Atalho para o pregão
O polêmico uso de empresas-casca ressurge com uma veterana: a Inepar Telecom

atalho-para-o-pregaoA BM&FBovespa está prestes a ganhar uma novata, que chega discretamente. Ela atende pelo nome de WHPH Participações e Empreendimentos, uma espécie do que os americanos chamam de proprietary trading firm — empresa que reúne traders para operar com os recursos da própria companhia e abocanhar parte dos lucros obtidos com as transações (leia mais no quadro). Para ingressar no pregão, a WHPH não se registrou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tampouco se listou na Bolsa. Ela comprou a Inepar Telecomunicações, uma das integrantes do Grupo Inepar, que lhe servirá de abrigo. O uso das chamadas empresas-casca para queimar etapas da listagem e acelerar o processo não é inédita. O formato adotado pela WHPH, no entanto, abre uma brecha para empresas captarem recursos sem cumprir os ritos das ofertas de ações.

A estratégia é usual, sobretudo no mercado americano. Por lá, é comum uma empresa fechada tornar-se aberta após uma fusão com uma companhia já listada em bolsa ou em mercado de balcão, chamada de shell company. Esse tipo de empresa não possui ativos operacionais e sua única função é ficar na prateleira à espera de um comprador.

A Inepar Telecom, porém, não nasceu como empresa-casca. Foi criada em 1998 para colocar em prática um dos mais audaciosos planos do Grupo Inepar: o Iridium. Fruto de uma parceria com a Motorola, o projeto colocou em órbita dezenas de satélites que dariam suporte à primeira rede de telefonia com cobertura mundial. Apenas um ano depois, o Iridium naufragou. Foi desbancado pela telefonia móvel baseada em ondas curtas, de custo mais baixo, e usada até hoje. Como não surgiram novos projetos, a Inepar Telecom tornou-se uma companhia sem receita operacional, mas listada em bolsa. Por isso, acabou alvo de um empreendedor em busca de uma empresa de prateleira.

A tacada foi dada pela Paifer Management, de Joaquim Paifer, dono da WHPH. A gestora começou a comprar ações da Inepar Telecom no mercado secundário. Em janeiro de 2014, a participação atingiu 6,74% do capital votante. No comunicado divulgado na época, a compradora já admitia a intenção de arrematar o controle, mas somente em maio deste ano a ideia ganhou contornos reais. A WHPH comprou os 69,24% do capital da Inepar Telecom que estavam nas mãos de sua controladora, a Inepar Indústria e Construção (IIC), por R$ 5 milhões. A transação foi realizada dentro do plano de recuperação judicial do Grupo Inepar que envolve, entre outras medidas, a venda dos ativos que não interessam ao negócio.

Apesar do seu estado, a Inepar Telecom ainda tem muitos investidores. De acordo com a última versão do formulário de referência, são 23 acionistas pessoa jurídica e 1.577 pessoas físicas. Por isso, para arrematá-la, a WHPH lançou uma oferta pública de aquisição de ações (OPA), conforme exige o artigo 254-A da Lei das S.As. para os casos de alienação de controle. Pelos 30,756% do capital que resta em circulação, pagará R$ 0,02 por ação, mesmo valor destinado ao controlador. Se for aceita por todos os acionistas, a OPA, que está sob análise da CVM, lhe custará mais R$ 2,2 milhões.

Passe livre
Mas o que leva uma estreante a dar tamanha volta para acessar o pregão? O uso das empresas-casca poupa, sobretudo, tempo. Ao se fundir com uma firma de prateleira, a novata se livra dos trâmites de registro na CVM e na bolsa de valores. No Brasil, a estratégia já foi usada diversas vezes. Foi assim que a Ambev, sucessora das cervejarias Brahma e Antarctica, chegou à BM&FBovespa. Ela usou a Aditus Participações, criada em 1998 para ficar na prateleira. O uso das empresas-casca poupa, sobretudo, tempo. Ao se fundir com uma firma de prateleira, a novata se livra dos trâmites de registro na CVM e na bolsa de valores

O uso das empresas-casca poupa, sobretudo, tempo. Ao se fundir com uma firma de prateleira, a novata se livra dos trâmites de registro na CVM e na bolsa de valores

A última onda de IPOs do mercado brasileiro, que começou em 2004, também foi recheada de exemplos. Estão na lista ALL (que usou a Piúna Participações), Gafisa (Inhauma Participações), MMX (Tressem Participações), BR Malls (Itatira Participações) e BR Properties (Itarema Participações), entre outras. A GP Investments é a mais tradicional usuária da modalidade para levar investidas à Bolsa: mantém seis companhias em estoque na BM&FBovespa, e a lista tende a aumentar. Recentemente, cindiu parcialmente a Noah Participações e criou mais quatro empresas: Foxfield, Fourstones, Frieston e Finsburry. As quatro obtiveram registro de companhia aberta em julho e, até o fechamento desta edição, pleiteavam o ingresso na Bolsa. Procurada, a GP não concedeu entrevista.

A modalidade passa despercebida por dois motivos. O primeiro é a isenção da OPA por alienação de controle, habitualmente concedida pela CVM. Como todas essas novatas compraram empresas-casca clássicas — aquelas que são totalmente ocas e nunca emitiram ações —, não faria sentido abrir uma porta de saída para os acionistas se os únicos sócios são os próprios donos que deliberaram a venda. A segunda razão é que nenhuma delas escapou de bater à porta da CVM para solicitar o registro de seus IPOs. Todas precisaram do aval do regulador porque emitiam ações pela primeira vez. Recorreram à Instrução 400 para lançar os papéis, o que significa dizer que chegaram à bolsa de valores com informações documentadas em prospectos e apresentaram balanços auditados dos três anos anteriores.

O uso de uma companhia com histórico no pregão, como a Inepar Telecom, tem a desvantagem de exigir uma OPA por venda do controle, mas, em contrapartida, oferece condições especiais. Uma delas é a possibilidade de manter o capital formado por um terço de ações ordinárias e dois terços de preferenciais. Desde a reforma da Lei das S.As., em 2001, a proporção obrigatória passou a ser de 50% para cada espécie de ações, mas o direito adquirido pelas companhias que, antes disso, já tinham papéis em circulação, foi preservado — e a Inepar Telecom é uma delas. Outra regalia é não precisar apresentar balanços passados ou, no caso de uma pré-operacional, um plano de negócios. A novata pode ingressar na Bolsa apropriando-se do histórico de balanços da companhia que a abriga.

Há mais uma vantagem: aproveitar a Instrução 476 para emitir ações e listá-las sem a chancela da BM&FBovespa. A norma 476 permite fazer ofertas de ações, inclusive iniciais (IPOs), sem registro na CVM, desde que os papéis sejam adquiridos por até 50 investidores qualificados. A Inepar Telecom, apesar de estar com algumas informações periódicas atrasadas, poderia colocar a casa em ordem e aproveitar a 476. Por esse atalho, escaparia da elaboração de documentos, como o prospecto, e da publicação de avisos em jornais. Uma empresa de prateleira tradicional, sem ações em circulação, também poderia fazer oferta pela 476. Mas, para listar as ações pela primeira vez, teria de obter a aprovação da Bolsa.

Paifer, sócio da WHPH, afirma que não pretende fazer uma oferta de ações, mas dá poucos detalhes sobre seus planos futuros. No fato relevante em que anunciou a compra do controle da Inepar, a WHPH diz que seu objetivo é “formar uma companhia como as grandes empresas de investimentos proprietários americanas e impulsionar outras oportunidades de negócios”. Paifer não esclarece por que optou por ingressar na bolsa adquirindo uma empresa como a Inepar.

atalho-para-o-pregao2Melhor prevenir
O mercado americano padeceu com as empresas-casca após a edição da Lei Sarbanes Oxley (SOX), em 2002. Entre 2007 e 2010, 640 companhias abriram o capital nas bolsas ou mercados de balcão dos Estados Unidos por meio das chamadas fusões reversas, segundo estudo do Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), órgão criado pela SOX para avaliar a adequação contábil. Nesse tipo de transação, uma empresa pequena, de prateleira, adquire outra, maior, que passa a dominá-la.

A estratégia foi usada por companhias chinesas, que se listavam nos Estados Unidos sob as vestes das shell companies, captavam recursos, mas permaneciam com suas atividades operacionais sediadas no país de origem. Em 2011, após suspender várias dessas empresas por inadimplência de informações e falta de precisão, a Securities and Exchange Commission (SEC) emitiu um comunicado instruindo os investidores a terem cuidado. Advertiu que companhias chinesas mantêm informações sob sigilo, tornando-as inacessíveis a auditores e analistas. Em 2013, a petroquímica Keyuan, listada sob uma shell company, celebrou um acordo de US$ 1 milhão com a SEC. O regulador descobriu que a companhia mantinha um balanço paralelo no qual contabilizava, secretamente, bônus e vantagens para seus executivos.

A experiência dos americanos levou a BM&FBovespa a restringir as regras para as empresas-casca. “Pesquisamos como essas empresas se comportam nos Estados Unidos e vimos que estão associadas a episódios ruins. São eventos de ocorrência remota, mas com potencial de criar grande impacto negativo para o mercado”, justifica Flavia Mouta, diretora de regulação de emissores. A empresa-casca clássica continuará a ser registrada, mas por no máximo 12 meses. Se dentro desse período não emitir ações e nem ingressar no pregão, será banida. As empresas que foram aceitas antes da mudança de regras ganharam um prazo adicional: poderão ficar inoperantes até o fim de 2016.

As moribundas como a Inepar, que possuem ações em circulação, não estarão sujeitas a essas regras, mas terão outro limitador. As novas normas preveem que empresas com ações cotadas abaixo de R$ 1 por 30 pregões consecutivos terão de adotar medidas para restabelecer o preço — normalmente, os tradicionais grupamentos de ações. Se não o fizerem, serão multadas e poderão ter o registro cancelado. A regra não é específica para as empresas-casca com perfil da Inepar, mas recai sobre elas como uma luva: é preciso encontrar uma pechincha no pregão para a estratégia da fusão reversa valer a pena.

Atualmente, a BM&FBovespa abriga 12 companhias com ações negociadas na casa dos centavos e valor de mercado inferior ao da Inepar Telecom, segundo a Economatica. Com as limitações impostas pela Bolsa, porém, será mais difícil acessar o pregão debaixo de empresas como essas. Ao menos até que alguém criativo encontre um jeito.

Reality show de traders

No ano passado, A WHPH captou R$ 70 milhões numa emissão de debêntures. De acordo com o sócio Joaquim Paifer, amigos e familiares arremataram os títulos. Depois de se abastecer financeiramente, a WHPH partiu para o recrutamento de traders. O processo de seleção escolhido é pouco usual na área de recursos humanos: acontece por meio de competições simuladas de negociação, no estilo reality show.

O objetivo de uma proprietary trading firm é atrair operadores arrojados, afeitos aos negócios intradiários em bolsa de valores, com a promessa de lucro elevado, rápido e sem riscos. Os traders não investem recursos próprios. Operam com o capital da empresa e, por isso, devem dividir com ela os ganhos obtidos.

Denominado “Vida de trader”, o desafio da WHPH, promovido pela Tuchê Asset Management, outra empresa de Paifer, encerrou sua primeira edição em junho. Cerca de 500 candidatos realizaram operações num simulador, e os dez mais bem colocados foram para a etapa final, em Sorocaba (SP). A competição contou com transmissão on-line e notícias atualizadas transmitidas por um blog. O primeiro colocado ganhou o direito a operar R$ 500 mil; o segundo, R$ 300 mil; e o terceiro, R$ 200 mil.

Pelo site da carioca Auctus, que se intitula a primeira proprietary trading firm do País, é possível conhecer um pouco mais do negócio almejado pela WHPH. Os traders da empresa, fundada em 2013, são selecionados por meio de competições, e os mais bem colocados recebem até R$ 500 mil para operar. A Auctus oferece 50% dos ganhos aos traders e promete uma segunda forma de remuneração. Como numa pirâmide dividida em níveis, os operadores com melhor desempenho ganham o direito de montar os próprios times, embolsando 10% dos ganhos de cada discípulo.

Atualmente, a Auctus tem 20 traders. Nenhum deles chegou ao ponto de montar a própria equipe. “É preciso ter um longo histórico de operação para alcançar esse nível”, diz David Rabello Filho, fundador da Auctus. O negócio parece promissor, mas Rabello reconhece que a Auctus cresceu menos do que ele esperava. A principal dificuldade, aponta, é operar num mercado em que todas as transações devem passar por um intermediador. Nos Estados Unidos, onde o modelo de negócio dessas firmas se desenvolveu, as corretoras de valores são dispensáveis, o que reduz o custo das transações. (Y.Y.)

Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com


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