposta que o mercado brasileiro deu à comunidade internacional diante da magnitude das revelações da Operação Lava Jato. Com a entrega do informe a partir do fim de outubro, o Brasil efetivamente passa a integrar o rol de 56 nações que já utilizam códigos orientados pelo “comply or explain”, entre elas referências em governança corporativa como Reino Unido, Alemanha e Japão.

Diferencial de mercado

Além de beneficiar a imagem das companhias, o CBGC deve contribuir para melhorar a comunicação com os investidores e se tornar uma espécie de diferencial aos olhos do mercado. “O código é uma questão de seleção natural, de sobrevivência da empresa”, afirma Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities. Ele reconhece que a ampliação das exigências de governança gera custo para as empresas, mas pondera que é preciso acabar “com os preconceitos” quanto ao informe. “No fim das contas, os objetivos [de investidores e companhias] não são conflitantes, todos querem crescer”, argumenta, acrescentando que o nível mais moderado dos juros no Brasil tende a aumentar a pressão de um número crescente de investidores ativistas sobre as companhias.

Uma problemática levantada quanto à obrigatoriedade do Informe CBGC é o fato de possivelmente se sobrepor ao já tradicional formulário de referência — documento que as companhias abertas devem periodicamente enviar à CVM. Ocorre que, apesar de o formulário de referência ser bastante detalhado, acaba não abarcando alguns pontos de interesse dos investidores interessados em avaliar o grau de comprometimento da companhia com a boa governança. Por vezes, o formulário também tem uma apresentação pouco amigável para consulta — bem diferente do que se espera para o Informe CBGC.

De acordo com Motta, o informe deve fugir de termos do “jurisdiquês” e de repetições de informações que já constam do formulário de referência (o que, na prática, até facilita o trabalho das empresas). Se, por exemplo, uma informação já estiver no formulário, no informe a companhia deve apenas dizer onde exatamente pode ser encontrada. Motta, do Tauil & Chequer, ressalta que as informações citadas devem estar amparadas por documentos, para terem respaldo legal. “O Informe CGBC é a porta de entrada dos investidores para informações que realmente procuram. Essa facilidade vai criar valor para a companhia”, completa o advogado. É recomendável, ainda, que as empresas acompanhem os informes de seus pares, para verificarem se as informações que apresentam (e a maneira como apresentam, em termos de clareza, harmonia) estão em linha com a concorrência.

 Questões delicadas

Em relação ao próprio código, que já tem dois anos, há críticas em relação a questões nevrálgicas para as companhias abertas — como a recomendação de que um terço do conselho de administração seja formado por membros independentes e de que empresa ofereça tag along de 100% no caso de alienação de controle. Outras questões delicadas são as condutas esperadas nos casos em que falte jurisprudência e as estritas recomendações envolvendo partes relacionadas. Na avaliação de Saldanha, do Madrona e da Abrasca, o CBGC gera desconforto ao incluir diretrizes para assuntos cuja abordagem é própria a cada companhia. “Um exemplo é o item que diz que ‘cada ação deve dar direito a um voto’. Há um problema na linguagem. Por que não pedir que a empresa ‘explique sua estrutura de capital e os direitos políticos e patrimoniais’? Assim seria neutro”, defende.

Motta discorda em partes. Para ele, a recomendação “uma ação, um voto” é um desenvolvimento natural da governança. “Esse item está, de fato, mal colocado no código. Mas não vejo problema no fato de uma empresa não seguir esse parâmetro, desde que explique muito bem o porquê”, analisa. Já Rudge, da Leblon Equities, vêm um aspecto saudável no incômodo que as perguntas código provocam, por suscitarem reflexões internas — inclusive do conselho de administração, o responsável, em última análise, pelo informe.

José Roberto Borges Pacheco, diretor de relações com investidores e planejamento estratégico da OdontoPrev, concorda com a avaliação de Rudge de que a produção do informe exige um trabalho conjunto da organização, feito com a chancela do conselho. “É preciso disseminar essa cultura no dia a dia, com a ajuda da comunicação interna”, complementa Pacheco. Um efeito colateral positivo da necessidade da apresentação do Informe CBGC, destaca Motta, é o fato de tornar praticamente incontornável a colaboração de diferentes departamentos.

Julgamento do mercado

A expectativa da CVM para o período de estreia do Informe CBGC é de que ele mostre que em geral as companhias ainda não seguem as recomendações do código. A avaliação da relevância dos documentos apresentados ficará a cargo do próprio mercado — ou seja, os investidores devem perceber quem se preocupou mais em fornecer informações importantes para o acompanhamento dos negócios. “Se os investidores entenderem as justificativas para a não adoção de recomendações do código, eles vão apoiar a empresa. Não há certo ou errado, mas também não adianta ter conceito bonito e fazer diferente na prática”, pontua Rudge.

Pacheco lembra da necessidade de as companhias se concentrarem na verdade em vez de se limitarem a dar desculpas elegantes. “Tenho a impressão que o Informe CBGC vai ser lido no detalhe, tanto pela concorrência quanto pelo investidor. Isso vale dinheiro! O mercado vai absorver essa busca por melhores práticas”, projeta. “É um avanço extraordinário para o Brasil. Tenho certeza que o mercado não vai punir quem se explicar direito”, conclui Richard Blanchet, sócio sênior do escritório Loeser, Blanchet e Hadad Advogados. Cabe agora às companhias acelerar o passo e usar o pouco que tempo que resta para pensar em explicações que convençam o investidor.


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